É possível que o Brasil enfrente uma crise hídrica em um período curto de tempo, o que pode levar a um racionamento no consumo de energia. A projeção parte da análise dos reservatórios do subsistema que concentra 70% da geração hídrica do país.
Mesmo com essa perspectiva, o Governo Federal e o Congresso Nacional não deram nenhum sinal de que freariam o processo de privatização da Eletrobras.
A estatal representa 30% da geração de energia e quase 50% da transmissão. Segundo Renato Queiroz, engenheiro e professor do Grupo de Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o processo de privatização deve levar a uma redução na capacidade da empresa.
Com o processo de privatização, a estatal tende a perder capacidade técnica do conjunto de empresas que formam a Eletrobras. Nesse tramite, a empresa começa a dar incentivos de aposentadorias, o que reduz o quadro de pessoal qualificado e, por consequência, reduz a capacitação técnica.
De outro lado, durante um processo de privatização, a estatal reduz sua capacidade de investimento a fim de reduzir contratos, empréstimos e endividamentos, que poderiam ser usados para aplicar em obras, como na construção de novas hidroelétricas. Segundo Queiroz, a estratégia tende a ser de reduz os investimentos.
Na crise hídrica de 2001, no governo Fernando Henrique Cardoso, o processo de privatização foi paralisado e a estatal foi utilizada para reduzir os impactos da crise naquele ano.
A tentativa de privatizar a companhia retorna na esteira de massivas privatizações do governo Bolsonaro com um agravante de possível crise hídrica. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), nesta segunda-feira (31), os reservatórios (localizados no centro-oeste e sudeste) estavam com 32,2% de água, 0,3% abaixo do volume de cinco dias atrás — uma redução sensível. Há um ano, o armazenamento estava em 55%.
Esse baixo nível marca a maior estiagem dos últimos 91 anos. Para Queiroz, que também atua no conselho do Instituto Ilumina, o cenário resulta não só da falta de chuvas, mas também da ausência de um planejamento nacional mais adequado para gerenciar esse problema a longo prazo.
O Congresso tem mais 18 dias para tratar da Medida Provisória que autoriza a privatização da Eletrobras. Ainda não houve uma sinalização entre as frações dominantes se se deve frear o processo. Ao contrário, as indicações do governo e do Senado é que a tramitação deve seguir (inclusive o mais rápido possível). O prazo máximo para tramitar a MP é até o dia 22 de junho.
Nesta terça-feira (1º), o senador Marco Rogério (DEM-RO), vice-líder do governo no Congresso, assumiu a relatoria da MP da privatização.
Nesta sexta-feira (4), João Santana, ex-ministro da Infraestrutura no governo Collor, defendeu o processo de privatização da estatal. Segundo Santana, busca-se neste momento capitalizar a empresa, isto é, possibilitar a venda de parte das ações da companhia.
Segundo entidades sindicais da Eletrobras, contrárias ao projeto, a privatização deve gerar um impacto de R$ 23,3 bilhões para os consumidores residenciais e R$ 17,9 para os grandes consumidores (como indústria e shoppings).
Segundo as entidades, a obrigatoriedade de contratar 6 gigawatts (GW) de energia de termelétricas movidas a gás natural deve gerar um custo de R$ 39,2 bilhões na conta de luz dos consumidores, para construir gasodutos onde não há o suprimento.
Com a crise hídrica, o papel estratégico da Eletrobras se destaca sobretudo no crescimento econômico. Segundo técnicos do Ministério da Economia, o risco de desabastecimento de energia ameaça derrubar em até 1 ponto percentual o ritmo da retomada.