Notícia
PL 529/20: projeto privatista de Doria ataca patrimônio público
Doria ataca servidores, universidades e órgãos públicos, transfere bens comuns aos empresários
O governador do Estado de São Paulo, João Dória (PSDB), pôs em marcha um ataque duríssimo ao patrimônio público com o Projeto de Lei 529/2020. O PL 529/20 foi encaminhado à Assembleia Legislativa do estado em 12 de agosto prevendo a extinção de órgãos, entidades e fundos públicos, a privatização de patrimônio público, um confisco orçamentário de órgãos e autarquias (em especial às universidades estaduais e a fundação de amparo à pesquisa do estado), um plano de demissões, dentre outras medidas.
O projeto apresentado por Doria foi formulado por seus secretários Henrique Meirelles (Fazenda) e Mauro Ricardo Machado Costa (Projetos, orçamento e gestão). O governo busca justificar o ataque com os gastos realizados na pandemia. O argumento utilizado é o de que às despesas para contenção da pandemia de COVID-19 deixarão um déficit fiscal de R$ 10,8 bilhões para o ano de 2021.
Com isso, medidas de “ajuste fiscal e equilíbrio orçamentário” seriam necessárias. No entanto, as privatizações e ataque ao setor pública já eram a linha política de Dória. A pandemia parece ter oportunizado sua implementação com mais celeridade e intensidade.
Para os sindicatos de professores e técnicos das estaduais paulistas reunidos no Fórum das Seis, a justificativa não se sustenta. Eles denunciam que o déficit que o governo aponta como déficit é menos que a metade das renúncias fiscais praticadas pelo estado em 2019. No ano passado, as isenções às empresas teriam somado R$24,33 bilhões de acordo com um levantamento realizado pelo ministério público estadual.
Os trabalhadores tem preparado manifestações contrárias ao projeto. Na quarta-feira, 26/08, uma paralisação das atividades remotas está sendo chamada e pode ter adesão do conjunto dos servidores. Durante a paralisação, às 13 horas, uma carreata deve ocorrer no entorno da Assembleia Legislativa do estado.
Confira o conjunto dos ataques:
Extinção de órgãos, entidades e fundos públicos
Se aprovado o projeto de lei 529 serão extintos 10 órgãos públicos. A saúde, a seguridade social e a pesquisa serão largamente afetadas.
O PL prevê a extinção imediata dos seguintes órgãos:
Superintendência de Controle de Endemias (SUCEN) |
Instituto de Medicina Social e de Criminologia (IMESC) |
Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP) |
Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva” (ITESP) |
E também autoriza o executivo a extinguir mais 5 entidades:
Fundação Parque Zoológico de São Paulo |
Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima” (FURP) |
Fundação Oncocentro de São Paulo |
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo (CDHU) |
Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU/SP) |
Assim atividades importantes para o conjunto dos trabalhadores do estado podem ser interrompidas. E ainda ficará permitido a alienação do patrimônio público utilizado por estes órgãos, ou seja sua venda a terceiros.
O governo ficará também autorizado a encerrar ou assumir os contratos administrativos e de trabalho que esses órgãos tinham. Ou seja, muitos trabalhadores estão ameaçados de demissão. E ainda extingue os cargos públicos daqueles que forem absorvidos por outros órgãos.
O projeto ainda prevê a extinção do Instituto Florestal. Transferindo suas atividades de pesquisa aos Instituto de Botânica e Geológico que serão unificados em uma unidade administrativa.
Outra medida do PL extingue 14 fundos estaduais. São eles:
Fundo Especial de Despesa – Conjunto Hospitalar de Sorocaba |
Fundo Especial de Despesa – Hospital Santa Tereza de Ribeirão Preto |
Fundo Especial de Despesa – Centro de Atenção Psiquiátrico “Arquiteto Januário José Exemplari” |
Fundo Especial de Despesa – Centro de Atenção Integral à Saúde de Santa Rita do Passa Quatro |
Fundo Especial de Despesa do Centro Atenção Integral Saúde “Clemente Ferreira” |
Fundo Especial de Despesa – Centro de Atenção Integral Saúde Mental “Philippe Pinel” |
Fundo Especial de Despesa – Coordenadoria de Operações, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Econômico |
Fundo Especial de Despesa – Departamento de Administração da Secretaria de Cultura |
Fundo Especial de Custeio de Perícias |
Fundo Especial de Despesa – Gabinete do Secretário de Desenvolvimento Social |
Fundo Especial de Despesa – Gabinete do Secretário de Esportes |
Fundo Especial de Despesa – Gabinete do Secretário (antigo Turismo) |
Fundo Estadual de Incentivo ao Desenvolvimento Social |
Fundo Estadual de Incentivo ao Desenvolvimento Econômico |
A medida liberará o volume de recursos disponíveis nos fundo ao estado. E também desvinculará às receitas que eram destinadas a eles.
Alienação de imóveis e concessão de serviços e uso de áreas
Os ataques continuam sobre o patrimônio público com a permissão para alienação de imóveis do estado, e para a concessão para os capitais explorarem os serviços ou uso de áreas públicas.
O PL permite que o executivo conceda ao empresariado a exploração de serviços e/ou uso total e parcial de áreas públicas. São 9 áreas listadas:
Parque Villa Lobos | 723.675,45 m² |
Parque Candido Portinari | 121.667 m² |
Parque Fernando Costa – Água Branca | 136.765 m² |
Parque Estadual do Belém Manoel Pitta | 210.000 m² |
Parque Estadual Chácara da Baronesa | 340.990 m² |
Parque da Juventude, Dom Paulo Evaristo Arns | 214.008 m² |
Parque Ecológico do Guarapiranga | 3.300.000,00 m² |
Complexo Olímpico da Água Branca (Conjunto Desportivo Baby Barioni) | 23.243m² |
Casarão de Melo Franco | 2.000 m² |
Tabela: Áreas abertas a concessão pelo PL 529/20
O projeto permite a concessão por até 35 anos. E também a exploração ou uso de áreas estaduais contíguas às indicadas.
Além disso amplia as permissões para o executivo realizar a alienação de bens imóveis, bem como facilita o processo de venda. Ou seja, facilita a venda de imóveis que compõem patrimônio público.
Orçamento das autarquias e fundações
O projeto, em seu artigo 14º, prevê o confisco de todo sueperávit financeiro de autarquias e fundações. Isto afetará um série de órgãos inclusive às universidades estaduais paulistas e às fundações de pesquisa. A transferência do orçamento se daria segundo o projeto para o pagamento de aposentadorias e pensões do Regime Próprio de Previdência do Estado.
Também destina os sueperávits dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como do próprio Executivo, estaduais para a previdência dos servidores do estado. E ainda, permite que as receitas arrecadas por fundos de despesa, de financiamento e de investimento do estado sejam destinadas ao mesmo fim.
A Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Campinas (Unicamp), a Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) terão às receitas duramente afetadas. Há estimativas de que mais de R$1 bilhão serão recolhidos das três universidades e da fundação, a USP perderia cerca de R$480 milhões e a FAPESP R$580 milhões.
A medida fez com que o conservador Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP) viesse a público. Os reitores afirmam que os recursos compõem reserva financeira para as instituições que tem perdido recursos ao longo dos últimos anos. E se posicionam pela supressão do artigo, embora não comentem mais nenhuma medida do projeto de lei.
O conselho superior da FAPESP também se pronunciou criticando a medida. Afirmam que a aprovação terá implicações em compromissos assumidos pela fundação e pode paralisar pesquisas em andamento. As reservas orçamentárias permitem que a fundação possa financiar projetos de prazo mais longo.
Os sindicatos de trabalhadores, docentes e técnicos, das universidades se posicionaram contra o projeto de lei como um todo. Para eles Doria tenta “passar a boiada” em meio a grave crise. Consideram o conjunto das medidas catastróficas e aprofundam às privatizações.
Os sindicatos denunciam também que o orçamento das instituições já tem sido estrangulado pela diminuição da arrecadação do estado com a crise e às renúncias fiscais. O financiamento das universidades é composto por 9,57% da cota-parte do estado com o recolhimento do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Com isso, as renúncias impactam diretamente no orçamento da instituições.
IPVA/ICMS/Transação de Créditos/Securitização de recebíveis
O PL faz também modificações de ordem tributária e financeira no estado. As medidas permitem maior liberdade ao executivo em relação às renúncias fiscais e para negociação de títulos de dívida.
A reforma de Dória restringe a isenção do imposto sobre a propriedade de veículo automotor (IPVA) de pessoas com deficiência. E permite ainda que o executivo renove os benefícios fiscais com o ICMS; E também dá a Procuradoria Geral do Estado a autoridade para celebrar a transação de créditos para resolução de litígios de natureza tributária ou não tributária inscritos na dívida ativa do estado.
Outra medida dá maior liberdade ao executivo, e em especial a secretaria da fazenda de Meirelles para negociar títulos da dívida. O PL permite a flexibilização das normas que autorizam o executivo a emitir títulos cedendo crédito para Companhia Paulista de Securitização – CPSEC, à Companhia Paulista de Parcerias – CPP ou a fundo de investimento. O PL altera a lei estadual que previa que os créditos emitidos com esse destino deveriam ser originados de créditos tributários ou não tributários relacionados ao ICMS, IPVA, ITCMD, à taxas de qualquer origem, às multas administrativas de natureza não tributária, às multas contratuais, aos ressarcimentos e às restituições e indenizações. Com aprovação do projeto os créditos podem ser emitidos sem nenhuma previsão de origem.
Com isso permite também que o executivo possa constituir sociedades de propósito específico vinculada à Secretaria da Fazenda e Planejamento, para operar emissão e distribuição de valores mobiliários e formas de obtenção de recursos junto ao mercado de capitais sem que seja estas sejam lastreadas nos créditos frutos das fontes citadas anteriormente. A modificação principal aqui parece ser a de que anteriormente a autorização para negociar títulos de dívida deveriam estar “lastreadas” naquilo que o executivo tinha a receber nos casos mencionados. Agora o executivo está autorizado a fazer esse tipo de operação sem qualquer previsão de dívidas que tinha a receber.
Mais ataques aos servidores públicos
O projeto de Dória, Meirelles e Matos faz também um ataque direto aos servidores públicos. Com a aprovação do PL haverá aumento das alíquotas que incidem sobre o salário dos servidores para pagamento do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe) e um plano de demissões incentivadas (PDI) de largo alcance.
As alíquotas subirão para os servidores e para seus beneficiários (dependentes) e agregados. Os sindicatos denunciam que o estado nunca se responsabilizou pelo financiamento do Iamspe, e não oferece nenhuma contrapartida ao que pagam os servidores.
Além disso permite o executivo manter um PDI permanente com foco em servidores celetistas que tem idade para se aposentar, e que estejam ou não aposentados pelo Regime Geral de Previdência (INSS) mas continuam a desempenhar suas funções públicas.
De acordo com o projeto esse seria o caso de 5.660 trabalhadores.
Doria, Meirelles e Matos argumentam que esses trabalhadores desempenham suas funções com dificuldades e sem interesse o que desestimularia os demais servidores públicos e apenas não se desligam em função de dificuldades financeiras. Assim, a indenização do PDI seria uma solução conveniente.
Os sindicatos entendem a justificativa como um grande desrespeito aos trabalhadores de grande experiência, cujo desligamento representaria perdas para os serviços. Entendem também que às demissões podem abrir o campo para terceirizações e a entrada de organizações sociais (OSs) em setores como a saúde.
João Dória (PSDB) e Henrique Meirelles com o Ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes
O teor privatizante do projeto é escancarado. Um ataque direto ao patrimônio público, os bens comuns constituídos com o suor dos trabalhadores do estado. Parece abrir margem para que o estado transfira recursos para os capitais, tanto pela formação de dívidas, pelas renúncias fiscais como pela abertura de espaços de valorização com às concessões e privatizações abertas.