O ministro Aroldo Cedraz, relator do processo que analisa a privatização da Eletrobrás no Tribunal de Contas da União (TCU), informou na tarde de ontem (9) que o corpo técnico da instituição identificou falhas na modelagem econômico-financeira da privatização que totalizam uma divergência de R$ 16,2 bilhões.
Desse total, R$ 5,6 bilhões foram reconhecidos pelo Ministério de Minas e Energia (MME), que se comprometeu a promover as devidas correções nesta parcela. Para o restante, foi pedido esclarecimentos ao ministério, que já respondeu. A resposta está em avaliação pelo ministro Aroldo Cedraz.
Desta forma, o processo foi retirado de pauta e não tem data para voltar à pauta do TCU. O tribunal realiza a última sessão do ano na próxima quarta-feira (15). O adiamento é um revés para o governo, que contava com a aprovação do tribunal ainda neste ano para poder levar adiante o processo de privatização e concluí-lo até maio de 2022. Mas o ministro procurou ressaltar que o tempo de tramitação do processo no TCU não está inviabilizando o cronograma traçado pelo governo federal para fazer a privatização da Eletrobrás.
Cedraz disse que não concluiu o voto porque recebeu diversas manifestações do Poder Executivo e da sociedade. Uma das campanhas que está sendo realizada contra a privatização da Eletrobrás parte do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE), que compartilhou ao longo da semana uma lista com os principais argumentos contrários à privatização da maior empresa de energia elétrica da América Latina. Confira o texto compartilhado pelo coletivo:
“O Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) e a Campanha Salve a Energia orienta os/as trabalhadores/as das empresas Eletrobrás e a todos/as os/as apoiadores/as da campanha contra a privatização da Eletrobrás, a continuarem pressionando os 9 (nove) ministros do TCU para que não seja pautado este ano o processo relacionado a privatização da Eletrobrás, visto que é um assunto complexo e de extrema relevância para o Brasil. Principais Argumentos:
1) A Unidade Técnica do TCU encontrou diversas falhas no processo de modelagem econômico-financeira da privatização da Eletrobrás, que darão um prejuízo aos cofres públicos de R$ 16,2 bilhões;
2) O Ministério de Minas e Energia desconsiderou futuras fontes de receita para o preço de energia de longo prazo;
3) A ANEEL não levou em consideração na minuta do contrato de concessão, enviado ao TCU, as contribuições feitas na Audiência Pública nº 48, além de ter desrespeitado o prazo da mesma, reduzindo-o de 45 dias para 20 dias. Também não foi levado em consideração os impactos da Reforma Tributária, que está sendo discutido no Congresso;
4) A Comissão de Fiscalização e Controle (CFC) da Câmara dos Deputados aprovou 2 (duas) PFCs – Proposta de Fiscalização e Controle, sobre o processo de privatização da Eletrobrás, que ainda não foram realizadas pelo TCU;
5) Nestes últimos dias foram juntados ao processo matriz da desestatização da Eletrobrás alguns documentos em caráter de sigilo, o que impede o contraditório e a ampla defesa; e
6) Além do fato da privatização estar prevendo: a) Aumento considerável na tarifa na conta de energia elétrica, causando tarifaço com a conta de luz; b) Insegurança energética com a possibilidade de grandes apagões; e c) Aumento da carbonização da matriz energética brasileira, sendo contraditório aos acordos internacionais de combate ao aquecimento global. Devido as irregularidades relatadas peço que o processo não seja pautado pelo relator este ano para que seja possível debater e estudar com maior profundidade o processo, evitando-se prejuízo à população e aos cofres públicos.”
Quais são as etapas que o processo ainda passaria
Após a finalização da primeira análise do TCU, que está acontecendo agora, se aprovado, o governo teria de submeter o processo para votação na assembleia de acionistas da Eletrobrás e concluir a separação da Eletronuclear e da Itaipu Binacional, que permanecerão sob controle acionário da União.
Finalizadas essas etapas, a minuta de edital volta para uma análise final do TCU, que se debruçará sobre o modelo de privatização escolhido pelo governo – a capitalização.
Só após o segundo aval do TCU é que o governo poderá fazer a capitalização, na forma de uma oferta primária de ações da Eletrobrás. Essa operação vai reduzir o capital votante da União na empresa, de 70% para 45%.
Dessa forma, a União deixa de ser acionista majoritária da Eletrobrás e, consequentemente, se retira do controle da empresa.
Alguns dos problemas da privatização
A privatização é uma das formas que o governo Bolsonaro pode usar para mascarar as contas públicas imediatamente, ao mesmo tempo que aniquila as possibilidades de arrecadação do Estado no futuro. Está prevista uma arrecadação de R$ 23 bilhões para o Tesouro Nacional, a partir da oferta primária de ações. Porém, ao se desfazer totalmente da Eletrobrás, o governo perde ainda mais controle sobre o sistema elétrico e desmonta importantes programas de eficiência energética que contribuem para evitar apagões.
Cabe ressaltar que a Eletrobrás já sofreu um desmonte sem precedentes nos anos 90, com a reforma do setor elétrico, no qual diversas usinas hidrelétricas lucrativas da empresa foram privatizadas e o projeto de reestruturação previa que a Eletrobrás investiria capital próprio em novos projetos que fossem importantes sob o ponto de vista político-social, para os quais seria pouco provável que o setor privado viesse a se interessar isoladamente, deixando para a empresa pública os pontos menos lucrativos do sistema.
Após a privatização, entre 1995 e 2017 a tarifa de energia elétrica aumentou 50% acima da inflação. Agora, o objetivo é terminar de dilapidar um patrimônio público construído em 60 anos de história pelo povo brasileiro e com investimento público.