Entrevista
Entrevista com Rosa Cañadell
Mauro Titton entrevistou para o UàE a professora e militante catalã Rosa Cañadell. Rosa debate os ataques da burguesia a educação pública e os desafios das lutas dos trabalhadores! Confira!
Rosa Cañadell é licenciada em Psicologia e Pedagogia. Trabalhou como professora de Secundária [Ensino Médio] por mais de vinte anos e por quatro foi diretora de Instituto [Escola de Ensino Médio]. Foi representante sindical e porta-voz do sindicato USTEC-STEs (IAC) [Unión Sindical de los Trabajadores de la Enseñanza de Cataluña – Sindicato de los Tabajadores de la Enseñanza – Intersindical Alternativa de Cataluña] por sete anos. Publicou inúmeros artigos, em diversos meios de comunicação, nacionais e internacionais; autora e co-autora de vários livros e documentários, também proferiu várias conferências e colaborou no Mestrado “Cooperação e Desenvolvimento” da Universidade de Barcelona (UB). Ativista social em defesa da educação pública e ligada a diversos movimentos sociais.
Mauro Titton: Boa tarde, Rosa! Para começar, gostaria que você falasse um pouco sobre sua trajetória junto aos movimentos em defesa da educação pública na Espanha, na Europa, na América Latina, pois é sabido que você viajou e se relacionou com muitas pessoas e diferentes movimentos. Então, resumidamente, se você puder nos contar um pouco – também para que você se apresente ao público no Brasil.
Rosa Cañadell: Bem, eu estudei Magistério e depois me formei em Psicologia. Eu havia trabalhado por um tempo em psicologia em um hospital psiquiátrico etc., mas finalmente decidi pela educação, fiz concurso público e entrei como professora no ensino médio. Passei vinte anos ensinando em um Instituto muito grande, em um bairro mais ou menos periférico de Barcelona, em L’Hospitalet. Era um Instituto de Formação Profissional, ou seja, para onde iam, naquele tempo, muitos filhos de trabalhadores, filhos de imigrantes (porque L’Hospitalet é uma zona com muitas pessoas procedentes de imigração, primeiro de outras regiões da Espanha e agora de todo o mundo). Nesses vinte anos, depois de um ano, mais ou menos, entrei como militante no sindicato USTEC [Unión Sindical de Trabajadores de la Enseñanza de Cataluña] e lá começamos a fazer diferentes coisas, desde participar de greves pela melhoria dos salários, jornadas sobre pedagogia, sobre feminismo, sobre coeducação etc.
Eu dava aula de Ciências Sociais e uma das coisas que era importante para mim era que esses adolescentes pudessem entender o mundo em que se encontravam e pudessem se defender – basicamente que pudessem se defender – dos abusos no trabalho, das desigualdades; enfim, para mim isso era bastante importante e naquela época, nos anos 1980/90, ainda havia bastantes professores que nos preocupávamos, que queríamos de alguma forma fazer uma educação emancipatória (ou chamem como quiserem) e que conversávamos sobre o marxismo, conversávamos sobre anarquismo, movimento operário, revoluções etc., que era uma forma de apresentar para todos esses garotos – que também eram os que mais iam sofrer, por serem do estrato social mais baixo – uma formação ampla, e essa era uma das questões que me pareciam importantes.
Depois, fui diretora desse Instituto por quatro anos e finalmente o Sindicato me requisitou para trabalhar para o Sindicato (o que se chama liberado, aqui), ou seja, ao invés de dar aulas, eu trabalhava para o Sindicato. A princípio estávamos lá montando, junto com dois ou três colegas, um Fórum Social de Educação, um tanto baseado na ideia dos Fóruns Sociais Mundiais, pois eu tinha estado em Porto Alegre[i], e depois nos Fóruns Europeus, onde também criamos um pequeno grupo de educação crítica dentro do Fórum Social Europeu. Havia, ali, certos personagens e nos articulamos, inclusive fizemos um livro juntos, de lá para cá. Depois desse Fórum Social que montamos – que foi muito interessante, veio gente da América Latina, veio o Frei Beto do Brasil, o Coro da Argentina, uma pessoa do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] para explicar a educação desse Movimento – enfim, fizemos muitas oficinas e foi muito interessante naquele momento.
Depois, me pediram para ser porta-voz do Sindicato (porta-voz quer dizer que era eu que falava com os jornalistas, ia aos debates na televisão, no rádio, enfim, tudo isso) e foi nesta época que começou a nova lei de educação da Catalunha, que para dizer a verdade, é a primeira lei neoliberal do Estado espanhol e que também foi feita durante um governo de esquerda – o tripartite de esquerda. Isso foi por volta de 2009, que acho que foi quando foi aprovada (começou, mais ou menos, em 2006/2007, o projeto de lei, por aí). Nós, desde o Sindicato, fizemos uma grande oposição, basicamente porque [a nova lei de educação] abria muitas portas que agora estamos pagando as consequências, desde a consolidação da dupla rede educacional com os concertos educativos[ii], desde a não democratização da gestão – ou seja, que os diretores pudessem dar ordens, decidir o projeto da escola, decidir quem entrava e quem trabalhava na sua escola etc. – questões que nos pareciam um grande retrocesso, porque durante a transição [período imediatamente após o fim da ditadura de Franco] e aquele momento a escola pública aqui na Catalunha – e também no resto do Estado espanhol – havia melhorado muitíssimo. Vínhamos do regime franquista, onde quase não havia escola pública, e nesses anos a escola pública voltou e foi reconquistada, e era bastante majoritária, era muito boa, com professores que de alguma forma eram muito entusiasmados (nem todos, mas quase), com aumento de recursos etc., mas isso começou a diminuir a partir dos anos 2000 e depois com essa lei de educação. A propósito, nessa lei de educação, a única coisa que valia a pena era que dizia que em 5 anos tinha que chegar a 6% do PIB de investimento em educação na Catalunha, e estamos em 2022 e não chegamos nem na metade do que a própria lei diz, para ver como as coisas funcionam! Em suma, houve uma grande oposição: organizamos 5 greves gerais de educação contra essa lei, que foram muito grandes, mas finalmente a lei foi adiante. Serviu ao menos para abrir nossos olhos para o que essa lei significava. Depois vieram os cortes, piorados com as consequências da crise de 2008. Ou seja, veio não só a implantação da lei, mas também os cortes – tudo isso junto nos fez retroceder muito naquilo que era uma escola pública, emancipatória, diversa etc.
Da América Latina basicamente me apaixonei pela educação do MST. Eu conhecia o MST por um amigo em comum, o professor James Petras, e a partir daí o MST me perguntou se poderíamos organizar algum tipo de apoio desde aqui – não uma ONG, porque não era para enviar dinheiro, mas apoio político. Então, aqui em Barcelona organizamos a primeiro comitê de apoio ao MST, isso já faz 25 anos. Isso implica que estamos em contato, que já visitei o MST várias vezes, e uma das coisas que mais gostei – além de tudo que eles fazem como Movimento e como luta – é todo o seu sistema educacional e o fato de articularem a educação com a luta e a luta com a educação. Bom, eu divulgo bastante todas essas ideias do MST e em 2012 fizemos, junto com outro colega, um documentário sobre a educação no MST, chamado “Educar es la mejor manera de luchar. La educación en el Movimiento Sin Tierra de Brasil” [Educar é a melhor forma de lutar. A educação no Movimento Sem Terra do Brasil][iii].
Mauro: Você levantou uma das questões que acho muito importante, pelo menos nos últimos 20 anos, que é o avanço dessas políticas neoliberais no mundo. Juntamente com as mudanças da política para os moldes neoliberais, muitas das políticas educacionais passaram por essa mudança e na educação isso também aconteceu de forma bastante marcante. Em alguns momentos houve muitas manifestações contra esse processo – você falou sobre cinco greves gerais, por exemplo. Então, é um movimento que se vê a partir da luta das classes sociais e que está muito presente neste período da história. Mas e agora? Você poderia nos brindar uma análise da situação na Espanha no momento, especialmente com essa política educacional muito marcada por políticas neoliberais? Como está a situação?
Rosa: Eu diria que é bem pior, porque de um lado houve o avanço do neoliberalismo na educação em suas duas vertentes: uma, a privatização e a entrada das empresas na educação, principalmente empresas de internet, de TICs [Tecnologias de Informação e Comunicação]; e por outro lado, currículos que menosprezam o conhecimento e se perdem em questões que não são exatamente o que eu acho que é a função da escola, como aprender a aprender, aprender a estar bem etc. Tudo isso se concretizou recentemente com a nova Lei[iv]. Mais uma vez, uma lei de Estado que um governo de esquerda[v] fez, mas acho que erraram, não é uma lei de esquerda e o que existe é muito mal-estar dentro da comunidade docente. Mas, por enquanto, o que não há é uma oposição mais forte ou uma grande luta contra isso. Houve, aqui na Catalunha, no ano passado, uma grande luta, mas não foi tanto pelos currículos. Foi um pouco para tudo, foram cerca de oito greves na educação no ano passado, basicamente por causa dos orçamentos, pela diminuição do número de alunos por sala, contra a precariedade dos professores e, também, pela nova Lei, os novos currículos.
Mauro: E como você vê agora essa correlação de forças entre essas mobilizações dos sindicatos, dos movimentos pela educação pública e, por outro lado, os que movem essa perspectiva neoliberal, que desde o Estado chega às escolas – com os cortes de orçamento, por exemplo, como você disse. Como está essa correlação hoje e que perspectivas poderiam ser vistas a partir dessa correlação de forças em torno desses projetos, que são diferentes, que são antagônicos?
Rosa: Eu lembraria, para começar, do que disse George Soros[vi]: “a luta de classes continua e nós estamos vencendo”. Bem, seria mais ou menos isso, ou seja, no momento acho que eles [a burguesia] estão ganhando. A OCDE, a União Europeia, o Banco Mundial, com todas as regulamentações que vêm de lá, as grandes empresas, os bancos, todos entraram na educação. A educação é um grande negócio a explorar, é um grande investimento para o capital e eles estão tentando se apropriar para fazer negócios e também para redirecionar de alguma forma as mentes, ou seja, é algo que Christian Laval diz: que o neoliberalismo não é apenas uma questão económica, mas também uma questão de introduzir uma forma de ver o mundo que seja baseada na competitividade, no individualismo e no salve-se quem puder – e nos dizem que é isso que deve ser.
Mauro: Embora você já tenha falado sobre um–––a das questões que eu havia apontado para lhe perguntar, vou voltar a ela porque acredito ser muito importante: a questão do controle curricular. Desde as dimensões do currículo começaram todas aquelas questões de educação por competências, empreendedorismo, educação financeira, educação nos moldes da empresa, o indivíduo como centro dos processos sociais, escolas que funcionam como se fossem uma empresa privada etc. Isso tudo faz parte de um projeto. Agora, essas plataformas digitais, essas grandes empresas multinacionais de tecnologia. Então, existe todo um movimento – existem as organizações internacionais de que você falou – OCDE, BM – existe a União Europeia, existe todo um movimento por ali. Parece-me, ainda, que há um processo no qual em muitos momentos quando se fala em educação pública, esquece-se que esse conjunto de coisas é um projeto de educação que não necessariamente está de acordo com a educação pública, mas que entra nas instituições públicas, na escola pública, e que está fazendo esse trabalho de mudança. Você poderia nos brindar algumas reflexões de como podemos contrarrestar esse movimento mais geral que vem do capital, de suas organizações, e como nós, por outro lado, poderíamos gerir uma educação pública de fato?
Rosa: Bem, acho que há duas coisas: por um lado, a confusão – para ser benevolente – da esquerda em relação à educação, pelo menos na esquerda política [partidos políticos de esquerda presentes no parlamento]. Porque não há compreensão do que tudo isso está significando. E eu acho que ou eles se deixaram levar, ou eles têm outros interesses – isso eu já não sei – mas o que é certo é que não há uma resposta da esquerda política sobre isso, ou seja, eles de alguma forma assimilaram a ideologia neoliberal. Mas, também, tem outra questão, que eu acho que não ajuda na mobilização ou na contestação, que é a existência de uma grande operação de marketing, onde tudo isso é vendido como grande inovação, a palavra mágica é inovação. Então, quem discorda é retrógrado, é preguiçoso, é corporativista, ou seja, há um descrédito sistemático de toda a oposição a todas essas questões que você nomeou: educação financeira, educação empreendedora, aprender a aprender, o fato de que tudo está na internet, no Youtube, e está tudo no Google e então não temos mais que ensinar nada, enfim, uma grande quantidade de coisas que acabam confluindo em duas outras coisas que eu acho muito, muito terríveis: uma é que, enfim, o direito à cultura e ao conhecimento está sendo vetado, principalmente para as classes populares, e isso é muito terrível – porque uma das aspirações da esquerda sempre foi a conquista da cultura, a conquista do conhecimento pelas classes populares e com isso eu acredito que uma das consequências é que esse acesso é negado às classes populares, já que as classes altas têm suas próprias universidades e seus próprios colégios de elite. Isso de um lado e do outro está, de alguma forma, lá no fundo, no final, que espero que não chegue, mas existe um projeto de desmantelar não só a escola pública, mas também a escola e a educação como a conhecemos. Esta manhã estava assistindo a um debate que foi organizado por uma Secretaria de Educação, ou seja, algo oficial, onde se dizia que as salas de aula do futuro são espaços abertos em que os professores já não têm de ensinar, porque tudo estará no Youtube, no Google, e isso supõe um desmonte total da escola como escola, da função da escola, que é, além de transmitir conhecimento, também socialização, ideologia, forma de ver o mundo etc. Então, se você matar isso e deixar para que quem realmente transmita os conceitos, a história, as visões de mundo etc., seja o YouTube, seja o Google e sejam os bancos, ou as empresas, pois então a verdade é que aquilo que teremos é fatal.
Mauro: Muitas vezes fica muito evidente – e você colocou muito bem – que chamam de atrasados àqueles que se opõem a esse projeto, que são aqueles que não sabem usar essas novas tecnologias de informação e comunicação, que são dinossauros, que ainda trabalham com um conhecimento que não é mais o conhecimento necessário para o futuro e assim por diante. Então, nós que estamos nesse campo de defesa da educação pública, além de defender a educação como um direito de todos, temos que pensar nesse processo de quase extinção da escola como a escola que pensamos. Nesse aspecto, o que você acha que poderíamos fazer de articulações mais amplas, com outros movimentos de fora da escola? O que você vê de possibilidades de articulação mais ampla?
Rosa: Poucas no momento. Quer dizer, é curioso, porque na saúde, todo mundo entende que os cortes na saúde trazem grandes problemas, porque se, por exemplo, você precisa ser operado e não operar em seis meses, todo mundo sabe quais serão as consequências. Mas que as crianças na escola agora ao invés de estudar conteúdos estão tentando desenvolver “competências”, bem, a maioria dos pais e mães e a sociedade não sabem muito bem o que isso significa e, além disso, as consequências não são imediatas. Então, é muito mais difícil – é muito difícil – porque, por um lado, há a desvalorização de todos que se opõem e, por outro lado, esse tipo de marketing – que eu disse antes – que isso é novo, moderno, do século XXI, inovador, enfim, maravilhoso. Esse é o discurso que aparece na televisão, que os políticos fazem, que fazem os ministros da educação, e diante disso é muito difícil se opor. Se acrescentarmos que, além disso, os professores estão muito cansados, com uma burocracia crescente – porque tudo isto aumenta a burocracia – com muitos alunos por turma, com problemas diferentes, com problemas nas escolas, enfim, tudo isto torna realmente difícil articular uma oposição. Mas estou otimista e acho que isso vai acontecer. Vai chegar aos professores, aos pais e mães… já tem famílias que falam: bom, mas meu menino tem sete anos e ainda não lê, o que está acontecendo aqui? E acredito que se conseguirmos fazer com que o contradiscurso chegue a cada vez mais pessoas, acredito sim que existe uma possibilidade. E também acho que as pessoas de esquerda – já digo os partidos, sobretudo, e alguns sindicatos – também deveriam ser muito mais agressivas, porque realmente estamos colocando em risco o futuro da educação. Porque esse movimento do capital na educação é muito forte e espero que não atinja seu objetivo principal. Espero que alguém pare com isso, pare com toda essa deriva, porque o final disso é terrível.
Mauro: Uma das dimensões muito trabalhadas nessa propaganda é que isso é bom, o que eles estão impondo é bom e que a educação pública é ruim. Além disso, colocam como se os processos de privatização da escola atendessem a questões de interesse público, que é do interesse público que as escolas sejam escolas privadas, que é do interesse público que haja corte de recursos para Educação pública. Então eu acho que uma das questões estratégicas para esses movimentos dos grupos capitalistas que se movimentam na educação também está aí, na privatização da educação. Na Espanha existem alguns mecanismos bastante importantes neste processo, como as escolas concertadas. Que outros movimentos existem, nesse sentido, que estão sendo promovidos para ampliar o processo de privatização das escolas?
Rosa: Está sobretudo com as escolas concertadas, por que isso é dinheiro público que as escolas privadas recebem e gerenciam e que, além disso, cobram mensalidades [aos estudantes]. Portanto, isto leva a uma segregação escolar pela classe social e diminui o dinheiro público para as escolas públicas. Esta é a primeira parte. Do outro lado está a entrada para tudo o que tem a ver com a educação virtual, com o que se chama de digitalização da educação. Agora, a União Europeia enviou para a Espanha 200 milhões de euros para a educação, mas esse recurso deve ser investido obrigatoriamente na digitalização da educação, ou seja, há uma pressão muito forte. Mas o que significa investir na digitalização da educação? Bem, para começar, comprar aparelhos. E quem nos vende os aparelhos? Bem, as empresas que fabricam os aparelhos e que estão na direção dessa pressão! Comprar também programas educacionais. E quem faz e vende programas educacionais? Google, Facebook, Fundação La Caixa, Banco Santander etc. Ou seja, há uma outra entrada dos interesses das empresas que até pouco tempo atrás não tinha, que vão desde ganhar dinheiro, ou seja, vender o máximo de quinquilharias etc., e outra que é a transmissão de ideologia. É claro que se a ideologia já é veiculada pelo Google, não é a mesma coisa que veiculada por um professor de esquerda, por exemplo. Portanto, esta seria a outra fonte de privatização. E aí, principalmente na Universidade, sobretudo através das universidades privadas – que é outra forma – ou seja, o grande número de universidades privadas, que está aumentando exponencialmente e muitas das quais também recebem subsídios públicos.
Mauro: Isso me faz pensar muito no que aconteceu no Brasil, porque hoje estamos com aproximadamente 80% dos estudantes do ensino superior em instituições privadas e há um avanço brutal sobre o público por parte dessas empresas, que estão interessadas em ganhar duplamente, como você nos disse, que é ganhar financeiramente e pelo controle do conteúdo ideológico e da formação. Na Espanha, houve uma mudança recente nas leis nacionais de educação, da LOMCE para LOMLOE[vii]. Esse é um aspecto que nos interessa no Brasil porque o que está acontecendo na Espanha é usado como exemplo exitoso. Aliás, outro termo que essas organizações usam excessivamente é o de exemplos exitosos das políticas de um país para impô-las a outro. Você poderia nos contar um pouco, mesmo que em linhas muito gerais, muito amplas, quais são as mudanças mais importantes que ocorreram nessa transição de LOMCE para LOMLOE?
Rosa: A LOMCE era uma lei do PP [Partido Popular], da direita, que tinha alguns aspectos que foram amenizados na nova lei. Mas na LOMLOE não há avanços importantes. O que existe, e acho isso o mais terrível, é essa consolidação na lei de tudo que tem a ver com currículo e metodologia [que interessam ao capital], ou seja, o LOMLOE impõe a abordagem por competências, a avaliação por competência, a aprendizagem baseada em projetos, a educação emocional como uma coisa muito importante. Quer dizer, é engraçado, de repente eles destroem a educação, mas levam muito em conta o estado emocional dos alunos. Realmente, soa cínico – soa como um cinismo profundo! Ou seja, estão aí esmagando os alunos com mais alunos por sala, estão esmagando os professores com uma burocracia impressionante, mas dizem que o objetivo mais importante da educação, com essa nova lei, é cuidar do aspecto emocional dos alunos, enfim… quer dizer… eu acho que nesse sentido é uma lei ruim, porque não reverte o mais importante, não reverte os concertos educativos[viii], não reverte privatizações, não reverte os aspectos mais nocivos e, por outro lado, consolida por lei todo o quadro das competências básicas, aprender a aprender, educação por competências, educação emocional etc. Mas ainda há pouca oposição, há muito pouca oposição. Acho que mais tarde, quando as pessoas começarem a perceber o que a lei implica – porque muita gente não leu, mesmo entre os professores, há muitos professores que não leram – então, pensam que não acontece nada. Mas é possível que dentro de um ou dois anos realmente haja uma grande oposição a tudo isso e acho que, além disso, uma oposição deve começar com uma desobediência dentro das escolas. Ou seja, se você me falasse qual é a estratégia, eu acho que são duas estratégias: uma, mobilização que serve também como conscientização para que a sociedade fique sabendo o que está acontecendo; e outra, internamente nas escolas, devem recuperar a democracia, as assembleias de professores e devem simplesmente desobedecer e não fazer muitas das coisas que esta lei diz e que não são boas para os alunos e para a sociedade.
Mauro: Acho que você chegou em um ponto que me parece estratégico, que é o corpo docente. Vimos nos últimos anos que em muitos documentos dessas Organizações Internacionais – Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, OCDE, UNESCO – todos dizem que o problema da educação está no corpo docente, que não há – uma coisa que é verdade – que não há possibilidade de mudar a educação se não mudar a mentalidade e o trabalho do corpo docente. A partir daí eles estão nos impondo essa mudança, e a gente tem que olhar e saber o que está acontecendo. Mas junto com isso tem uma coisa que eu acho importante e que a gente gostaria de saber: quais são as reivindicações dos professores, dos seus sindicatos, que seriam muito importantes, mas que não estão nessa nova lei, a LOMLOE? Quais reivindicações foram feitas historicamente, mas que o Estado não aceita e que não estão na lei?
Rosa: Nesse momento, as demandas do corpo docente são aumento do investimento, diminuição do número de alunos por turma, menos horas letivas e mais horas de coordenação e preparação etc. E por outro lado, a democratização da gestão, ou seja, nada de o diretor mandar e escolher o corpo docente, e, também, contra a precarização no trabalho. Por exemplo, agora tivemos a sorte de a União Europeia ter se mantido firme e forçado a contratação por concurso público, porque tínhamos 40% de professores temporários, pois não são realizados concursos. Então essa é uma das demandas que não foi totalmente atendida, mas em algum lugar da União Europeia falaram que não era possível manter essa situação, ou seja, não dá para ter pessoal com contratos interinos por vinte, dez ou trinta anos, e, assim, agora parece que vai haver entrada de funcionários públicos por concurso, mas continua a haver precariedade laboral.
Mauro: É o provisório vitalício!
Rosa: O provisório para toda a vida. Não, é assustador! Quando entrei, acho que não chegávamos a 10% de provisórios e neste momento estavam em 40%, é um absurdo. Mas tem a sua lógica, ou seja, eles não são burros, mantendo professores interinos, que não é permanente e, portanto, não tem emprego estável, e impondo que os diretores podem decidir se você sai ou fica, com isso eles têm conseguido o que nunca tinha acontecido antes, que é o medo dos professores a se mobilizarem, de protestar, de responder às imposições. Antes, as pessoas se levantavam e diziam: vamos ver tudo isso… o que é isso? Não, não fazemos isso! Não vamos por aí etc. Mas nesse momento, claro, você não tem emprego fixo e ainda por cima depende de o diretor dizer se você vai trabalhar de novo ano que vem ou não, se fica ou sai, imagina o que isso significa!
Mauro: Acho que agora você chega em outro ponto que é fundamental, que é como está sendo feita essa mudança no pensamento coletivo dos professores com esse conjunto de políticas, com a imposição do medo, da insegurança de sequer saber se no outro ano continuas onde trabalhas, por isso é uma instabilidade constante e que, para além do impacto imediato que tem individualmente nos docentes, faz com que haja uma mudança naquilo que é o pensamento coletivo do corpo docente. Em outras palavras, há uma mudança no papel do professor. Numa visão mais ampla, como você vê que está acontecendo esse processo de mudança de mentalidade do corpo docente? O que você está olhando, tem outras coisas também, ou só essas imposições que a gente já falou?
Rosa: É um pouco de tudo! Ou seja, essas imposições, por exemplo, dos diretores e da gestão não democrática, o que tem feito é que as discussões que a gente tinha no corpo docente – discussões pedagógicas, discussões políticas etc. – desapareceram, isto é, o corpo docente, a reunião dos professores, antes era uma coisa viva e havia uma inovação real. Ou seja, havia a discussão sobre o que achavam, do que poderíamos fazer, se tal projeto, dessa forma e tal…O que o coletivo acha, se aceita, se não aceita, o que muda etc. Ou seja, a discussão pedagógica e política da educação que se fazia entre os professores nas reuniões desapareceu, as reuniões são agora como missas…
Mauro: Quer dizer, eles estão tirando o coração do trabalho do professor, que é pensar a educação, o trabalho intelectual…
Rosa: Isso por um lado. Por outro lado, se são colocados mais alunos por turma, se colocam mais burocracia, colocam mais carga horária de aula, não sobra horas para fazer reuniões de departamento para coordenar-se, para discutir que tipo de material você vai fazer, como vai fazer etc. Ou seja, tudo isso está pegando e aí tem outro problema que é que os novos professores vêm de uma Universidade que também está na mesma situação… Então, eles já vêm com uma formação ruim. Os que são um pouco mais ágeis reclamam da formação inicial dos professores, e também que saem dela com todas aquelas teorias e toda essa ideologia e filosofia que a gente está criticando, que, claro, torna tudo cada vez mais complicado.
Tem professores jovens que você fala: olha, mas não pode ser que o diretor decida tudo, e eles falam: mas é normal, não é, que o diretor mande? Como é normal o diretor mandar? Há muitos anos não era normal, ele não comandava nada, o diretor era coordenador, era um professor ou uma professora que atuava como diretor por um certo tempo e era a voz do corpo docente diante da administração, mas agora ele é um personagem que não é mais professor, é um personagem que é o diretor, ele não faz o papel de diretor: ele é o diretor e é a voz da administração no corpo docente. Ou seja, se deu toda uma volta e, claro, os recém-formados que entram novos, os jovens professores, já encontram a escola assim e parece-lhes a coisa mais normal, com o que é ainda mais difícil dizer não, que não é normal e isso não é bom. Não se pode educar para a democracia sem democracia.
Mauro: Existe essa complementaridade, que se muda a formação inicial do corpo docente e se mudam as condições de trabalho na escola, e aí se fecha um ciclo que é muito difícil quebrar.
Rosa: Sim, é muito mais difícil.
Mauro: Parece-me que esta é uma das questões centrais de ouvir e de pensar, de como estamos a formar os professores. No Brasil, em 2017 houve uma mudança na lei de educação, que é muito parecida com a LOMLOE e que se chama Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é para todas as escolas do país e que tem esses detalhes que você mencionou da LOMLOE, baseado em competências, com digitalização, isso tudo. Houve um complemento à BNCC para que a formação de professores em todo o país fosse obrigada a se basear nos mesmos princípios, com a criação de outra Lei, a Base Nacional Comum de Formação de Professores (BNC-Formação) e que contraria a Constituição Federal, pois esta lei impõe a todas as Universidades um mesmo modelo e a Constituição dá a possibilidade de não o fazerem, porque têm autonomia. Mas essa autonomia está ameaçada, com uma situação em que se por acaso não seguirem essa nova lei que traz os princípios da base comum nacional das escolas para a formação de professores, se não seguirem, existe a possibilidade de não reconhecimento dos diplomas que as universidades conferem aos alunos que concluem seus estudos. Então, existe um movimento muito forte por aí também pelo controle da formação de professores. Assim, pergunto: existe aqui um movimento do Estado semelhante a esse, de regulamentação da formação inicial de professores, articulado a esse novo currículo imposto pela LOMLOE?
Rosa: Sim. Na verdade, já está. Ou seja, antes, para ser professor do ensino médio, você era formado, por exemplo, em matemática e fazia uma formação rápida de pedagogia [formação didática], prestava concurso público e já era professor de matemática. Agora tem o mestrado, tem que fazer um mestrado de dois anos, se você tem licenciatura em matemática, para poder dar aula tem que fazer mestrado e nesse mestrado já tem toda essa filosofia.
Mauro: E isso é uma lei nacional na Espanha?
Rosa: Sim, e ainda esses mestrados não são gratuitos e são muito caros. Eles não apenas expandem essa filosofia, mas também são muito caros e criam um mercado muito grande.
Mauro: Caminhando um pouco mais para fechar a entrevista, nós, na história dos movimentos sociais de esquerda, nos sindicatos, sempre colocamos uma sequência de pelo menos quatro pilares fundamentais, quatro princípios que são fundamentais para a escola: que seja pública; que seja laica; que seja gratuita; e que seja de qualidade. E que essa qualidade não deriva dos resultados imediatos ou nas avaliações externas, mas, como você já falou, pela aquisição do conhecimento em geral, da cultura humana, como direito fundamental. Mas essas mudanças, das quais falamos até agora, impõem hoje uma visão diferente, até mesmo entre o corpo docente, do que é público, do que é essa qualidade. Então, para ver a qualidade, existem sistemas de avaliação, que são feitos de fora das escolas, que não são feitos pelo corpo docente. Para falar do que é público, dizem que público também é a escola privada subsidiada, porque atende ao público. A laicidade é colocada como algo diferente porque volta a obrigatoriedade de oferecer ensino religioso. Então, você poderia nos fazer uma reflexão sobre essas mudanças e as possibilidades de continuarmos em defesa de uma escola pública de qualidade, laica e gratuita?
Rosa: Eu acho que tem que fazer um trabalho de pedagogia, diretamente. Ou seja, é muito importante conscientizar do porquê tem que ser pública, não só o que é ser público, mas porquê, ou seja, a importância de ser realmente igual para todos, bem financiada com dinheiro público – que todos pagamos – que não haja segregação, que é a única forma democrática e justa de investir o dinheiro que é de todos. Então explicar e sensibilizar sobre tudo isso, explicar que qualidade não é o que o PISA[ix] diz, mas qualidade é que realmente saiam jovens que tenham clareza de que temos que lutar por um mundo melhor, que entendam o que está acontecendo, que sejam educados, que possam aproveitar a vida mesmo que tenham uma vida modesta, ou seja, não é preciso ser milionário para admirar e entender obras de arte, literatura, cinema, pintura, todas essas coisas que fazem parte da cultura e, portanto, desfazendo o conceito de qualidade só porque o PISA diz que estamos acima ou abaixo no ranking, mas porque realmente conseguimos formar jovens que têm, por um lado, conhecimento suficiente para entender como o mundo funciona, por outro lado, valores suficientes para saber o que é injusto e, em terceiro lugar, desejo e ferramentas para ajudar a mudar isso. Essa é para mim a função da escola pública.
Mauro: Perfeito. E, por fim, acho que por nosso turno – de nós que estamos em defesa da educação pública – há muitos desafios, muitas questões que são mais imediatas, devido a esta situação de mudanças etc., mas há algumas que são princípios fundamentais que possibilitam o desenvolvimento humano de forma mais geral, o que nos permite exatamente entender a sociedade, entender a vida, olhar do ponto de vista do valor, da vida, dos direitos de todos, da igualdade. Porém tem muitas coisas que hoje estão sendo impostas às escolas como se fosse uma possibilidade de trabalhar temas nessa perspectiva, mas que fazem o contrário. Por exemplo, quando trabalhamos as questões étnico-raciais sob a ótica oferecida pelas fundações do capital, as questões da sexualidade humana a partir de uma visão que, ao invés de contribuir para a universalização do humano, muito nos restringe a interesses geralmente ditados pelo mercado. Ou seja, questões que são fundamentais, mas que chegam às escolas esvaziadas de seu conteúdo humano e preenchidas pelos interesses do capital e sua perspectiva formativa. Poderia nos fazer uma reflexão sobre como a esperança de mudança, que você expressou nas perguntas anteriores, também se expressa nessas questões, e quais desafios temos para não ficarmos subjugados a essa perspectiva que nos coloca o capital?
Rosa: O que eu estava dizendo antes é que você tem que revelar o que está por trás disso. Então você tem que revelar o que está por trás das competências, o que significa, quem as inventou, para que servem, para quem servem. O que está por trás dessa educação emocional, que parece muito legal, porque obviamente quero que as crianças sejam felizes e equilibradas emocionalmente, mas não é isso que se pretende. Respeito ao meio ambiente, por exemplo, olha, tem uma coisa que está bem clara e vou dar um exemplo: agora todos os currículos devem atender aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Muito bem, também concordo que temos um planeta prestes a explodir e vamos ver o que acontecerá se não remediarmos. Mas fazer realmente um bom trabalho educacional, para que esses jovens possam fazer um bom trabalho em relação a esse assunto, sobre como as coisas estão terríveis com as mudanças climáticas e que temos que acabar com isso, o que é melhor: ensinar que eles devem jogar os papéis no lixo, as garrafas no recipiente, ou explicar quem polui, por que polui e como polui? Já me parece bom que sejam educados, coloquem os papéis no lixo, as garrafas no contentor, respeitem as árvores e reciclem etc. Mas, só com isso, colocando seus materiais para reciclagem e sendo muito gentis com o meio ambiente e muito ecológicos e muito não sei o quê, não vamos mudar nada, ou seja, também devemos explicar a eles quem, como e por que isso não cessa, quem, como e por que polui. A culpa não é que o estudante não põe o plástico na lixeira, a culpa é que colocam plástico em tudo. Ou seja, eu acredito que de alguma forma o indivíduo está sendo culpabilizado, ao invés de explicar como o mundo funciona… é o mesmo que ocorre com a educação emocional – sim, é muito bom que sejam emocionalmente equilibrados e que sejam felizes. Mas, o que não se pode é ensinar-lhes apenas que as emoções negativas devem ser dominadas diante das adversidades. Ou seja, te demitem, te exploram e tal, mas você tem que controlar suas emoções porque tem que ser resiliente, tem que ser positivo, tem que se adaptar… mas não! Não há que ser resiliente, há que ser combativo! Com esse tipo de coisa, eu acho que eles [a burguesia e seus defensores] estão nos enganando, porque as palavras parecem muito bonitas: então a gente vai educar para a sensibilidade ecológica e tal. Sim, mas se você não souber a verdade, se não compreender a realidade, apenas no nível individual você não resolverá nada. E é tudo tratado apenas no nível individual! Também concordo que se trabalhe as questões em nível individual, mas não apenas nele. Nisso também está incluída toda a questão da educação afetiva, sexual, que também é muito bom que exista e que é muito bom que se ensine às crianças aceitação de todas as orientações sexuais e que um ou uma possam se relacionar e amar quem quer que seja desde que estejam de acordo. Mas daqui para essa coisa que também está aí sobre autodeterminação de gênero, que eu sou o que eu quero ser e que a biologia não importa, isso também é outra das coisas que eu acho negativas, porque não é verdade. Não é verdade, sinto muito, mas se você nasceu homem, você é homem. Que você queira mudar na forma de se vestir, bem, mas essa questão de explicar para as crianças que sexo biológico não existe e que tudo é o que você sente e que você pode sentir o que quiser e automaticamente será o que você sente, além de isso ser mentira, acredito que com isso não estamos fazendo um bom favor ao indivíduo, nem mesmo ao feminismo, nem mesmo à aceitação da diversidade sexual (que eu acho que é muito bem), mas estamos entrando em um território muito perigoso, especialmente para os e as adolescentes. Isso deve ser levado a sério e todos devem ser respeitados, mas a decisão final (tomar hormônios, mudar de nome, vestir-se como convencionado para outro sexo) deve ser tomada na idade adulta, não na idade escolar, pelos menores de idade.
Mauro: Tem uma coisa que fica muito evidente em tudo isso que nos dizes, sempre colocas em relevo que temos que nos organizar e lutar. Você diz isso sobre os professores, os alunos, as famílias. Você tem que ter uma forma de organização e luta se quiser pelo menos tentar conter esse avanço brutal dessas políticas do último período. Nesse sentido, que mensagem de luta você deixaria para os educadores, não só brasileiros, não só espanhóis, mas aos professores em termos mais gerais?
Rosa: Nesse sentido, acho que não tem muito o que inventar. Na verdade, as lutas sociais sempre foram mais ou menos parecidas. Acho que são três coisas básicas: a conscientização, por isso a divulgação, o discurso, o contradiscurso, explicar porque isso é ruim etc. etc.; a organização, interna nas escolas, nos sindicatos, fora a nível internacional etc.; e a mobilização. Não conheço outra forma de lutar. E acho que isso poderia ser um bom ponto de partida e devemos começar por sensibilizar, porque se os próprios professores não percebem – e a maioria dos professores não percebe – o que tudo isto implica, é muito mais difícil que eles se organizarem, que lutem para mudar. Eu acredito que é muito importante fazer pedagogia dentro do corpo docente para que eles tenham muita consciência de que estão obrigando-os a fazer algo que no fundo eles certamente também não querem fazer. Ou seja, não acho que a maioria dos professores realmente concorde em educar para o neoliberalismo, para a injustiça social, para o individualismo. Eu creio que não. Portanto, o que precisa ser feito é revelar o que está por trás dessas belas palavras, que a inovação realmente seja feita pelos professores, para que eles consigam fazer o que querem fazer, que é uma educação para todos e, acima de tudo, para as classes populares, e que seja emancipatória, que seja justa.
Mauro: Bem, muito obrigado por suas contribuições, por suas reflexões. É sempre um imenso prazer ouvir as reflexões de uma mulher que está na luta, que está no chão da realidade e na luta real pela educação pública e por um mundo justo.
[i] O Fórum Social Mundial, segundo sua própria definição, é “um espaço de debate democrático de ideias, de aprofundamento de reflexões, formulação de propostas, troca de experiências e articulação de movimentos sociais, redes e organizações da sociedade civil que se opõem ao neoliberalismo e ao domínio do mundo pelo capital e por qualquer forma de imperialismo” (http://forumsocialportoalegre.org.br/forum-social-mundial/). Reuniu-se pela primeira vez em Porto Alegre no ano de 2001; voltaram a se encontrar nesta cidade em 2002, 2003 e 2005.
[ii] Os concertos educativos ou escolas concertadas na Espanha são escolas privadas que recebem recursos públicos.
[iii] Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=VsybvolTUv0.
FICHA TÉCNICA:
Título: Educar es la mejor manera de luchar. La educación en el Movimiento Sin Tierra de Brasil
Ano: 2012 Documentário, 48’ Formato Panorâmico 16:9, DVD
Roteiro: Rosa M. Cañadell, Agustí Corominas
Realização: Agustí Corominas
Montagem: Llorenç Torrades
Música original: MST
Produzido por: Sindicato dos Trabalhadores da Educação da Catalunha: USTEC.STEs (IAC), filmes de vídeo Metròpoli com a colaboração da Agência Catalã de Cooperação para o Desenvolvimento (ACCD)
Idiomas: catalão e espanhol
[iv] Lei Orgânica de Educação. ESPAÑA. Ley Orgánica 3/2020, de Educación, de 29 de diciembre (LOMLOE). Boletín Oficial del Estado. Núm. 340, Sec. I. Pág. 122868, 30 de diciembre de 2020.
[v] Lei promovida e aprovada pelo governo do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol).
[vi] NE: George Soros é um dos principais membros da grande burguesia internacional, um dos mais ricos e o que mais gasta recursos divulgando o pensamento neoliberal e defendendo seus interesses de classe.
[vii] A LOMCE (Lei Orgânica para a Melhora da Qualidade Educativa, Ley Orgánica 08/2013), promovida e aprovada pelo Governo do PP (Partido Popular), de direita; e LOMLOE (Lei Orgânica de Modificação da Lei Orgânica da Educação, Ley Orgánica 03/2020), promovida e aprovada pelo Governo do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), de esquerda.
[viii] Escolas privadas financiadas diretamente com recursos públicos.
[ix] PISA é a sigla do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, tradução de Programme for International Student Assessment, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).