No sábado, dia 08, o Brasil atingiu a marca de 100.000 mortes por Coronavírus. Os índices de mortes ultrapassam mil pessoas diariamente há cerca de dois meses e não há indícios de que este número possa ter uma queda em breve.
O sujeito que ocupa o cargo da presidência no Brasil, corroborando suas posturas anteriores de descaso com relação aos vitimados pela pandemia, só consegue afirmar que a vida segue. Sua única política para enfrentamento da devastação sanitária é o estímulo ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada, como hidroxicloroquina e ivermectina, seguido por algumas prefeituras que vão até além, como o caso do prefeito de Itajaí (SC) que chegou ao cúmulo de propor ozonioterapia para o tratamento da doença. Mas Bolsonaro e seus seguidores não são os únicos a empurrar a população para a morte e subestimar os significados e riscos de vida envolvidos na pandemia.
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Diante da inevitabilidade dos efeitos deletérios da crise e da demanda por retomada econômica por parte dos capitais, a mídia burguesa e setores liberais mais comportados, que em um primeiro momento podem ter parecido mais cautelosos com relação às vidas envolvidas, também contribuíram com as pressões por uma retomada econômica precipitada, sem nenhum sinal de retrocesso por parte do vírus.
O caso de Santa Catarina é exemplar. O estado obtinha um dos menores índices de transmissão e vitimados pelo vírus no país. Amplos setores empresariais, com a colaboração da mídia burguesa local, pressionaram para retomar o “novo normal”, com a liberação mais ampla do comércio e setores de serviços e do retorno do transporte público. Após a volta do transporte, os números de contaminação e morte no estado aumentaram exponencialmente.
A pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) confirma que essa relação é ainda mais cruel do que pareceria em um primeiro momento. As mortes por Covid-19 têm maior relação justamente com os trabalhadores autônomos, as donas de casa (que possivelmente podem acabar se contaminando por seus familiares que foram forçados a se expor ao vírus) e os usuários de transporte público.
Agora a empreitada pelo retorno às aulas presenciais na educação básica é emplacada pelos governos dos estados e pela grande mídia. Enquanto há governos que pretendem até mesmo acionar polícias e conselhos tutelares para arrastar as crianças para o abatedouro, há os que agem de forma mais discreta, pautando um retorno “híbrido” entre presencial e remoto, ou mesmo se utilizando de desculpas com caras mais sociais, como recuperação dos estudantes que não conseguiram acompanhar remotamente.
Em nome de tal retorno forçado, vale até noticiar avanços em vacinas e realizar parcerias para compras de vacinas que ainda estão sendo desenvolvidas, de forma a fazer parecer que uma resolução para a pandemia virá em breve. No máximo, estão estimulando que a população consuma fórmulas placebo, um pouco mais aceitáveis que cloroquina, ou aceite servir para testagem em massa ignorando uma série de questões, entre elas, os efeitos secundários de vacinas recém desenvolvidas e o fato de que não se sabe por quanto tempo uma possível imunização terá capacidade de agir.
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Independente das ilusões que tentam nos vender para nos sentirmos mais seguros, nos próximos meses, inevitavelmente, as fotos de crianças estampando o grande número dos obituários dos vitimados pela COVID-19 irá aumentar.
Enquanto isso, vemos outro número aumentar em meio à pandemia: o patrimônio de 42 bilionários no país, para ser mais exato. Segundo pesquisa da Oxfam, a fortuna destes aumentou em U$$34 bilhões, aproximadamente R$176 bilhões, desde março. Nesses momentos, o debate que colocou em contraposição economia e vidas, no início da pandemia, vem mostrando a sua real face. Em nenhum momento o que estava em jogo de fato era uma oposição entre essas duas esferas da vida, mas efetivamente quais vidas se preservam e os recursos financeiros de quais setores da vida social se recuperam em meio à pandemia.
A questão verdadeira é que nos últimos anos estamos assistindo ao desmonte nas políticas de proteção e saúde dos trabalhadores em nome da preservação dos lucros dos grandes capitais. Hoje não há um programa efetivo, sequer, de resguardo da vida e recuperação econômica voltado para o conjunto da classe trabalhadora. E não há pretensão, nem condição de fazê-lo por parte de nenhuma força política significativa no país atualmente.
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Para superar o Coronavírus, precisamos além de derrotar a política de Bolsonaro, também enfrentar os interesses aos quais ele serve, e que nos momentos oportunos faz com que suspenda momentaneamente seus conflitos com as demais forças. Enquanto o número de mortes no país segue em ascensão, as reformas tributárias e administrativas vêm sendo negociadas como uma forma de onerar e dividir os trabalhadores, de pressioná-los ainda mais em um sentido contrário ao de uma resposta própria para o agravamento da crise.
Desde o início da pandemia, a naturalização da morte de nossos entes queridos vem nos sendo empurrada goela a baixo. A perda de nossos próximos, sem sequer termos direito ao luto. Enquanto uma agenda econômica de contrarreformas, que tiram ainda mais de nós, segue sendo tocada e agora é chamada de “novo normal”. Para combatermos essa realidade repugnante que nos é imposta pelo capitalismo, precisamos mostrar que nada há de natural ou normal em uma sociedade que não sente a morte de tantos, que manda crianças para o abate, em nome de continuar expropriando de trabalhadores para o lucro de poucos.
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