Notícia
Comida parcelada: trabalhadores penam para pôr comida na mesa
Preço dos alimentos deve seguir aumentando. Crédito aparece como única forma de reprodução da vida
Durante o ano de 2020, os trabalhadores brasileiros sentiram o agravamento da crise como um soco no estômago. O preço dos principais alimentos da cesta básica – como proteínas e carboidratos – elevou-se drasticamente. Para o ano de 2021, a previsão é de um cenário ainda pior.
O Brasil sofre, desde o final de 2019, com a elevação do preço do dólar no mercado mundial, realidade que interfere no índice de inflação e no consequente aumento dos preços nos supermercados. Para o ano de 2021, a previsão é de que o dólar se mantenha acima de R$5,00.
Para além da questão inflacionária, com o aumento do dólar as exportações se tornam mais favoráveis para os capitais, tendo em vista que os produtos brasileiros passam a ser vendidos por um preço ainda mais baixo aos outros países, sobretudo Estados Unidos, países da Europa e da Ásia. Com isso, os principais setores da produção – aqueles que produzem grãos (soja, milho, feijão, arroz) e incidem diretamente na cesta básica (arroz, feijão, trigo) ou indiretamente (soja, milho) por serem a base da alimentação animal (bovina, suína, frango) – se voltam para o mercado externo em busca de maior lucro.
Em texto publicado neste jornal, A epidemia chega na mesa do jantar, Ana Júlia e Marcos Meira apontam que “a prioridade do lucro de exportações é tão evidente que no Brasil não existe nenhuma política séria de compra e estoque da produção de carboidratos, maior componente da alimentação nacional, ou de proteínas armazenáveis, seja em silos ou armazéns públicos. (…) Política que poderia permitir, mesmo nos marcos de uma sociedade capitalista, que o Estado acondicionase esses produtos estratégicos no momento em que os preços estão em baixa e os liberasse quando escassos e os preços se elevarem no mercado interno”.
Os autores ainda afirmam que, “se o Brasil fosse um país de verdade e tivesse um governo ao menos à altura do sapato de seu povo, a primeira medida de qualquer governo preocupado com os brasileiros seria a de sobretaxar as exportações de alimentos e os especuladores de câmbio.” O que está longe da realidade que enfrentamos hoje no país.
Mesmo que os números vindos do campo sejam de produção recorde, a maioria das famílias brasileiras continuará penando para colocar na mesa o mínimo necessário para sobreviver.
De acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos realizada pelo DIEESE, os preços do conjunto de alimentos básicos, necessários para as refeições de uma pessoa adulta durante um mês, aumentaram em 13 capitais apenas em janeiro de 2021. As maiores altas foram registradas em Florianópolis (5,82%), Belo Horizonte (4,17%) e Vitória (4,05%). Em São Paulo, capital onde a cesta apresentou o maior preço, o valor do conjunto de alimentos subiu 26,40% em 12 meses.
Com base na cesta básica mais cara que, em janeiro, foi a de São Paulo de acordo com DIEESE, “estima-se que o salário mínimo necessário foi equivalente a R$5.495,52, o que corresponde a 5 vezes o mínimo já reajustado, de R$1.100,00.”
O aumento dos preços dos alimentos, devido à política de exportação do país em momento de crise, ocorre ao mesmo tempo em que a taxa de desemprego está em 14% e em que enfrentamos o pior momento da crise sanitária no Brasil com o colapso dos serviços hospitalares. O auxílio emergencial, que serviu como subsídio para muitos trabalhadores durante parte da pandemia, permanece suspenso e, caso retorne, será em um valor entre R$200 e R$300. Sendo assim, a renda dos trabalhadores tende apenas a diminuir, enquanto o peso no bolso para sustentar a família fica cada vez maior em um cenário de calamidade.
A esperança de que preços de produtos fundamentais – como arroz, feijão, óleo, carne, entre outros – retornem aos patamares tradicionais não se concretizará. Pelo contrário, haverá ainda o aumento de outros produtos como o café, o qual já possui saca negociada a R$740, e açúcar, que já aumentou em 15 cidades devido à entressafra e pressão das usinas para segurar a cotação.
O endividamento como única forma de reprodução da vida
A miséria da classe trabalhadora, para além de expressa na necessidade de ter reduzido seus hábitos de consumo e cortado parte de sua alimentação, agora fica mais escancarada quando esta passa a se endividar para comer.
De acordo com matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo, a rede de supermercados Extra, uma das maiores do país, já registrou alta no uso de parcelamento para as compras em seus supermercados. A empresa chegou a lançar uma campanha para parcelamento de alimentos para “aumentar o poder de compra de seus clientes”, de forma que a comida possa ser parcelada em três vezes sem juros no cartão do mercado.
Em um país marcado por condições em que os trabalhadores recebem menos do que o mínimo necessário para repor suas forças e as de sua família, a utilização do crédito aparece como única forma de reprodução de suas condições de vida.
Enquanto a classe trabalhadora não virar o jogo e continuar a mercê da política adotada pelos grandes capitais – de dar prioridade, em momentos de crise, aos lucros de exportações -, continuará com os carrinhos vazios e com as faturas do cartão de crédito no limite.