No dia 17/08, às 18h, a Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora (EFoP) realizará o debate: “Por que a Reforma Administrativa é um ataque a todos os trabalhadores?”, com a Prof. Dra. Selma Venco. Até lá, o Universidade à Esquerda irá publicar diversos textos para contribuir com as discussões. O evento visa trazer questões que possam ser úteis às mobilizações que têm sido organizadas para combater a Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, que visa atacar o regime de trabalho dos servidores públicos.
As diferentes formas de contrato e os desafios para a organização dos trabalhadores
A proposta de Reforma Administrativa apresentada pelo governo Bolsonaro tem como um de seus principais pontos a instauração de diferentes formas de contrato no âmbito do serviço público. É previsto concursos para carreiras de Estado e para contratos de tempo indeterminado, mas também a abertura de contratos temporários.
A reforma extingue o chamado Regime Jurídico Único no serviço público e se institui uma série de novas forma de contratação, sendo: (1) vínculo de experiência; (2) Cargo típico de Estado, sendo este o único que poderá alcançar estabilidade; (3) Cargo com vínculo por prazo indeterminado; (4) Cargo com vínculo por prazo determinado; e (5) Cargo de liderança e assessoramento.
Além de impactar na estabilidade dos servidores, a coexistência dessas diferentes formas de contrato trazem duros impactos para o trabalho e capacidade organizativa dos servidores.
De acordo com Selma Venco, em seu artigo intitulado “Precariedades: desdobramentos da Nova Gestão Pública no trabalho docente”, o setor público desde a década de 1990 reorienta as suas ações, de forma a adotar preceitos da Nova Gestão Pública (NGP). De acordo com a pesquisadora, o objetivo central da NGP “é transpor as técnicas gerencialistas do setor privado à administração pública”. E é esse um dos aspectos que parece estar em jogo na Reforma Administrativa.
Um dos aspectos, por exemplo, é a instauração de rotatividade do coletivo de trabalhadores, que é hoje um dos problemas típicos do setor privado e que impacta diretamente a capacidade de qualquer coletivo em se vincular e de se organizar politicamente. Com a rotatividade, trabalhadores são fragmentados temporalmente do conjunto de trabalhadores que formam sua categoria, o que impacta diretamente na capacidade de unir e organizar a luta política.
Em outra ponta, o fato de que as funções de chefia deverão ser ampliadas para pessoas de fora da categoria — ou seja, que sequer são do serviço público —, a serem indicadas pelo poder político, nos remete a um retorno às práticas patrimonialistas que historicamente busca-se combater nas lutas dos trabalhadores. Perde-se, nessa situação, qualquer relação de solidariedade que possa existir entre aqueles que ocupam os cargos de chefia e os outros trabalhadores, e amplia-se a possibilidade de perseguição política dentro dos serviços.
De forma geral, a institucionalização de vínculos precários de trabalho limita a capacidade organizativa dos sujeitos trabalhadores, em um campo mesmo que individual, uma vez que são submetidos a condições objetivas de trabalho que impõem uma relação degradante com as atividades laborais. Venco, em seu artigo acima citado, configura a partir da socióloga Danièle Linhart o conceito de precariedade objetiva, sendo esta caracterizada pela “fragilidade nos contratos de trabalho, do trabalho desprotegido de direitos, e de caráter temporário”.
A perda de um vínculo empregatício estável e de outros direitos trabalhistas submete os trabalhadores a terem que trabalhar em condições de doença, de exaustão, com a incerteza de onde estará no próximo ano, sem a possibilidade de ter autonomia criativa e política na execução de suas atividades, sem vínculo com o próprio espaço do serviço e executando atividades que sequer são de sua alçada.
Para além da precariedade objetiva, que parece se propor a mortificar o trabalhador e qualquer potência que ele possa vir a ter, Selma Venco também chama a atenção para a forma de precariedade subjetiva, atrelada à lógica gerencialista predominante no mundo do trabalho e que se agudiza na proposta da reforma administrativa.
Está relacionado a isso a exigência de responsabilização individual por resultados, que estabelece metas a serem atingidas por cada serviço. Nessa lógica, os trabalhadores passam a ser avaliados por avaliações homogêneas — que desconsideram a heterogeneidade e diversidade cultural e socioeconômica de cada lugar. O trabalho passa a ser orientado por apostilas ou cartilhas técnicas que ditam a forma de executar suas atividades e, ainda, os trabalhadores acabam se distanciando dos próprios conhecimentos de sua área de formação para se submeter às ordens da gestão.
As consequências dessa situação são exemplificadas no depoimento de uma professora da rede estadual de São Paulo, presente no trabalho realizado por Selma Venco, em que a trabalhadora faz o seguinte relato: “o trabalho muda o tempo todo e dizem que é preciso dar aula de outro jeito… eu cheguei à conclusão que não sei mais fazer o meu trabalho…”.
Esse quadro de precariedade no serviço público que se agudiza na proposição da reforma administrativa parece ter como um de seus objetivos podar toda e qualquer disposição dos sujeitos a elaborar sobre seu trabalho e a se lançar em atividades políticas e de luta no que tange o papel dos próprios serviços e também de suas condições de vida.
Para além do que atinge cada um, objetiva e subjetivamente, a coexistência de diferentes formas de vínculo empregatício fragmenta os servidores, até mesmo os antagonizando entre os que podem gozar de uma estabilidade e aqueles temporários. Os trabalhadores são lançados um contra o outro, o companheiro de trabalho passa a ser apenas aquele que pode roubar sua vaga ou te fiscalizar. Os direitos já não são mais os mesmos e as pautas vão se distanciando.
Essa fragmentação incide de forma brutal na capacidade coletiva de organização dos trabalhadores de uma mesma categoria, de um mesmo serviço e de uma mesma classe.
No processo de tramitação da reforma já se busca, por aqueles que a defendem, construir uma antagonização entre os servidores públicos e os outros trabalhadores, colocando os primeiros como “os privilegiados” e inimigos do resto da população. Uma mentira desgostosa que busca quebrar a solidariedade entre aqueles que estão do mesmo lado e que serve apenas ao aprofundamento do rebaixamento das condições de trabalho de toda a classe trabalhadora. Aspecto que na reforma administrativa parece se agudizar ainda mais.
A partir desse panorama, fica claro que dentre todas as atrocidades que a reforma administrativa impõe aos trabalhadores, se expressa também o objetivo de cercear e limitar qualquer capacidade de elaboração e atividade política que se lance a alcançar melhores condições de vida e de emancipação aos trabalhadores.
Esse é um aspecto diante do qual não se pode ter ingenuidade, uma vez que que nos fragmenta e fragiliza décadas de lutas e avanços futuros.
Convite
Estes e outros pontos da Reforma Administrativa serão abordados no debate do dia 17/08, que ocorrerá às 18h, no canal da EFoP no Youtube. A Prof. Dra. Selma Venco tem realizado diversas pesquisas sobre a Nova Gestão Pública e seus impactos no serviço público, principalmente na área da educação. O espaço visa contribuir para as lutas que serão travadas contra a PEC 32/2020, sobretudo no dia 18/08, no dia da Greve Nacional contra a Reforma Administrativa.
Bibliografia
VENCO, S. PRECARIEDADES: desdobramentos da Nova Gestão Pública no trabalho docente. Revista de Cultura Política. V. 6, N. 1,Nov. 2016. ISSN: 2237-0579.
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