Com o começo da pandemia causada pela Covid-19 no Brasil, tem se desenrolado uma série de protestos, paralisações e greves realizadas por entregadores vinculados a aplicativos. A categoria, extremamente precarizada, viu a demanda por seus serviços aumentar durante o isolamento social mas, em contrapartida, não tem qualquer segurança por parte das multinacionais. Para reivindicar maior pagamento dos aplicativos e cobrar formas de assegurar o trabalho de entregador a sua luta culminou em movimentos como o dos Entregadores Antifascistas, em São Paulo.
Paulo Lima, líder deste movimento, relatou sobre o descaso da Uber Eats que o bloqueou do aplicativo, mesmo dizendo que não faria, após não poder entregar um pedido, pois o pneu de sua moto havia furado. A denúncia correu pelas redes sociais, tendo grande repercussão. Com isso, Paulo lançou um abaixo-assinado na plataforma Change.org, reivindicando que as empresas forneçam equipamentos de proteção (como luvas, máscaras e álcool em gel) e alimentação. No momento da publicação deste texto contava com aproximadamente 347 mil assinaturas.
Em entrevista à Agência Pública, Paulo diz querer organizar os entregadores de forma a ter um “entregadores Panteras Negras”, conscientes, pensadores. A ideia de criar um movimento, segundo ele, parte da necessidade de organizar os entregadores que já tem “esse sentimento antifascista no coração”, e poder chegar nos demais entregadores que estão dentro da mentira de que são “empreendedores”.
A informalidade faz parte da realidade de parte significativa da classe trabalhadora brasileira e a profissão de entregador é só uma das suas formas. Desde antes dos aplicativos as motos já circulavam com as bags de entrega de alimentos, sendo pilotadas por trabalhadores que viam nos “bicos” noturnos uma maneira de garantir o sustento da família. Para as mulheres, os cuidados com as casas — as famosas diaristas — também já começam a sofrer com a imposição dos aplicativos. Essas tecnologias não trazem grandes inovações para além de acentuarem com uma série de gastos extras que agora os “parceiros” precisam ter, como relatou Paulo Lima.
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Há ainda esse outro elemento dentro da informalidade, em especial quando se trata dos aplicativos, que é a manobra ideológica do “empreendedorismo”. Diz-se que o “parceiro” é um “empreendedor”, que não tem um patrão, de forma que tudo depende do quanto ele se esforça individualmente. A classe trabalhadora sempre sentiu na pele a exploração, o que é ter um salário que não paga suas contas, um supervisor, gerente ou algo do gênero que faz o trabalho de capitão do mato para o patrão. Dentro das lojas dos shoppings, dos hipermercados, o funcionário inclusive já nem era mais chamado desta maneira, mas sim de “colaborador” — um eufemismo para se referir a quem produz a riqueza que no fim é embolsada pelos banqueiros, industriais, acionistas, grandes empresários e varejistas.
Disso vem os aplicativos, soprando mentiras com anúncios pagos que brotam nas redes sociais dizendo que aqui você trabalha sem ter patrão, trabalha no seu próprio tempo, que você é “parceiro” do aplicativo. Bela liberdade essa que você pode escolher entre trabalhar até 14 horas por dia incluindo finais de semana, recebendo em troca uma remuneração minúscula, ou não trabalhar e não ter sustento.
O “parceiro” é aquele que faz a empresa funcionar, como se fosse uma franquia individual: enquanto o aplicativo arca com o aparato tecnológico, cabe ao “parceiro”, além de vender a força de trabalho, dar conta sozinho de todos os demais meios necessários para realizar o serviço. Nessa lógica, desonera-se abertamente os empresários dos custos de direitos mínimos conquistados pelos trabalhadores e que ficaram relacionadas aos vínculos empregatícios formais, como o afastamento remunerado nos casos dos “parceiros” que tiveram suspeita ou contraíram o coronavírus.
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Diante de toda a precariedade que se acentuou em meio a pandemia, as manifestações tem sido a forma como estes trabalhadores encontraram para se fazer ouvir. Assim como muitos outros movimentos, a perseguição por parte dos aplicativos, através dos desligamentos, a fim de reprimir a luta e a organização dessa parte da classe trabalhadora, expõe que para o capital, o que importa é o lucro acima de tudo.
Em meio a pandemia, a solidariedade entre a classe trabalhadora é fundamental para conquistarmos condições de vida dignas para os nossos. Assim, mesmo que os atos que têm sido realizados representem um risco de contágio precisamos apoiá-los. Uma grande parcela da classe trabalhadora tem sido empurrada para a rua à contra gosto, mesmo que seus trabalhos não sejam essenciais para combater o contágio e manter a vida na pandemia (como são os trabalhadores da saúde, abastecimento, eletricitários, de redes água e esgotos, operários de fábricas que produzem medicamentos, aparelhos médicos). E aos que são indispensáveis não se lhes oferece condições mínimas de segurança para reduzir o risco do contágio. De modo que apoio, da forma possível, de cada um de nós é indispensável. É preciso que a esquerda saiba compreender essas contradições e aprenda, junto com o Paulo Lima e os demais entregadores que constroem o movimento Entregadores Antifascistas, que precisamos cada vez mais fazer nosso “trabalho de formiguinha para formar um formigueiro” consciente de sua condição e com capacidade de formular a saída à esquerda que todos nós precisamos.
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