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Debate

Arnaldo e o Future-se

Apresentação do Programa Future-se. Fotos: Luis Fortes/MEC
Apresentação do Programa Future-se. Fotos: Luis Fortes/MEC
21 de outubro, 2019 Atualizado: 20:21

Letícia FieraArtur Gomes de SouzaOlinda Evangelista* – para o UàE – 21/10/2019

Dia 16 de outubro passado Arnaldo Barbosa de Lima Junior, Secretário de Educação Superior (Sesu) do Ministério da Educação (MEC), apresentou a segunda versão do Programa Future-se aos Reitores das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) – e não se trata aqui de discuti-la. Interessou-nos salientar que quando a primeira versão foi lançada sobre e contra as Instituições Federais de Ensino Superior adquiriu maior fama – má, entre nós, diga-se – o burocrata de médio escalão acima referido, Arnaldo Barbosa de Lima Junior. Resolvemos mapear as posições que porventura tivesse ocupado na administração federal e que afetasse diretamente o sistema político-administrativo brasileiro[1]. Lançamos mão da “análise de redes sociais” (MARQUES, 2003) para visualizar seu percurso e constatamos seu trânsito em vários Ministérios, acompanhado da participação em conselhos de Bancos, Previdência Complementar, áreas de produção energética, financiamento industrial e proposição de constructos ideológicos para o capital dentro dos órgãos de Estado pelos quais passou.

Entre 2007 e 2019, o burocrata Arnaldo, servidor de carreira, analista técnico de políticas sociais, trabalhou nos governos Lula (Partido dos Trabalhadores, 2007-2010), Dilma (Partido dos Trabalhadores, 2011-2016), Temer (Movimento Democrático Brasileiro, 2016-2017) e permanece no governo Bolsonaro (Partido Social Liberal, 2019). Nesse período, circulou entre os Ministérios da Fazenda, do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ministério da Economia e da Educação, respectivamente. Em uma audiência pública sobre a Reforma da Previdência, em 2017, na Câmara dos Deputados, Arnaldo justificou-se: “nós não servimos ao partido; servimos ao Estado” (BRASIL, 2017). Sua serventia “técnica” ao Estado capitalista gravita em torno de posições político-partidárias que alguns considerariam inconciliáveis.

A caminhada de Arnaldo pelos ministérios e cargos cruciais da administração federal, ademais das andanças pelo sistema financeiro, o muniu de importantes instrumentos para que deles oportunamente venha a lançar mão. Além de conhecer o funcionamento do governo, pode ser, talvez, identificado como expert nos assuntos sobre política econômica. Refira-se aqui o caso da Reforma da Previdência no Governo Temer, quando, como Diretor do Ministério do Planejamento, deu uma entrevista ao Globonews, em 2017, apresentando-se como “técnico” acerca do assunto. Olivieri (2007, p. 157) avalia que “este tipo de conhecimento é muito importante no mercado financeiro”, em razão das expectativas construídas acerca das políticas públicas, alimentando a “consultocracia” que vive da venda de informações privilegiadas e avaliações dos rumos da política governamental.

Arnaldo e suas relações políticas

As passagens de Arnaldo pelos distintos espaços ministeriais e conselhos demonstram que, do ponto de vista político, sua trajetória foi marcada pelo exercício de cargos de confiança de políticos que ocuparam a presidência do país e os ministérios. Da ótica do perito, investiu em transformar argumentos ideológicos em soluções aparentemente técnicas e supostamente neutras. Olivieri (2007) designa esse espécime de policymaker, responsável pela formulação de políticas governamentais e por estratégias para sua implementação.

Para compreender essa figura coletamos informações principalmente no portal de transparência do governo federal e no Diário Oficial da União; com base nelas, reconstruímos suas relações com organizações, pessoas e empresas – individualmente ou coletivamente analisadas em unidades sociais por meio da Análise de Redes Sociais. O laço relacional, ou ligação, estabelece o elo entre ator e evento; neste caso, estabelecemos três critérios de ligação: a) formação acadêmica, b) participação em conselhos fiscais ou administrativos e c) cargos assumidos nos ministérios[2]. No sociograma a seguir pode-se observar as principais relações institucionais de Arnaldo B. de L. Júnior entre os anos de 2007 e 2019, período no qual assomam conexões com empresas públicas e privadas, financeiras e não-financeiras, cargos em conselho fiscal e conselho administrativo, os últimos indicados pelo Ministro ou secretário da pasta no ministério correspondente.

Figura 1: O movimento de Arnaldo Barbosa de Lima Júnior – 2007-2019

Na rede não exaustiva constituída com base nos tipos de relação que Arnaldo estabeleceu e estabelece dentro e fora do Aparelho de Estado se vê uma série de vínculos com importantes instituições nacionais e internacionais. Do sociograma emergem o perfil do burocrata no âmbito do Estado e os movimentos de interesses políticos então presentes, conquanto não possamos dela derivar o entendimento completo de sua intervenção e das políticas públicas dos vários governos.

No segundo mandato de Lula, Arnaldo realizou estudos sobre o mercado de trabalho no Brasil; no governo Dilma, participou da comissão técnica do grupo de trabalho de definição da “nova classe média” no Brasil; foi um dos formuladores da Reforma Trabalhista[3] e da Reforma da Previdência[4] propostas no Governo Temer (BRASIL, 2017), assim como um dos reformuladores do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES).

O Quadro a seguir oferece informações ordenadas de sua atuação no Aparelho de Estado.

Quadro 1: Ministérios, cargos e políticas públicas relacionadas a Arnaldo Barbosa de Lima Júnior – 2007-2019

Fonte: Informações do curriculum vitae de Arnaldo Barbosa de Lima Junior (2016) e sites do governo federal.

É perfeitamente visível a presença, nas conexões de Arnaldo, de segmentos do capital e sua inserção na gestão de políticas públicas sociais, seja por meio de suas organizações, seja como sujeitos dessas mesmas políticas. Mészáros (2009) alude ao contexto de crise estrutural do capital, pós 1970, no qual a Educação foi deleteriamente atingida por estes interesses, cujos métodos impõem contrarreformas pela via da reformulação (permanente) de diretrizes e estratégias articuladas, no caso do Brasil, em aliança com a burguesia brasileira.

Percebe-se sua passagem por diferentes conselhos de administração de companhias públicas e privadas, intercaladas aos cargos ocupados no aparelho do Estado. Isso expressa o caráter de união pessoal entre o capital e a forma atual do Estado e permite transmitir tanto conhecimentos de assuntos de governo para as empresas privadas, como influência política e vias de articulação dos interesses privados com os diferentes governos. Possibilita, ainda, que um fator subjetivo seja incorporado à política, a “confiança”: confiança do capital nas ações estratégicas do governo que enxerga “um dos seus” nos espaços considerados prioritários aos seus interesses e, também, confiança nos conselhos de administração e sua capacidade de “diálogo” com o Estado – aspecto imprescindível visto que elementos subjetivos como esse são levados em consideração na avaliação do valor de mercado das companhias.

A dinâmica capitalista de concentração de capitais conduziu a novos e profundos processos de expropriação que, segundo Fontes (2010), surgem como condição para a expansão do capitalismo contemporâneo. As expropriações contemporâneas incidem sobre as conquistas sociais históricas – mas não só[5]; a transformação de áreas das políticas sociais em “bens mercadejáveis” (GRANEMANN, 2007) vem conduzindo à sua mercantilização e privatização. A proposta de contrarreforma da previdência, por exemplo, ao alijar a responsabilidade do Estado, oferece-a como campo de negociação econômica altamente rentável, beneficiando a acumulação de capital.

Este parece ter sido o motor dos deslocamentos interministeriais de Arnaldo: atender as exigências do capital de expropriação de direitos sociais, conseguidos à custa de muita luta pela classe trabalhadora, mediante as contrarreformas trabalhista, da previdência e da privatização do ensino superior. O burocrata de médio escalão é ativo na condução da agenda política relativa ao desmonte das IFES; aparecendo como detentor de conhecimento técnico, de fato tem seus posicionamentos assentados em vínculos complexos com instituições financeiras e dentro dos ministérios que envolvem a implementação de um grande conjunto de políticas públicas. Sua continuidade no Aparelho de Estado, quiçá legitimada pelo seu papel “técnico”, de fato liga-se à defesa que faz do fim dos direitos trabalhistas, da reforma da previdência e da transformação do Ensino Superior Público em nicho atrativo para o capital financeiro – intenção cristalina do Future-se.

*O texto é de responsabilidade dos autores e pode não refletir a opinião do jornal


[1] Pires (2012, p.  4) esclarece que fazem parte da burocracia de médio escalão os gerentes, dirigentes, supervisores e agentes encarregados de operacionalizar as estratégias que o alto escalão da burocracia formula; são centrais nos processos de implementação de políticas públicas em razão da posição intermediária entre o topo e a base.

[2] Utilizamos o software Ucinet, versão 6.0 (BORGATTI, 2002), e o NetDraw por possibilitarem a análise das métricas e a visualização da rede e vínculos.

[3] No Boletim do Mercado de Trabalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Arnaldo publicou texto com dois colegas, em 2016, no qual critica o “o Judiciário Trabalhista [que] tem relutado em aceitar contratos coletivos firmados de maneira diversa ao direito juridicamente tutelado”. Tece críticas à “estrutura rígida da CLT” que, em sua visão, “desestimula uma relação harmônica entre empresários e trabalhadores”, como se isso fosse possível, e propõe como solução as “negociações coletivas” (Lima Júnior; Cavalcanti; Pinto, 2016, p. 54-56).

[4] Arnaldo atuou diretamente na Reforma da Previdência dos trabalhadores rurais. Era diretor do Departamento de Assuntos Fiscais e Sociais do Ministério do Planejamento e apresentou a proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016 pela qual os trabalhadores rurais seriam atingidos tanto na forma de contribuição com a exigência de 25 anos, quanto na idade de aposentadoria ao equiparar a idade mínima de 65 anos para homens e mulheres do campo para acesso à aposentadoria (Lima Júnior, 2016).

[5] Referimo-nos às correntes expropriações de terras indígenas e quilombolas, por exemplo.


Referências

BORGATTI, S. E. Ucinet 6 for Windows. Software for Social Network Analysis. Harvard, MA: Analytic Technologies, 2002.

BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO.  Comissão Especial – PEC 287/16 – Reforma da Previdência. Evento: Audiência Pública Reunião nº: 0111/17. Data: 22/03/2017. Local: Plenário 2 das Comissões. Páginas: 131. Brasília, 2017.

FONTES, Virgínia. O Brasil e o capital-imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2010.

LIMA JÚNIOR, Arnaldo Barbosa de. Curriculum Vitae. 2016.  Disponível em: <https://www.bndes.gov.br/wps/wcm/connect/site/d9cc2ef0-9b64-49d2-87b5-abd637e35449/curriculo-finame-arnaldo-barbosa-de-lima-junior.pdf?MOD=AJPERES&CVID=lXfpmCj>. Acesso em: 15 out. 2019.

LIMA JÚNIOR, Arnaldo Barbosa de; CAVALCANTE, Daniel; PINTO, Igor P.. O fortalecimento das negociações coletivas é indispensável para o crescimento da produtividade do trabalho no Brasil. Boletim Mercado de Trabalho – Conjuntura e Análise, nº 61, p. 49-58, Out. 2016.

LIMA JÚNIOR, Arnaldo Barbosa de. PEC 287/16 e a Previdência Rural. Brasília, 2016. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pec-287-16-reforma-da-previdencia/documentos/audiencias-publicas/ArnaldoLimaDiretordoDepartamentodeAssuntosFiscaisPrevidnciaRural.pdf>. Acesso em: 19 out. 2019.

MÉSZÁROS, István. A Educação para Além do Capital. São Paulo, Boitempo, 2009.

MINELLA, A., C. Elites financeiras, sistema financeiro e governo FHC. In: OURIQUES, N. D.; RAMPINELLI, W. J. (Orgs.). No fio da navalha. Crítica das reformas neoliberais de FHC. São Paulo: Xamã, p. 165-199,1997.

MARQUES, Eduardo Carlos. Redes sociais e instituições na construção do Estado e da sua permeabilidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 41, p. 45-67, 1999.

OLIVIERI, C. Política, burocracia e redes sociais: as nomeações para o alto escalão do Banco Central do Brasil. Rev. Sociol. Polit.,  Curitiba ,  n. 29, p. 147-168,  nov.  2007 .

PIRES, R. Burocracias, gerentes e suas “histórias de implementação”: narrativas do sucesso e fracasso de programas federais. In: FARIA, C. A. P. (Org.). Implementação de Políticas Públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012. p.182-220.

GLOBONEWS. Diretor do Ministério do Planejamento tira dúvidas sobre a reforma da Previdência. 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/globo-news/videos/t/previdencia/v/diretor-do-ministerio-do-planejamento-tira-duvidas-sobre-a-reforma-da-previdencia/5587011/>. Acesso em: 15 out. 2019.

GRANEMANN, Sara. Políticas Sociais e Financeirização dos Direitos do Trabalho. Revista Em Pauta, Número 20, 2007, p. 57-68.


Foto: Arnaldo Barbosa de Lima Junior na apresentação do Future-se 17/07/2019 Luis Fortes/MEC.


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