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Opinião

Economia e vidas

Construção de Rodovia I, João Candido Portinari (1936)
Por Maria Fernandez, redação do Universidade à Esquerda
24 de abril, 2020 Atualizado: 14:34

Economia ou vidas? Ora o que é a economia se não a produção da própria vida. Diante desta constatação é preciso resgatar que já estávamos no curso de uma crise econômica, que se agrava agora com a pandemia. E isso significa que, para manter as taxas de lucros, já havia a previsão de que a exploração do trabalhador seria acirrada, daí as políticas chamadas de medidas de austeridade em andamento em todo mundo e também no Brasil.

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O crescente número de autônomos e de desemprego já era um sintoma presente na vida cotidiana e com previsão de crescimento. Agora estamos diante de previsões ainda mais dramáticas, desemprego e subemprego devem aumentar segundo as previsões da Organização Internacional do Trabalho (OIT). E toda flexibilização das leis trabalhistas e previdenciárias contribui para uma situação desesperadora para os trabalhadores que se encontram sem nenhuma perspectiva de renda.

Muitos trabalhadores sem direitos trabalhistas mínimos, às vezes identificados como pequenos empreendedores/autônomos, cobraram a reabertura das atividades econômicas na defesa de que sem isso passariam fome. Precisamos entender que este é um fato, o que está errado nesta conta é que medidas poderiam ser tomadas para garantir uma renda mínima que garantisse que os que não estão em serviços essenciais pudessem se proteger neste período e mais, medidas para que de fato a produção e circulação de mercadorias se voltassem a resolver os problemas desse momento.

Quando há a exigência para reabrirmos a economia para que os autônomos não morram de fome, precisamos analisar alguns fatos para pensarmos melhor nessa demanda. Primeiro a retomada e abertura dos serviços não garantirá uma volta do consumo no padrão anterior, estamos em crise, muitos perderam renda e muitos ainda estão evitando sair à rua. Além desse consumo mais imediato é preciso pensar no consumo mundial, o mundo vive uma pandemia e as exportações sofrerão com isso, logo a produção não poderá seguir no mesmo ritmo nos mesmos ramos.

O que poderia ser feito para minimizar os efeitos da crise então ao mesmo tempo em que garantimos que nosso sistema de saúde não entre em colapso e que todos que precisem de atendimento médico tenham acesso a ele?

Precisaríamos parar tudo? Provavelmente a melhor saída seria uma reestruturação da produção industrial. Isso garantiria uma produção ativa e necessária onde mais importa. Além disso, para os que não precisassem trabalhar nestas funções essenciais teriam que ter uma renda mínima garantida, mínima para a sobrevivência e não mínima como o governo propôs e que tem criado dificuldades para que as pessoas recebam. Essa medida seria a única capaz de garantir que de fato as pessoas cumprissem medidas de isolamento social, e ainda garantiria que algum consumo continuasse ocorrendo.

Seria muito bom que tivéssemos uma ciência e indústria fortes que pudessem atuar na pesquisa e desenvolvimento de tratamentos e vacinas nesse momento. Até porque os mesmos recursos estarão sendo demandados em todo o mundo e garantir que por concorrência no mercado mundial o Brasil tenha alguma chance de conseguir comprar de fora os recursos necessários é contar com o desabastecimento. Assim deveríamos ter condições de produzir soluções internamente. Para isso, além de pesquisa, seria necessário reconduzir o parque industrial para produzir aquilo que é mais necessário nesse momento.

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Essas medidas resolveriam a crise? Claro que não, ela é inevitável neste sistema e irá ocorrer, mas contribuiriam para uma retomada menos lenta. Outras medidas como a taxação de grandes fortunas, reestatização e nacionalização de setores estratégicos, programas de garantia de emprego e renda, suspensão do pagamento de juros da dívida pública, quebra de patentes da indústria farmacêutica, e muitas outras que poderiam ser pensadas em um país sério. Medidas estas muito aquém ainda da construção de uma nova sociedade, mas que poderiam minimizar a catástrofe que está por vir. 

As medidas de relaxamento no isolamento social em curso não irão garantir a retomada da economia e impedir a crise, mas funcionam como retórica para um governo que tem mirado no ganho político que a crise econômica pode lhe trazer. Bolsonaro aposta que a população culpará o isolamento social por suas dificuldades, e ao mesmo tempo em que não toma nenhuma medida para impulsionar a economia coloca em seus adversários o custo político da quarentena.

Uma economia sem trabalhadores vivos não se sustenta, proteger a vida da população é a forma de retomar a economia mais rapidamente, mas aparentemente a burguesia não tem plano nenhum e segue a cartilha das medidas monetárias insuficientes. Já sabemos que nenhuma saída ou projeto sairá do governo, cabe a quem construí-la então?

Imagem: “Construção de Rodovia”; Óleo sobre Tela; Cândido Portinari, 1936

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