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Opinião

Por que devemos lutar pelo adiamento do ENEM?

Por Beatriz Costa, redação do Universidade à Esquerda
19 de maio, 2020 Atualizado: 12:52

O ENEM é a principal forma de acesso ao ensino superior no Brasil e uma ocasião muito importante na vida de milhões de estudantes. A nota obtida no exame pode ser usada em diversos programas como Sistema de Seleção Unificado (SiSU), Programa Universidade para Todos (ProUni) e como parte da nota de vestibulares. Um momento como esse exige uma preparação adequada. O que já era difícil para parte dos estudantes, agravou-se devido a pandemia de Covid-19.

Hoje as aulas presenciais nas redes estaduais de ensino estão interrompidas, afetando 87,5% dos estudantes de ensino médio no Brasil. Desse total, 6,5 milhões não tem sequer acesso à internet. De fato, são muitos os fatores que podem impedir a preparação adequada para a prova do ENEM agora que as escolas estão fechadas. Dificuldade de acesso à internet, falta de um espaço adequado para estudo em casa, falta de tempo por ter que cuidar de crianças, idosos e doentes, falta de condições psicológicas devido à perda ou incerteza de renda.

Além do fato de muitos estudantes não estarem tendo aula ou meios adequados para se prepararem para a prova, não temos nenhuma garantia de que a crise sanitária causada pelo Corona vírus terá acabado em novembro, quando as provas serão aplicadas.

Camilo Mussi, presidente substituto do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), órgão ligado ao Ministério da Educação e responsável pela produção da prova, afirmou que não há plano de contingência para o ENEM, caso a pandemia se estenda até novembro de 2020. Também disse que não há qualquer possibilidade de a prova ser cancelada.

O ENEM 2019 teve mais de 5 milhões de inscritos, dos quais 3,9 milhões realizaram a prova. Além dos candidatos, mais de 340 mil pessoas se envolveram na aplicação das provas. São muitas pessoas se deslocando entre cidades, se aglomerando em salas de aula fechadas por horas, com uma distância muito pequena para conter a propagação da Covid-19.

Mesmo a versão digital da prova, que será realizada em formato piloto esse ano, causará aglomerações, já que as provas não poderão ser realizadas em computadores particulares, mas em locais autorizados pelo Inep. Então seja na prova impressa ou digital, candidatos e fiscais passarão horas juntos em ambientes fechados, situação propícia para a contaminação do vírus.

O negacionismo intrínseco ao governo Bolsonaro é tanto que uma pandemia que já matou mais de 16 mil pessoas somente no Brasil é ignorada na programação da maior prova do país. Para não dizer que o edital do exame ignora completamente a Covid-19, o documento faz menção à doença, incluindo-a na lista de moléstias infectocontagiosas que permitem a eventuais doentes a reaplicação do exame em outra data. Está ao lado da coqueluche, difteria, poliomielite por poliovírus selvagem, sarampo, rubéola, varicela, doença invasiva por Haemophilus, influenza, varíola, influenza humana A e B, doença meningocócica e outras meningites.

Para ter direito a realização do exame em outra data, é necessário que o estudante prove que está com a doença antes da realização da prova, o que não é acessível a todos devido à escassez de testes no Brasil. Além disso, algumas pessoas podem estar contaminadas e assintomáticas, transmitindo a doença para o restante da sala.

Mesmo com esses e outros motivos para o adiamento da prova, o ministro da Educação Abraham Weintraub afirmou que o Enem “não é feito para atender injustiças sociais e, sim, para selecionar os melhores candidatos”. Ou seja, para Weintraub não importa se os estudantes mais pobres terão condição de concorrer com aqueles que possuem estrutura para estudo, acesso à internet, livros, que são uma pequena parcela dos estudantes brasileiros.

Para grande parte da nossa sociedade, as universidades públicas ainda representam uma possibilidade de mobilidade social, embora seja somente para uma pequena parcela de jovens.

O governo Bolsonaro quer destruir a educação pública, ou ao menos destruir o que ela representa para as pessoas, tornando por diversas formas o ensino superior inacessível à classe trabalhadora.

A proposição do programa Future-se era uma forma de se aproximar desse objetivo, e depois de intensas mobilizações, o programa está parado e não se sabe se o governo terá força política para implementá-lo.

Considerando tudo que tem acontecido em 2020, a manutenção do calendário do ENEM é outra forma de diminuir o acesso ao ensino superior. Assim como no caso do Future-se, já está tomando forma uma grande campanha contrária. Talvez tudo que possamos fazer agora é nos mobilizar por essas pequenas vitórias.

*Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e podem não refletir a opinião do jornal.

Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.


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