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A Uber “lamenta o ocorrido”

Por Thiago Zandoná, redação do Universidade à Esquerda
23 de abril, 2020 Atualizado: 14:30

“Meu irmão trabalhava como Uber, sofreu um assalto e foi feito refém em seu próprio carro, onde foi agredido, ameaçado e muito humilhado, no final ainda capotaram o carro com ele dentro do porta malas. A Uber “lamenta o ocorrido”. Meu irmão ficou com muitas dívidas, com o carro acabado, e o pior com o psicológico abalado, o que serviu como um gatilho para tirar sua própria vida. Hoje faz 12 dias que ele se matou”, contou Mônica*, que mora no Distrito Federal.

Sem assistência ou segurança ao trabalhador, relatos como esse fazem parte do quadro de informalidade que hoje assola cerca de 38,4 milhões de brasileiros. 

“Realmente a nossa vida não é fácil, dá até para ganhar dinheiro, mas os riscos que a gente corre a cada dia, se colocar na ponta do lápis não vale a pena. Porque às vezes trabalhamos o mês inteiro para fazer um dinheiro e de repente em um acontecimento de segundos tudo é jogado para o ar. Sendo uma batida, multas ou até mesmo um assalto”, relatou Gustavo, um dos 1 milhão de empregados da Uber no Brasil.

Trabalhadores informais como os da Uber não contam com qualquer amparo legal. Não há férias remuneradas, décimo terceiro, vale-refeição, transporte, seguro-desemprego, auxílio-doença, salário-maternidade, repouso semanal remunerado, abono salarial ou qualquer outra medida que permita condições mínimas de trabalho.

Desvincular o trabalhador da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) permite auferir maiores ganhos às empresas como Uber, Ifood, 99Pop, Cabify, Rappi, entre tantas outras. Em 2019, a Uber faturou R$ 3,7 bilhões. A contrapartida está nos ombros de quem produz esse valor diariamente, que não tem qualquer segurança.

“Meu esposo quando foi Uber foi assaltado, humilhado, agredido fisicamente e psicologicamente. Ficou dias em choque mas conseguiu se recuperar. Senti tanto medo de perdê-lo”, expôs Joana, companheira do motorista Rafael, em São Paulo.

Carlos, motorista em Porto Alegre, também comentou a falta de suporte da Uber: “Fui assaltado por um passageiro, tive dois mil reais de prejuízo e não me deram um centavo. Hoje faltando dez dias para vencer meu IPVA bloquearam minha conta.”

Rubens, motorista de Fortaleza formado em educação física denunciou a atitude cínica da empresa. “Ano passado fui assaltado pelos passageiros que a Uber me enviou, fui feito refém, roubaram meu celular e o carro e fiquei com trauma psicológico. O carro foi recuperado mais deixaram todo avariado, com um prejuízo de R$ 5 mil. A Uber parceira só lamentou o ocorrido”. 

O desalento dos motoristas da Uber não é exceção, mas a regra dentro dessas condições precárias de trabalho. Aos pedidos de ajuda, a multinacional americana se limita a lamentar.

“Fui assaltado no começo do ano em uma área de risco quando fui deixar uma passageira, relatei para a Uber, ela só respondeu que lamentava o ocorrido”, relatou Raimundo motorista em Belém do Pará.

“No começo do ano de 2018 sofri um acidente grave e quase perdi meu automóvel, eu estava online a caminho do local de partida do passageiro, a Uber não quis saber do meu prejuízo só lamentou o ocorrido (…) A uber está preocupada com o bolso deles”, disse Rodrigo.

“Fui assaltado durante uma viagem [e] perdi meu carro. Sabe o que a Uber me falou? “Lamentamos pelo ocorrido”! Isso que é se preocupar com o motorista ‘parceiro’?”, questionou um trabalhador da Uber da cidade de São Paulo.

Em fevereiro deste ano, a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu negar o vínculo empregatício de um motorista com a Uber. Apesar de ter efeito imediato apenas para o motorista específico, abre procedente para entendimento sobre o assunto na Justiça do Trabalho.

Mesmo em meio a pandemia do coronavírus, não houve mudança na postura da empresa. Além do marketing “Vocês são quem mais importa”, a Uber ofereceu aos motoristas desinfetantes “priorizando os recursos para motoristas e entregadores parceiros nas cidades mais afetadas” e uma assistência financeira por 14 dias aos que sejam diagnosticados com a Covid-19. 

Porém, há trabalhadores que denunciaram que sequer conseguiram o auxílio de duas semanas.

“Fui atendido no SUS com suspeita de Covid-19, não quiseram me dar atestado por não ser caso grave e não ser trabalhador de carteira assinada (o que já é absurdo),  me deram receituário com remédios para os sintomas e mandaram me isolar, reportei para a Uber e enviei o documento timbrado e carimbado com o CRM da médica que me atendeu e depois de 15 dias a Uber responde que não sou elegível à ajuda financeira por minha doença ser pré-existente e me desbloqueou pra que eu possa atender outras pessoas, ou seja contaminar outras pessoas. Se preocupa com quem mesmo?”, disse Christopher, motorista e estudante de administração em Recife.

“Encaminhei o documento necessário que vocês solicitam para quem está em isolamento social por conta da Covid-19 e vocês não deram a mínima, só bloquearam minha conta”, relatou Ana Cristina, motorista em Curitiba. 

Alguns motoristas reclamaram que a Uber manteve alta a taxa sobre a corrida, mesmo com a redução de corrida e o imenso risco que tais trabalhadores correm ao continuar trabalhando em meio à pandemia.

“A Uber podia pelo menos tirar a taxa deles das corridas que a gente faz nessa pandemia, porque agora tem que esperar 1h e meia para fazer uma corrida de R$ 10 e perder R$ 4 para o aplicativo”, disse Anselmo.

“Nós motoristas esperávamos mais de vocês, como por exemplo baixar as taxas, mas infelizmente isso não ocorreu… seguimos firmes para levar o sustento para nosso lar. E que Deus salve o Brasil”, manifestou Adriano, que é pai de um garoto pequeno. 

Indignado, Diego motorista de Uberlândia (MG) exemplificou o cinismo da empresa. “A gente faz uma corrida de 18,7 km ganha R$ 17,50 e a Uber cobra R$ 25 do passageiro, ainda quer falar que está preocupada com os motoristas!”.

Tais relatos retratam as condições de emprego que estão submetidos não só os motoristas da Uber, como todos os demais trabalhadores informais que hoje representam 41,1% da força de trabalho no Brasil.

* O nome dos motoristas e familiares dos presentes relatos foram alterados para preservar suas identidades.


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