Opinião
Porque o ensino remoto é uma pauta da direita
Qual é o objetivo da direita ao defender que as aulas continuem a qualquer custo?
Estamos muito próximos de alcançarmos a marca de cem mil mortos por coronavírus no Brasil. De acordo com os dados mais recentes, totalizamos 98.650 mortes. É nesse cenário terrível de um número tão grande de mortos, cuja a dimensão se torna até difícil de compreender, que diversas atividades voltam a uma normalidade cruel. Dentre elas, as atividades de ensino.
Mas há algo que precisa ser recuperado para que se compreenda como chegamos até aqui, um momento onde nos aproximamos de um número extenso de mortos completamente banalizado: quem defendeu com unhas e dentes que cem mil mortos poderiam passar batido?
Os passos da educação para a banalização da morte
Tão logo as aulas presenciais foram paralisadas, algumas instituições retomaram seus calendários com auxílio das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), configurando o chamado “ensino remoto”. Da educação básica à graduação e pós, estudantes de todas as faixas etárias foram sendo gradualmente agregados a essa lógica de ensino.
Essa continuidade a todo o custo das aulas foi uma política amplamente defendida por todos os setores da direita — dos mais reacionários ligados ao governo Bolsonaro até os liberais que passam de mansinho seus discursos entre alguns setores da esquerda.
Através do Ministério da Educação (MEC) todo o tipo de discurso atroz foi proferido contra todos aqueles ligados à educação, de docentes a discentes. Incentivou-se na educação básica a adoção do ensino remoto, em especial com relação ao ensino médio, através da manutenção do Enem. Para as universidades públicas e institutos federais, a difamação, desmoralização e os discursos privatistas que já conhecemos bem.
As comparações se deram todo esse caminho entre a estrutura privada e a pública. Enquanto uma era enaltecida como avançada e verdadeiramente preocupada com a sociedade — e portanto adotaram rapidamente esse espécie de ensino à distância (EAD) —, as instituições públicas foram taxadas de atrasadas e sua comunidade julgada como preguiçosa, como se o que estamos vivendo hoje fosse uma extensão do período de recesso.
O caso da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) é exemplar: a mídia burguesa local, aliada a entidades empresariais, se colocaram diariamente a redigir textos contra ambas as universidades, buscando colocar a população contra duas instituições públicas tão caras aos catarinenses — que inclusive estiveram ativas nas pesquisas sobre o coronavírus, trazendo importantes descobertas, como as partículas do vírus encontradas na UFSC em amostras de esgoto colhidas em novembro de 2019.
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Não é à toa que as instituições privadas foram as primeiras a forçarem pelo retorno presencial das aulas. Sindicatos das empresas de educação produziram materiais e foram à público dizerem que estão seguros da retomada e algumas universidades privadas também decretaram o retorno.
Ao retomar o breve histórico da pandemia no Brasil, o que podemos perceber é um quadro que nos deveria levar imediatamente à revolta: o ensino remoto foi forçosamente implementado, ignorando todas as duras críticas que vem sofrendo, para que diversos governantes se sintam confortáveis em decretar o retorno presencial das aulas. E fizeram isto sem que precisassem dizer abertamente que podem morrer mais quantos forem necessários para que se recupere a crise econômica.
A crise é outro fator crucial para a compreensão dessa sequência de fatos. As crianças fora da escola diminui em grande medida a disponibilidade dos trabalhadores a se submeterem a exploração. Muitos terão que buscar o cuidado de parentes ou amigos, ou mesmo deixar os filhos sós, o que indispõe ainda mais os trabalhadores com os patrões.
É por isso que o clima de normalidade precisa reinar. Para que mães e pais se sintam seguros em mandar suas crianças às escolas, as universidades também precisaram aderir ao clima de normalidade. Foi esse o papel dado a todos os representantes da burguesia dentro das universidades: garantir que essas instituições se amarrassem cada vez mais em discussões burocráticas sobre a necessidade de cumprir a função de ensino acima da necessidade de abrir discussões sérias sobre a crise sanitária e econômica.
Para completar esse cenário bárbaro, em larga medida os movimentos universitários à esquerda preferiram como tática a redução de danos de algo que é em essência danoso, podendo deixar que a direita realizasse sua política sem precisar nem mesmo abrir o jogo e ser responsabilizada por sua posição genocida e negacionista.
A implementação do ensino remoto não só irá tirar da educação superior (desde o Enem até a permanência) as camadas mais pauperizadas e historicamente excluídas, mas também enviará ao sorteio da morte toda a classe trabalhadora brasileira e suas crianças e adolescentes. Muitos continuarão a ser levados a morte em nome da recuperação econômica e poderão ser esquecidos dentro de um número imenso que mal conseguimos mensurar, pois para a burguesia cem mil não é nada frente sua necessidade insaciável, acirrada em toda a crise, de recuperar, manter ou ampliar seus ganhos.
Isso precisa estar claro a todos que estão no debate sobre o ensino remoto. O que a direita defende é que as quase cem mil mortes causadas por essa pandemia sejam ignoradas em nome de criar um clima de normalidade que justifique completar a retomada das atividades econômicas e isso significa que muitos trabalhadores serão vitimados pelo vírus.
Para nós de esquerda a defesa precisa ser o completo oposto disso. A defesa da vida da classe trabalhadora está acima de qualquer semestre “perdido”, de qualquer ano letivo que não foi completado. Se essa defesa significa que nossos planos de realização pessoal estão suspensos, então suspenderemos nossas formaturas, estágios, e tudo aquilo que for necessário para que possamos nos voltar para uma causa muito maior que nós, debruçar sobre as crises e dar saídas que não sejam a morte de milhões.
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