Jornal socialista e independente

Cláudio Ribeiro

Cláudio Rezende Ribeiro é professor da FAU-UFRJ (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) onde atua com ensino de urbanismo, meio ambiente e história da cidade na graduação e no Programa de Pós-graduação em Urbanismo – PROURB/FAU/UFRJ. É pesquisador do Laboratório de Direito e Urbanismo e participa do coletivo PERIFAU. Foi presidente de seção sindical do Andes-SN na UFRJ, a Adufrj-ssind de 2013 a 2015, e integrou a a diretoria nacional deste sindicato de 2016 a 2018. Defende uma universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada. Acredita que a cidade só se realiza no conflito.

A sala de aula na era de sua reprodutibilidade digital

19 de maio, 2021 Atualizado: 19:39

Obviamente, já existe a neuroarquitetura. Como não poderia deixar de ser, a técnica de produção do espaço será uma das primeiras capturadas para atuar na disseminação de conceitos e consensos ultraneoliberais travestidos de moda pós-moderna, “preparando terreno” para a naturalização dos procedimentos necessários à manutenção dos ganhos do capital e que serão avassaladores para a reprodução da classe trabalhadora. Desde a reificação do fordismo/taylorismo no espaço através do desenvolvimento do urbanismo modernista, passando pelo combate antimarxista travado a partir dos anos 70 através da estética contextual-mercantil do pós-modernismo original, a arquitetura segue seu perfil (definido pela modernidade colonial renascentista) de modelador privilegiado dos espaços de hegemonia da classe hegemônica. A naturalização do homeoffice, imposta a partir da “janela de oportunidades empresarial” aberta pela mortal Covid-19, já havia sido adiantada desde o uso flexível e humanizado de contêineres, até a criação de “conceitos” de co-working, co-living e até mesmo de cloffice. Do mesmo modo, a arquitetura se adianta no diálogo com a neurociência, desenvolvendo um novo nicho de mercado para profissionais liberais do campo do projeto de interiores: a neuroarquitetura. Sua premissa é estabelecer a relação da percepção espacial do sistema nervoso com o desenho de espaços que procuram, ao mesmo tempo, o “bem viver” do cidadão e o aumento da produtividade corporativa por aplicação de cores, texturas, sombras e disposição de mobiliários, etc, etc… Uma espécie de feng shui neoliberal. Mas a arquitetura representa apenas uma faceta sutil e anedótica, ainda que ameaçadora, de uma onda que ganha cada vez mais bolsos e mentes, porque o coração já não há!

Para além da morfologia espacial, a neurociência atua diretamente na estratégia de mercantilização das próprias mercadorias, e o campo do neuromarketing merece atenção em uma sociedade em que o consumo, pelo menos a sua ética, impõe-se como a principal mediação social aparente. A mercantilização da vida contemporânea tem produzido a tiranização de diversas áreas do saber pelo gerencialismo, criando uma centralidade do marketing na construção das linguagens, sociabilidades, aprendizagens, espacialidades, etc. Esta centralidade encontra, hoje, na neurociência, um traço complementar que reúne ao mesmo tempo complexidade científica, behaviorismo e uma impressão de verdade legitimada pelo mercado. O neuromarketing surge como um positivismo cool que condensa empreendedorismo e cientificismo legitimado pelo senso comum do progresso digital. O encontro deste rebotalho neoliberal com o campo da educação mercantilizada precisa ser encarado de maneira urgente e detida!

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