Notícia
Colegiado pleno do programa em Educação da UFSC publica manifesto contra o ensino híbrido na pós
Publicado originalmente em UFSC à Esquerda
O colegiado pleno do Programa de Pós-Graduação em Educação discutiu a proposta de Resolução Normativa que tramita na Câmara de Pós-Graduação (CPF), a qual pretende institucionalizar as atividades não presenciais nos programas de PG presenciais, ou seja, o ensino híbrido. O colegiado ocorreu no último dia 26 de julho e, além de votar contrário a proposta de RN, encaminhou-se um manifesto com os elementos que foram discutidos pelos pesquisadores da área de educação ao discutirem a proposta. Leia o manifesto na íntegra ao final desta notícia.
A proposta de RN advém da antiga pró-reitoria, presidida pela professora Cristiane Derani, e foi apresentada no apagar das luzes da última gestão de reitoria de Ubaldo Balthazar e Cátia Carvalho Pinto. Uma vez aprovada na CPG, tal resolução ganha validade e não passa em nenhuma outra instância, como o Conselho Universitário (CUn), que é a instância mais importante de deliberação da UFSC. Mesmo sendo uma proposta que altera todo funcionamento da Pós-Graduação da UFSC.
Leia também: Por que a pressa para aprovar o ensino remoto na pós-graduação?
A Associação de Pós-Graduandos avalia que a permanência ou não de práticas pedagógicas que foram praticadas durante o período de ensino remoto, inicialmente apresentado de forma emergencial e pontual, precisa ser melhor debatida. Percebe-se uma certa naturalização dessas atividades após o período de suspensão das atividades presenciais e a real ameaça de continuidade de tais práticas por um movimento de inércia da Universidade. Por isso, a entidade estudantil pediu vistas do processo que encontra-se em suspenso. A APG também tem feito coro a essas problematizações e lançado uma série de notas e atividades com o corpo discente sobre a temática. O corpo discente do PPG em Serviço Social também veio a público repudiar a proposta de permanência de atividades não presenciais nos programas presenciais.
Nesse contexto, estudantes do PG em Educação se reuniram em assembleia para debater a questão e endereçaram uma carta ao colegiado pleno do PPGE, instância máxima regimental do programa. O PPGE da UFSC, desde o início dos debates sobre a implementação do Ensino Remoto em 2020 após suspensão das atividades presenciais, vem problematizando a tendência à permanência de tais práticas e descaracterização uma série de experiências formativas, no sentido amplo e humano e não apenas curricular, na Universidade. Os posicionamentos do PPG em Educação estão documentados em notícias aqui no jornal UFSC à Esquerda (aqui e aqui ).
No período de recesso da graduação a CPG não dará seguimento aos debates que deve voltar com força no início do próximo semestre. O jornal UFSC à Esquerda continuará cobrindo o debate, acompanhe os próximos textos.
MANIFESTO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFSC SOBRE A PROPOSTA DE RESOLUÇÃO NORMATIVA DA PROPG QUE TORNA PERMANENTE O DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES PEDAGÓGICAS NÃO PRESENCIAIS
Tendo em vista a proposta de Resolução Normativa elaborada pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (PROPG/UFSC) – a qual dispõe sobre o desenvolvimento de atividades de ensino não presenciais em cursos presenciais na pós-graduação strictu sensu da UFSC – o colegiado pleno do Programa de Pós- Graduação em Educação reuniu-se no dia 26 de agosto de 2022 e deliberou, por ampla maioria, pela rejeição da referida Resolução¹ com base nos argumentos que seguem.
Não estão claros os motivos que levam a Propg a propor a adoção de atividades pedagógicas não presenciais, tornando permanente aquilo que foi proposto como excepcionalidade diante da necessidade de isolamento social advindo da pandemia da Covid-19. São apresentados, por exemplo, argumentos de ordem econômica como justificativa para essa adoção (a precarização das condições de permanência estudantil, a diminuição do orçamento das universidades, a falta de emprego etc.) Ao respaldar a adoção do “ensino híbrido” sob esses argumentos, secundariza-se a responsabilidade da universidade em elaborar e cobrar políticas sistemáticas para a permanência dos estudantes, incluindo bolsas de estudo/pesquisa, moradia estudantil, laboratórios, espaços e equipamentos para pesquisa, etc.
Ainda com relação às condições de vida dos estudantes, a adoção de atividades não presenciais não é garantia de que os estudantes terão possibilidades de cursar a pós-graduação em espaços adequados de estudo e acompanhamento das aulas, com acesso a equipamentos e internet estável, recebimento de bolsa de estudos e liberação do trabalho, como se explicitou para muitos estudantes durante o período emergencial de “ensino remoto” na UFSC. Ao tornar permanente práticas experimentadas em regime de excepcionalidade, sinaliza-se para a aceitação de que parte das condições de trabalho docente e de estudos na universidade sejam de responsabilidade individual, sobretudo em relação aos equipamentos e custos dos serviços de conexão e energia elétrica, que passam a ser assumidos como necessidades privadas de professores e estudantes, enfraquecendo as lutas necessárias por condições adequadas para a realização da educação superior pública.
Também não estão sendo debatidos os possíveis desdobramentos de tal decisão, não apenas em termos econômicos, mas também pedagógicos. O período em que foram adotadas tais atividades, bem como a sua extensão em 2022 de forma parcial e, inicialmente, em caráter provisório, com vistas a uma transição para o retorno às atividades presenciais, precisa passar por uma ampla avaliação que, dentre outros aspectos, estabeleça os critérios para se discutir o desenvolvimento de processos de ensino e aprendizagem mediados por plataformas digitais, a redução do tempo de aula com as atividades “síncronas” e “assíncronas”, a adequação aos projetos pedagógicos dos cursos, o engajamento dos estudantes com o estudo, o impacto nas pesquisas desenvolvidas nos PPGs, entre outros aspectos.
No processo são apresentados três artigos que versam sobre ensino remoto e híbrido na pós-graduação como sustentação para a sua adoção. Em uma decisão que pretende tornar permanente tal modalidade de ensino, dever-se-ia esperar que, no mínimo, fossem apresentados artigos científicos que demonstrassem posições divergentes em relação à “eficácia” ou “possibilidade” do “ensino híbrido” na Pós-Graduação. Há pesquisas e experiências de longa data com educação a distância que vêm sendo desenvolvidas no interior da própria UFSC. Há produções (sob a forma de palestras, textos e artigos) que trazem argumentos contrários à adoção do ensino remoto ou híbrido em caráter permanente. Em uma decisão tal qual a Propg se propõe seria imprescindível apresentar e discutir essas diferentes posições e produções.
No que diz respeito ao quantitativo de disciplinas ofertadas remotamente, seja parte ou o todo da disciplina, não se observa justificativa pedagógica para a defesa de 20, 30 ou 50%, como pode ser observado na minuta, nas sugestões apresentadas por PPGs e no parecer original. Entre as sugestões, há a defesa de que um estudante poderá cursar as disciplinas teóricas na sua integralidade por meio de atividades de ensino síncronas até o limite de 50% do total de créditos. Observa-se, assim, que um curso presencial pode tornar-se semipresencial por meio de uma resolução normativa. Essa mudança não se refere apenas aos meios para a realização dos processos de ensino e aprendizagem, mas à própria natureza da formação na pós-graduação.
Reforça-se, novamente, a necessidade de se discutir e avaliar as consequências da adoção do “ensino híbrido” na pós-graduação. Dentre elas, destaca-se o possível impacto no afastamento dos estudantes de suas atividades laborais para a realização da pós-graduação, como é o caso de professores da rede municipal e estadual matriculados no PPGE, gerando novas “modalidades” de precarizações das condições estudantis. Outro elemento que podemos elencar é o impacto na formação dos pós-graduandos que passam a fazer um curso de mestrado e doutorado com presença limitada no espaço universitário, visto que podem cursar disciplinas não presenciais, ter orientações online e defender seus trabalhos de conclusão de curso também remotamente. A elaboração de propostas para a Pós-Graduação na UFSC deve estar alinhada à proposta pedagógica dos Programas e relacionada aos desdobramentos na manutenção da qualidade da pesquisa desenvolvida no país.
Nossos programas de pós-graduação podem seguir fazendo uso das tecnologias digitais, pautadas por conteúdos sistematizados e integrados nos currículos, visando a uma formação crítica e não apenas sua utilização instrumental decorrente da transposição de disciplinas presenciais para a modalidade à distância. As possibilidades de intercâmbios nacionais e internacionais, com participação de professores externos em atividades específicas nas disciplinas, em debates, seminários e bancas de trabalhos de conclusão de curso, mediados por tecnologias digitais, já eram feitas antes da adoção excepcional das atividades pedagógicas não presenciais, e seguem sendo feitas, independente da adoção do “ensino híbrido” generalizado.
Questionamos, ainda, as condições materiais da Universidade para realizar a proposta presente na Resolução, como o desenvolvimento de tecnologia própria, capaz de assegurar plataformas autônomas e seguras para a realização de atividades não presenciais, contendo a entrada de empresas de tecnologia, como Google e Microsoft, e a transferência de recursos públicos para essas megaempresas, configurando um meio indireto de privatização e “plataformização” da educação pública e compartilhamento de nossos dados.
A Resolução é orientada por uma decisão autocrática do MEC e da CAPES e que desrespeita a autonomia da UFSC e dos Programas. Consideramos que nesse caso o papel da administração central da universidade é promover amplo debate entre os programas de pós-graduação, envolvendo professores, estudantes e técnico-administrativos, com vistas à formulação de um posicionamento democrático e cientificamente fundamentado, associado ao conjunto de lutas necessárias para a manutenção e desenvolvimento de uma universidade pública, estatal, laica, gratuita e de qualidade socialmente referenciada.
Por fim, compreendemos que não estamos diante de meros ajustes técnicos para a regulamentação do “ensino híbrido”, mas de posições educacionais e políticas que precisam ser debatidas. A apresentação de propostas, como esta em questão, no contexto de profundos cortes orçamentários que têm inviabilizado o funcionamento pleno das
universidades públicas, fortalece projetos – como o Reuni-Digital apresentado pelo Ministério da Educação do atual governo federal – que atacam os princípios de uma formação presencial de qualidade sustentada na pesquisa e na extensão.1 A partir da deliberação de rejeição da proposta de Resolução, foi constituída pelo colegiado pleno do PPGE uma comissão para elaboração deste Manifesto.