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Ditadores Costa Silva e Médici perdem o título de Doutor Honoris Causa pela UFRGS

Fonte: Reprodução da imagem do Coletivo Memória e Luta (UFRGS), publicada no Facebook em 27 de janeiro de 2022. Montagem por Universidade à Esquerda.
Por Daniella Pichetti, redação do Universidade à Esquerda
24 de agosto, 2022 Atualizado: 16:35

Em sessão do Conselho Universitário (CUn) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no último 19 de agosto, os generais Artur Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici tiveram seus títulos de Doutor Honoris Causa cassados em virtude das graves violações de direitos humanos cometidas durante o período da ditadura empresarial-militar no Brasil, inclusive contra professores da universidade. Foram 48 votos favoráveis, um contrário e uma abstenção. A decisão partiu de uma proposta encaminhada pelo Coletivo Memória e Luta, que reúne docentes da UFRGS e foi reforçada após o Ministério Público Federal recomendar, em inquérito civil, a cassação dos títulos, sob pena de judicialização caso não fosse seguida. A solicitação de retirada das honrarias pelo MPF à Administração Central, atualmente representada pelo reitor interventor Carlos André Bulhões Mendes, já havia sido feita em 2014 à UFRGS. 

Leia também: Bolsonaro nomeia terceiro colocado da consulta universitária para reitor na UFRGS.

O dossiê, elaborado pelos professores do Coletivo pela revogação dos títulos, reúne diversos fatos e argumentos relativos às violações cometidas por Costa e Silva e Médici. No documento, são citadas as revogações de títulos de ditadores como o do coronel Jarbas Passarinho, concedida em 1973 na Universidade de Campinas (Unicamp), após o pedido encaminhado pelas entidades de servidores docentes e técnicos e entidades estudantis – Associação dos Docentes da Unicamp (Adunicamp), pela Associação dos Pós Graduandos (APG), pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) e pelo Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU). E também a revogação do título concedido ao general Médici em 1972 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tanto no Conselho Universitário da UFRJ como na Unicamp, as decisões pela cassação de títulos dos ditadores e apoiadores do regime militar foram tomadas por unanimidade.

Em vídeo, dois professores da UFRGS, Claudio Francisco Accurso e Carlos Jorge Appel, que sofreram expurgos durante o período da ditadura empresarial-militar em 1964 e 1969, dão depoimentos do que viveram naquele período. Confira:

Além do pedido pela cassação dos títulos de Costa e Silva e Médici, os docentes do Coletivo Memória e Luta realizaram também outras iniciativas através do Projeto de Extensão “Memória: 50 anos dos expurgos na UFRGS”. Para citar algumas delas, foi feita uma exposição de pinturas em aquarela que retrataram os tempos ditatoriais, instalaram no câmpus um memorial em homenagem aos professores perseguidos, organizaram um documentário com docentes expurgados e publicaram o livro “Os expurgos da UFRGS: memória e história”, entre outras ações. 

Artur Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici: os generais autores e responsáveis pela perseguição e morte de milhares de brasileiros 

Artur Costa e Silva nasceu na cidade de Taquari, em 1899, e foi militar e político brasileiro e faleceu em dezembro de 1969. Teve o título de Doutor Honoris Causa concedido pela UFRGS em 04 de agosto de 1967. É mais conhecido pela atuação como presidente e ditador no Brasil entre os anos de 1967 e 1969. Costa e Silva assumiu a presidência aos 69 anos, e deixou como legado para a população o Ato Institucional número 5 (AI-5), que permitiu o fechamento do Congresso Nacional e de assembleias estaduais, bem como autorizou a perseguição, tortura e morte de milhares de brasileiros. Há registros no dossiê de que 23 docentes foram expurgados da UFRGS nesse período, sendo que 14 foram assassinados pelo general Costa e Silva e nove pela junta militar que assumiu o poder após o falecimento do ditador. Na gestão de Costa e Silva foi baixado o decreto de lei nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, que previa a punição de professores, alunos e funcionários de universidades considerados subversivos ao regime. Os professores atingidos eram proibidos de trabalhar em qualquer outra instituição por cinco anos, e os estudantes expulsos ficavam impossibilitados de estudar no ensino superior de qualquer instituição nos três anos subsequentes. O decreto vigorou até 1979. O dossiê apresenta:

“Sendo assim, como uma das últimas ações repressivas sancionadas por Costa e Silva, em 29 de agosto de 1969, foram decretados os expurgos de quatorze professores da UFRGS: Angelo Ricci, Ari Mazzini Canarin, Carlos Maximiliano Fayet, Emilio Mabilde Ripoll, Ernesto Antônio Paganetti, Ernildo Jacobs Stein, Gerd Alberto Borhein, Gilberto Braun, João Carlos Brum Torres, Joaquim José Barcelos Felizardo, José Pio de Lima Antunes, Manoel Alves de Oliveira, Roberto Buys e Leônidas Xausa (AVERBUCK; et. al., 2008, p. 78).”

Durante o governo de Costa e Silva foi adotada uma política indigenista que favorecia a invasão de terras dos povos indígenas e a violência aberta e direta contra essas populações. Enquanto exerceu o cargo de presidente, também foram criados diversos órgãos que atuavam no sentido de investigar, perseguir e torturar pessoas e entidades caracterizadas como subversivas e ameaçadoras à segurança nacional durante o regime ditatorial. 

Emílio Garrastazu Médici nasceu em Bagé, em 1905, e morreu em 1985. Foi-lhe concedido o título de Doutor Honoris Causa na UFRGS em 11 de junho de 1970. Também foi presidente e ditador no Brasil no período subsequente a Costa e Silva, de 1969 a 1974, período que alguns pesquisadores nomeiam como os “anos de chumbo”. Foi um período de forte repressão e expressiva entrada de capital estrangeiro no país, o que agravou a dependência e acentuou a desigualdade social, apesar de o período ser comumente denominado como como época do “milagre econômico”. Há registros de que foi na gestão de Médici em que a tortura foi mais utilizada como política de Estado, atingindo mais de 4.500 pessoas que eram tidas como suspeitas ou declaradamente opositoras ao regime. De acordo com o dossiê:

“Durante a presidência do ditador Médici, foram fundadas as Assessorias Especiais de Segurança e Informação (AESI ou ASI) nas universidades e em empresas públicas. Nas universidades, as AESI serviam como organismos vinculados à DSI do MEC e ao SNI, responsáveis pela produção e disseminação de informação de forma setorizada e capilarizada nas diversas esferas do funcionalismo público. Na UFRGS, a AESI funcionava como uma extensão dos interesses ditatoriais junto à reitoria, servindo como um órgão da engrenagem repressiva e informacional responsável pela vigilância, controle e produção de informações sobre a comunidade acadêmica (professores, estudantes e funcionários), influindo diretamente nas decisões de contratação docente, impedindo o ingresso especialmente daqueles que possuíam algum tipo de registro, simpatia ou envolvimento com a oposição à ditadura, ou mesmo histórico de formação acadêmica em países do bloco soviético (FERNANDES, 2021, p. 130)”.

Além da recomendação pela revogação dos títulos, o MPF recomendou também que a UFRGS instaure uma Comissão da Verdade, dado que a universidade já se comprometeu a fazê-lo em 2013. No entanto, a comissão, que agiria para estabelecer medidas de reparação em relação à ditadura, ainda não foi criada. 

Leia também: [Notícia] Relatório da Comissão Memória e Verdade da UFSC é reapresentado.

A revogação das honrarias que ocorre nas universidades acontece em paralelo a um período de ameaça de golpes advindos do atual presidente da república, Jair Bolsonaro, e forte intervenção política deste nas universidades federais ao nomear reitores. Vale lembrar que não apenas o atual reitor Carlos Bulhões é um reitor interventor indicado por Bolsonaro, que foi responsável pelo desligamento de 160 estudantes cotistas da UFRGS, como em diversas outras Instituições de Ensino Superior a democracia universitária vem sendo ostensivamente atacada. 

A Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) e a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), também contam com reitores indicados pelo chefe do Executivo. A metodologia de reitores por lista tríplice é uma herança do período da ditadura empresarial-militar e exige uma discussão urgente. A legislação que permite que essa intervenção seja feita desrespeita a autonomia universitária e impede que a comunidade, por meio de amplos debates e envolvimento de toda instituição, possa escolher quem ocupa o cargo máximo nas instituições de ensino.

Leia também: Sob intervenção: Bolsonaro já nomeou 13 interventores em IFES.

O resgate da história e da memória das graves violações cometidas no período da ditadura são urgentes e devem fazer parte do cotidiano de todas as universidades como uma forma de reparação aos estudantes, professores e militantes que foram brutalmente perseguidos e torturados. Além disso, resgatar a história nos ajuda a não repeti-la. 


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