Na terça-feira (20/07) o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, fez um pronunciamento em rede nacional defendendo o retorno presencial das aulas em todo o país. Milton “conclama” ao retorno presencial e destaca o impacto negativo das escolas fechadas. Ao fazer essa fala o ministro destaca que ele não pode determinar o retorno presencial, que seria atribuição de estados e municípios.
De fato o adiamento do retorno das escolas é um problema, mas ele tem relação direta com a falta de medidas de controle da pandemia que são, em grande medida, responsabilidade direta do governo Bolsonaro. Vários indícios de negligência, corrupção e má gestão estão mais que expostos pela CPI da Covid-19.
Fatores como o adiamento da vacinação, a falta de política de testagem e a falta de critérios para as medidas de fechamento de setores, que não considerou a relevância social, mas prioritariamente a pressão econômica de alguns setores para definir o que abria ou fechava, são pontos que certamente contribuíram para este cenário.
O ministro enfatiza a urgência do retorno para não “privar do aprendizado acadêmico e profissional” e traz exemplos de outros países que tem escolas abertas há algum tempo. Entretanto ele não considera as condições diferenciadas do enfrentamento da pandemia e nem as condições das escolas no Brasil.
Há pesquisas que indicam falhas nos protocolos existentes nas escolas, como a realizada pela rede de pesquisa solidária. Há também dados que indicam a maior mortalidade de crianças no país do que em outros países como indicado em levantamento ainda em abril pela BBC News Brasil.
Além dos problemas nos próprios protocolos temos acompanhado relato de profissionais que voltaram ao trabalho presencial nas escolas e tem convivido com uma absoluta impossibilidade de aplicar na prática os protocolos de segurança. Falta espaço ventilado para alimentações dos profissionais, materiais de segurança e, às vezes, até recursos básicos como acesso a água. Nesse sentido um grande investimento nas escolas seria o mínimo necessário para pensarmos em um retorno presencial seguro.
Outro ponto levantado pelos profissionais da educação é a descontinuidade do trabalho pedagógico, visto que suspeitas de contágios são constantes e tanto profissionais quanto crianças têm que ficar afastados da escola constantemente quando estes casos ocorrem. Quem já retornou ao presencial tem atestado que em nada o retorno nestas condições favorece a “aprendizagem”.
Mesmo sobre estas condições insalubres e de insegurança constante, nos locais em que as aulas presenciais já voltaram, cresce a pressão por um retorno 100% presencial. Nesse sentido defende-se diminuir o distanciamento entre as crianças, acabar com o rodízio das crianças entre atividades presenciais e remotas e aumentar o tempo de permanência na escola. Temos acompanhado relato de professores, familiares e estudantes que retornaram ao trabalho presencial e as inseguranças presentes nesse contexto diante de um cenário em que ainda não há controle da pandemia. E ainda assim há pressão para aumentar ainda mais a exposição de todos neste contexto.
A pressão pelo retorno presencial tem sido feito por várias entidades e organismos, em sua maioria interessados no mercado educacional ou no papel da volta das escolas em outros setores da economia. Podemos aprofundar mais elementos sobre estes interesses de organismos multilaterais na educação da “futura força de trabalho” na recente coluna de Olinda Evangelista em conjunto com Priscila Monteiro Chaves.
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É cínico que o governo que tem atuado ativamente para piorar o combate à pandemia no país venha a público defender o retorno presencial às aulas, quando ele deveria ser diretamente responsabilizado pela condição em que nos encontramos. O governo Bolsonaro e seu Ministro da Educação, ao contrário do que foi sito no pronunciamento, são sim responsáveis pelo caos da pandemia no país e no sistema educacional.
Não é empurrando os trabalhadores da educação para condições insalubres e as crianças para um retorno presencial nestas condições que resolveremos os problemas de “aprendizagem” que estão sendo alardeados. A educação deve de fato ser uma preocupação de todos, mas sabemos que por trás desse discurso que defende o direito das crianças a escolarização há outros interesses bem menos nobres. Que não se furtam a colocar vidas em risco, mas que não tem o mesmo ímpeto na defesa de investimentos e valorização dos professores. A “aprendizagem” que está em jogo não é a que permite uma formação ampla e crítica das potencialidades dos estudantes, mas àquela que nos reduz a uma peça da engrenagem. E se no processo vidas sejam perdidas: “‘E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”*.
* Referência a fala de Bolsonaro em relação ao número de mortes por Covid-19 no Brasil ainda em abril de 2020.
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