Crise brasileira deve se intensificar e desemprego explodir
Economistas avaliam ser este o cenário mesmo com as atuais medidas neoliberais
Por Flora Gomes, redação do Universidade à Esquerda
18 de junho, 2020 Atualizado: 20:41
Com o aprofundamento da crise econômica no Brasil, as projeções dos economistas de mercado começam a desenhar dados cada vez mais desesperadores para a classe trabalhadora. A tendência apresentada pelo Governo é de permitir cada vez maior flexibilização dos contratos de trabalho, reduzindo salários e demitindo trabalhadores. Mesmo com a adoção de medidas econômicas que visam atenuar a queda nas taxas de lucro durante a pandemia, o cenário aponta para baixo crescimento econômico e alto nível de desemprego.
Dados organizados pela LCA Consultores, empresa que presta consultoria de análise dos mercados, a partir das pesquisas realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apresentam taxas muito duras de desemprego para jovens de 14 a 25 anos. Os números, que já era preocupantes sobretudo desde 2014, quando começam a crescer até dobrar em 2018, poderão atingir níveis recordes nos próximos meses.
De acordo com os dados o desemprego deve crescer para 38,8% no terceiro trimestre deste ano e 27,7% no primeiro trimestre de 2021. Isso significaria quase 8 milhões de pessoas somente nessa faixa etária sem trabalho. Atualmente os números já são alarmantes: 5,5 milhões.
Cosmo Donato, autor dos cálculos fornecidos pela LCA, afirmou que a taxa de desemprego irá crescer em todas as faixas etárias nos próximos meses. Entretanto, os mais jovens deverão ser atingidos de forma mais acentuada, já que, tendo menor tempo de vínculo empregatício e menores salários, oferecem menor custo de demissão para os empresários.
A taxa de desemprego reflete, dentre outras coisas, a ausência de crescimento econômico sob os moldes adotado pelo Estado nas últimas décadas. Com a pandemia do novo coronavírus, a crise anunciada chegou um pouco mais cedo do que o esperado. Se nas primeiras semanas os analistas de mercado apresentavam perspectivas não tão pessimistas com a economia, a cada semana as projeções apontam projeções para um cenário mais deletério, sobretudo para os trabalhadores.
No início de maio, a mediana das projeções do mercado fornecidas no Relatório Focus do Banco Central (BC) para o Produto interno Bruto (PIB) brasileiro para 2020 era de -5,89%, valor maior do que a projeção anterior, -5,12%. Nesta semana, as projeções divulgadas pelo mesmo relatório são ainda mais agudas. O decréscimo previsto seria em torno de 6,51%.
Em conversa realizada entre Michael Roberts, economista inglês e o professor Adalmir Marquetti, da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), foram apresentados alguns apontamentos importantes de serem retomados acerca da Covid-19 e o decurso do capitalismo brasileiro. Os economistas resgataram importantes elementos para serem colocados no debate sobre o atual momento econômico e sanitário brasileiro.
Segundo Marquetti, ao menos desde 2013 a burguesia brasileira estaria pressionando o Estado para que o mercado de trabalho fosse ajustado às novas necessidades econômicas. Para isso seriam necessárias reformas laborais, já que, a Constituição Federal de 1988 teria garantido uma série de direitos sociais em uma amplitude que não corresponderia mais ao crescimento do PIB brasileiro.
Taxas de crescimento do PIB brasileiro (1948-2020), média móvel anual e de sete anos. Elaboração Adalmir Marquetti
O professor brasileiro de economia analisa o gráfico apresentando a crise da década de 1970 como um período de queda nunca mais recuperada pelo PIB brasileiro. Houve certa estabilização promovida por uma série de reformas na organização do Estado e economia. Entretanto, com a crise financeira mundial em 2008 e suas consequências para o Brasil, sobretudo após 2014, não foi possível assegurar níveis mínimos de PIB como antes. Segundo o economista, a queda dos lucros levou à crise da coalizão dos governos petistas que, durante certo período, puderam gozar de níveis econômicos que permitiriam ao mesmo tempo, assegurar proventos aos capitais e direitos sociais.
Michel Temer teria sido encarregado do Estado brasileiro, após o golpe de 2016, para levar a cabo reformas neoliberais no ritmo necessário para garantir as taxas de lucros, que no Brasil teriam sido reduzidas principalmente após 2014. Assim, ele engendrou uma série de medidas, como a Reforma Trabalhista em 2017, a abertura da venda do pré-sal para capital internacional e a limitação de investimentos em políticas sociais com a Emenda Constitucional 95. Para o professor, é na esteira dessas necessidades que Bolsonaro é eleito, tendo como objetivo aprofundar essas medidas.
O economista aponta que o problema que enfrentamos é que, além do caráter deletério da lógica dessas reformas, não estamos assistindo a uma recuperação econômica. Para ele, mesmo após a resolução da crise sanitária, o Brasil irá seguir com números baixíssimos de crescimento econômico. Uma série de medidas estão sendo tomadas para reduzir o impacto dos efeitos da crise sanitária nos mercados. O problema seria que o dinheiro investido não é suficiente para a recuperação econômica e, além disso, adiaria o retorno à “vida normal”.
Para Roberts, o Brasil seria expressão de um movimento global, uma vez que, desde a chamada “Era de ouro”, do período pós Segunda Guerra até a crise na década de 1970, o capitalismo não tem conseguido dar soluções para o crescimento econômico. Ele relembra a expectativa dos economistas de mercado com países “emergentes” como Brasil, África do Sul e Índia, que estariam em vias de tornarem-se países de capitalismo desenvolvido. Esse argumento provou-se uma falácia, já que o Brasil encontra-se com índices baixos de crescimento econômico e cada vez mais incapaz de ir ao encontro das necessidades da população.
Aldamir tenta apresentar três razões para o baixo crescimento no Brasil. Primeiro seriam as baixas taxas de lucro, “como em todos os lugares do mundo”, segundo Roberts. Somado a isso, a fuga de capital para o exterior, que girariam em torno de 2% do PIB. Um terceiro ponto de consenso seria um número cada vez maior de investimentos em capital financeiro, o que tornaria o setor produtivo à mercê das flutuações de mercado.
Roberts apresenta o papel do preço das commodities. No início do governo Lula tinham um preço elevado, já que a China atuaria comprando grandes quantidades, o que permitiu investimentos nas áreas sociais. Com a crise iniciada em 2008, o Partido dos Trabalhadores encontrou-se em uma encruzilhada que agudizou contradições já em curso, pois não teria meios para garantir recursos aos capitais e às políticas sociais.
Os elementos apresentados pelos economistas não resolvem a interpretação analítica dos dados sobre desemprego e aprofundamento da crise econômica no Brasil. Entretanto, são importantes para compreendê-los enquanto resultado de uma tendência histórica que tem se aprofundado e que, ao que tudo indica, não será solucionada pelo Estado ou pelos capitalistas.