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Por que lutar pelo Fora Bolsonaro e pela pesquisa brasileira?
Confira como foi o evento organizado pela APG-UFSC
A Associação de Pós-Graduandos da UFSC (APG-UFSC) organizou na semana passada, em 06/07, o evento “Por que lutar pelo Fora Bolsonaro e pela pesquisa brasileira?”, com Allan Kenji e Artur Gomes. O evento foi deliberado pelo movimento de luta por bolsas com intuito de aprofundar o debate sobre os cortes orçamentários e mobilizar os demais setores da comunidade universitária. Em um primeiro momento, os debatedores apresentaram os principais pontos envolvidos na formação de pesquisadores e na estrutura orçamentária das universidades públicas. Em seguida, o público participou por meio de perguntas realizadas no chat da transmissão. O profundo debate contribuiu para o aprofundamento do debate que tem sido pautado pela APG-UFSC.
Na abertura do evento, a representante da APG-UFSC, Ana Zandoná, contextualizou a organização do evento, apontando que a entidade vem se organizando junto à base para enfrentar os cortes nas pesquisas desde o final do ano passado. De lá até esse momento, foram realizadas diversas reuniões ampliadas, levantamento de dados e intervenções na UFSC. Segundo ela, o evento teria como papel pensar o sentido das lutas na pós-graduação. Além disso, cita que atualmente a entidade vem enfrentando ofensivas no interior da própria instituição, no órgão do Conselho Universitário, com a possibilidade de aprovação de duas resoluções normativas que alteram o sentido da pós-graduação. Confira o texto que o UFSC à Esquerda elaborou analisando estas normativas.
Por fim, a estudante cita que infelizmente o evento não pôde contar com a participação de intérpretes de libras, visto que não haviam pessoas disponíveis nos órgãos da universidade e que não foi possível obter uma interpretação voluntária.
A primeira parte do debate contou com a exposição do Artur Gomes (UFRJ), que iniciou apontando que há inúmeras razões para pautar o Fora Bolsonaro e que o princípio organizador do debate, tendo em vista a gravidade da pandemia no Brasil, deve ser “a vida acima do lucro”. De maneira geral, a exposição do Artur trouxe elementos importantíssimos para a reflexão sobre o horizonte do ensino superior no país tendo em vista a expansão das matrículas no ensino superior e a apresentação do Reuni Digital.
Em primeiro lugar, o pesquisador aponta para os dados e sentidos do crescimento na formação de mestres e doutores no país. Hoje, apesar do crescimento de matrículas em instituições privadas, esta formação ainda se dá majoritariamente em instituições públicas. Mestres e doutores trabalham sobretudo na área da educação pública, desenvolvendo pesquisas nas universidades. Um dado que chama a atenção é que a indústria de transformação – tipo de indústria que transforma matéria-prima em um produto final ou intermediário para outra indústria – absorve pouca mão-de-obra deste contingente. Segundo Artur, este é um importante dado para confrontar as teses do empreendedorismo.
Além disso, o pesquisador aponta que o crescimento exponencial das matrículas nas instituições privadas dá-se sem o crescimento proporcional de professores. Na prática, essa expansão ocorre, portanto, às custas da precarização do ensino e destituição do trabalho docente.
Este projeto não é novidade. Conforme ilustrado, na apresentação na proposta apresentada na campanha presidencial Bolsonaro, três eram os pilares do que se pode chamar de projeto educacional do governo: empreendedorismo, combate à doutrinação e estímulo à educação a distância. Durante a pandemia, o Ministério da Educação (MEC), emitiu um relatório afirmando a necessidade de expandir a Educação a Distância (EaD). Este projeto foi sintetizado no projeto do Reuni Digital.
Em linhas gerais, este “novo Reuni” recupera a péssima experiência do Reuni – dada a ausência de verbas para sustentar a expansão das universidades federais – e soma a este os efeitos deletérios do EaD. O projeto prevê a possibilidade de inserção de tecnologias para mediar o processo de aprendizagem, eliminando essa atribuição do professor. Além disso, 100% dos estágios de docência para os cursos de licenciatura poderão ser ofertados no modelo EaD, adequando os futuros professores a essa proposta ideológica. Além disso, há a possibilidade de que os tutores – cargo que seria ocupado por alunos da pós-graduação – exerçam parcialmente a função docente sem serem pagos. Soma-se a isso há uma proposta de eliminar a diferenciação entre os cursos presenciais e a distância, como se ambos fossem incorporados naturalmente como “Ensino Superior”.
Já o pesquisador Allan Kenji (GIPE-MARX) reuniu os argumentos para evidenciar que a convivência do setor privado e do público no campo educacional não se dá de forma pacífica. Pelo contrário, há uma disputa severa pelos recursos do fundo público. Para sustentar esse argumento, Kenji recuperou o desenvolvimento do setor privado da educação superior, salientando o papel do Estado na facilitação e financiamento dessa expansão.
Inicialmente, Allan argumentou que o Fora Bolsonaro exigiria poucas explicações dada a gravidade da conjuntura. Haveria, segundo ele, uma continuidade do golpe de 2016 e das reformas decorrentes que objetivam, em última instância, ajustar as condições de vida dos trabalhadores a um padrão de acumulação de um país extremamente dominado no mercado mundial. Bolsonaro e as frações de capitalistas que o sustentam têm um projeto para as universidades que apresentaria uma formação em conformidade com este padrão. Seus pilares, segundo o pesquisador, seriam o da exclusão da ciência e tecnologia dos debates sociais, do impedimento da crítica social como elemento importante da vida social e, ainda, o da não incorporação da mão-de-obra formada nas universidades como parte da indústria. Tal padrão visaria, segundo ele, intensificar as relações de dependência.
O pesquisador destaca três eixos de ataques do bolsonarismo para as instituições de ensino superior, em especial as universidades. Em primeiro, o enfrentamento autocrático e desmoralizador às instituições. Em segundo, o negacionismo que se relaciona com esse ajustamento almejado pelas classes dominantes, em uma tentativa de remover os setores e as capacidades críticas dessas instituições. Por fim, os cortes orçamentários que apontam para a reestruturação completa das universidades. A fala de Allan debruçou-se sobretudo neste último aspecto.
No tocante ao orçamento repassado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), os dados apresentados apontam para cortes progressivos iniciados desde 2014. O dado é ainda mais impactante se levarmos em conta o fato de que houve uma expansão dos programas de pós-graduação nos últimos anos. O resultado é a destruição da infraestrutura de pesquisa criada nas últimas décadas.
Tal como a CAPES, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Cnpq) também sofreu cortes desde 2014. Segundo Kenji, a expansão da pós no Brasil não contou com financiamento suficiente para garantir uma infraestrutura consistente. Atualmente, menos de 25% dos estudantes contam com bolsas de financiamento CAPES. O marco da Emenda Constitucional (EC) 95 impactou diretamente no financiamento das pesquisas, já que desde 2015, os cortes vêm ocorrendo com maior intensidade.
Além da diminuição dos repasses dos últimos anos, o pesquisador cita que as mudanças nos critérios de concessão têm gerado uma reconcentração das bolsas nas principais entidades financiadoras, sobretudo a CAPES. Essa questão é sensível para a disputa dos conteúdos das pesquisas, já que essas entidades acabam tendo maior capacidade de direcionar quais áreas devem ser financiadas.
Ademais dos impactos no financiamento às pesquisas, os cortes orçamentários das universidades federais têm apresentado um cenário de urgência para aqueles que buscam defender essas instituições. Segundo os dados apresentados pelo pesquisador, os cortes no orçamento corrente têm sido sucessivos. Atualmente, seria necessário no mínimo o dobro de recursos para garantir o funcionamento dessas instituições. Já no orçamento de capital, a situação é ainda pior. Desde 2013 vêm ocorrendo diminuição de recursos. A EC 95 aprofundou este projeto em curso.
Em relação ao Governo Bolsonaro em específico, há uma intensificação não apenas dos cortes, mas também das ofensivas no campo da produção da crítica.
Após apresentar o cenário atual, Allan buscou resgatar os fundamentos da relação entre o Estado e a iniciativa privada no campo da educação. Segundo o pesquisador, nesta mediação reside grande parte da explicação para a situação na qual nos encontramos.
Desde a ditadura empresarial-militar, as privadas recebem maiores investimentos. Diversos marcos legais do estado e políticas públicas garantiram tal condição. O argumento desenvolvido pelo pesquisador é de que a condição na qual se encontram as universidades hoje é resultado de um projeto de Estado, consistente desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), e não de Governo. Por isso, tirar apenas Bolsonaro do poder não seria suficiente para fazer frente aos ataques aos quais as universidades vêm sendo submetidas.
O argumento central da tese desenvolvida por Allan, conforme adiantamos, é de que as instituições particulares não coexistem pacificamente com as instituições públicas. Isso porque as transferências de fundo público ocorrem em concorrência entre ambas. Alguns marcos legais que explicitam essa dinâmica foram levantados.
Em primeiro lugar, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9394/1996), baseada nos princípios da Constituição Federal de 1988, organizou as instituições particulares de educação em instituições lucrativas e Sociedades Anônimas. Isso permitiu a elas a negociação de ações na bolsa e de ativos em mercados privados. O resultado é que hoje essas instituições são dominadas por bancos e fundos de investimentos.
Em seguida, na virada do século, surge o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), que destinava recursos do tesouro nacional para o financiamento dos empréstimos dos estudantes em instituições particulares de ensino. O mecanismo do FIES consistia na emissão de certificados da dívida pública nas mãos das mantenedoras em troca dos financiamentos. Esse processo sustentava uma rentabilização segura às mantenedoras, visto que a garantia do pagamento do título era assegurada pelo Estado. Essa política atraiu diversos fundos de investimento para este setor, justamente pela seguridade, gerando um acúmulo de capitais financeiros no campo da educação e ensino. A operação nestes mercados passou a ser cada vez mais vantajosa para bancos e fundos de investimentos, dando origem aos processos de fusão e aquisição de instituições do ensino superior.
Além do FIES, Allan cita também o Programa Universidade para Todos (PROUNI) como uma política de transferência de fundo público pela via da substituição do pagamento de tributos pelas instituições particulares através de bolsas para estudantes. Outro mecanismo citado é o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (PROIES), que permitiu a moratória e substituição das dívidas das instituições privadas com a União por bolsas ligadas ao PROUNI.
Todas essas políticas públicas instituídas por todos os governos da Nova República resultaram em uma concentração e centralização de capitais sem paralelos no mundo. Essa concentração passa a encontrar limites relativos em 2014. Por isso, entre este período e o ano de 2016 há uma reorganização dos capitais para contornar esta superprodução.
Hoje, a concentração é tão grande que apenas o grupo Kroton detém o dobro das matrículas da Estácio de Sá, que é o segundo maior conglomerado em termos de matrículas. Em comparação com as instituições públicas, os cinco maiores capitais de ensino ligados às privadas detém mais matrículas do que todas as instituições de ensino público no Brasil nos âmbitos municipal, estadual e federal.
Essa política de reorganização dos capitais tem tido como alvo diversos campos. As tecnologias educacionais, por exemplo, são um campo que atualmente os capitais buscam inserção, por meio da expansão do EaD e do Ensino Híbrido. Na pós-graduação há uma expansão das matrículas nas instituições privadas.
Os cortes nas universidades públicas expostos inicialmente na fala do pesquisador, vêm, desta forma, acompanhados de investimentos públicos na expansão de tecnologias educacionais e na expansão das instituições privadas. Com isso, fica evidente um projeto de reajuste completo do sentido das universidades públicas no Brasil.
Allan finaliza sua exposição enfatizando que é fundamental forçar a queda de Bolsonaro como forma de defesa das universidades públicas. Contudo, por se tratar de um projeto de longa data, é necessário construir uma luta para além do Fora Bolsonaro, como pautando a revogação da EC 95 e todos os fardos legais carregados pelas universidades e que impedem o livre exercício de sua autonomia.
Ao final, o público realizou algumas perguntas que retomaram, em linhas gerais, os elementos apresentados pelos pesquisadores.
Esta exposição traz, com um debate denso e complexo à altura desta conjuntura extremamente dura, qual deve ser o sentido das lutas hoje na universidade. Por se tratar de um projeto extremamente agressivo, ligado a grandes capitais de ensino, as lutas a serem construídas precisarão enfrentar-se com essa ofensiva que ocorre há décadas. É fundamental compreender a magnitude do inimigo para que sejamos maiores ainda!