Notícia
A situação dos docentes temporários nas universidades do Paraná
Cerca de 29% dos docentes nas universidades estaduais do Paraná são contratados temporariamente
Uma das faces da precarização orçamentária nas universidades públicas é o aumento sucessivo da contratação de professores temporários e diminuição de efetivos. Esta é a situação crescente nas universidades estaduais do Paraná, a qual conta com 29% dos docentes de suas redes de ensino superior vinculados na modalidade temporária. A insegurança e o caráter efêmero do vínculo com as instituições de educação alteram a relação destes profissionais e da própria categoria docente, que é consequentemente mais fragmentada.
O Sindicato Nacional dos Docentes no Ensino Superior (ANDES) realizou diversas entrevistas com profissionais da educação do Paraná no ensino superior estadual que atualmente trabalham ou já foram contratados como professoras e professores temporários. Os relatos mostram o desgaste da rotineira intensificação do trabalho docente sem a remuneração correspondente.
Dentre as principais situações que afetam atualmente os professores temporários estão: salários mais baixos que os de concursados com cargas horárias em aula mais altas que de efetivos, atuação sem possibilidade de dedicação exclusiva, falta do fundo de garantia e insegurança na renovação dos contratos.
Casos como o do entrevistado Jonas Nogueira são recorrentes: na folha de seu contrato constam 20 horas semanais, mas na prática, com a demanda exigida, o trabalho acaba sendo dobrado, somando 40 horas semanais.
Sem a remuneração devida de suas horas de trabalho, há outra atividade que fica invisível: a inserção voluntária desses docentes em projetos de pesquisa e extensão para que em uma futura abertura de edital de processo seletivo, o currículo possa estar em dia com as exigências requisitadas ou então para que já exista uma certa “aprovação” com os professores efetivados. E não somente a fila daquelas e daqueles que aguardam aberturas de editais incertas está cada vez maior, como também não ser aprovado não é garantia de efetivação, uma vez que muitos sequer são chamados.
A exceção dessa modalidade contratual com passar dos anos vira a regra e em diversos departamentos ao menos um professor temporário já faz parte. Na entrevista realizada, há relatos de professores que estão há 10 anos contratados neste tipo de vínculo de trabalho.
Com a instabilidade e preocupação de conseguir se adequar aos moldes de um possível e incerto processo seletivo, o ensino e a própria produção de conhecimento nas universidades é prejudicado. Impacto que não é somente na vida do docente, mas também para os estudantes que em certos momentos acabam ficando sem aulas por conta da falta de professores.
Uma das entrevistadas, Kelen Aparecida Bernardo, fez sua tese de doutorado sobre a “flexibilização contratual no setor público: condições e relações de trabalho dos professores temporários nas universidade estaduais do Paraná” no programa de pós-graduação em Sociologia na Universidade Federal do Paraná.
Em sua pesquisa reúne dados de 15 anos de anos referentes ao número de professores efetivos e temporários de todas as sete universidades do estado do Paraná contempladas na pesquisa, são elas: a Universidade Estadual de Londrina (UEL), a Universidade Estadual de Maringá (UEM) a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), a Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), a Universidade do Norte do Paraná (Uenp) e a Universidade do Estado do Paraná (Unespar).
O crescimento da contratação temporária no Paraná
Segundo Bernardo (2020), no ano de 2002, o percentual médio de professores com vínculos efetivos era de 87,36% – servidores públicos estatutários, enquanto que 12,63% eram temporários. Em um período anterior à 2005, as contratações para suprir as demandas urgentes nas universidades eram reguladas pela CLT.
É a partir da aprovação da Lei Complementar n. 108, que regula a contratação de pessoal temporário para a administração pública indireta, que esse percentual começa a se alterar mais significativamente. No ano de 2005, o percentual médio de professores efetivos cai para 79,46% e consequentemente o dos temporários sobe para 20,53%, um acréscimo de 7,9 pontos percentuais na média na contratação de docentes temporários. Em 2006, passou para 22%, alta de 1,5 pontos percentuais em comparação ao ano anterior.
Em 2008 e 2009, observa-se uma redução no percentual médio de contratações, ficando em 20,2% e 18,44% respectivamente. Porém o índice volta a subir em 2010 e até 2014 fica em 21,2%.
Em 2015, a média percentual de temporários expande para 23,6% e aumenta em 2016 com a média percentual de 26,5% de docentes temporários. Atualmente, a média dos professores temporários nas universidades estaduais do Paraná está em 29% de acordo com dados atualizados no Portal da Transparência do Paraná.
São cerca de 7.568 professores do estado atuando no ensino superior, sendo 5.394 efetivos e 2.117 temporários. Nesse número, não são considerados os professores das instituições de ensino superior federais que estão localizadas no estado do Paraná. A situação mais crítica é na Universidade Estadual do Norte do Paraná (Uenp), na qual quase metade dos professores da instituição são temporários (42%).
Cortes nas Universidades
Os recursos orçamentários das universidades ficam cada vez mais enxutos com o passar dos anos, sendo que neste ano não foi diferente com a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) em março: as universidades sofreram uma redução no orçamento discricionário das universidades federais para 2021 de R$ 1.000.943.150 (Um bilhão, novecentos e quarenta e três mil, cento e cinquenta reais), -18,16% em relação a 2020.
Muitos auxílios e folhas de pagamentos foram afetados, inclusive com a dificuldade da manutenção de serviço das próprias universidades, deixando propositalmente uma margem cada vez maior para a verba vir das conhecidas emendas parlamentares, as quais ferem ainda mais qualquer chance de autonomia universitária.
No caso do Paraná, entre os anos de 2016 e 2020, o orçamento global repassados pelo governo estadual de sete universidades do Paraná teve uma diminuição de 22%, o que resultou em praticamente nenhum investimento dento do orçamento. A verba de custeio entre 2014 e 2020 teve uma perda de 39%.
O surgimento das Universidade no Paraná
Em uma matéria recente escrita no UàE por Morgana Martins, há um debate sobre a universidade, resgatando elementos históricos e ressaltando a importância da esquerda pautar uma universidade mais crítica, atrelada à cultura, ciência e à classe trabalhadora.
Com o olhar aprofundado sobre a constituição estrutural, econômica, social e política das universidades atuais e suas particularidades, podemos ter uma dimensão sobre os problemas que atualmente enfrentamos e de como estes estão atrelados com um projeto de abertura aos capitais privados, anteriores ao governo Bolsonaro.
No caso do Paraná, o surgimento das primeiras universidades se deu na década de 1970 no governo de Paulo Pimentel, com as três primeiras universidades estaduais: Universidade Estadual de Londrina (UEL), a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), por meio do decreto – Lei n. 6.034. Com a implantação das referidas universidades, o sistema de cobranças de mensalidades é adotado nas universidades estaduais, explicitando o direcionamento do governo do estado em relação ao ensino público, porém não gratuito.
Como o processo de criação e reconhecimento das Instituições Estaduais de Ensino Superior (IEES) demanda uma série de regulamentações, e esse transcurso é permeado por disputas políticas – internas e externas ao ambiente universitário –, o tempo de criação e reconhecimento de cada universidade apresenta variações distintas.
Com a reforma do Aparelho do Estado, no Paraná tais direcionamentos foram incorporados na também na educação superior. A política do governo Jaime Lerner (1995-2002) direcionada para o ensino superior era orientada pela lógica de redução dos gastos públicos, com a adoção de medidas de desmonte do ensino superior público. Foi em seu governo que estourou uma das mais importantes greves dos trabalhadores da educação superior.
A greve de 2001-2002 que englobou UEL, UEM e Unioeste, abarcou aproximadamente 80% dos professores e funcionários das respectivas instituições, tendo uma duração de 169 dias.
As principais reivindicações eram em torno da reposição salarial, do financiamento integral das IEES, da contratação de técnicos e servidores e das eleições livres e diretas para os dirigentes das universidades.
Em relação ao período de 2011 a 2017, quem estava à frente da gestão do estado era Carlos Alberto Richa, do PSDB. Entre as ações políticas, adotadas pelo governo, que refletiram na composição do quadro de docentes das estaduais – principalmente em seu segundo mandato (2011-2014) – estão, o não pagamento das progressões e promoções que os servidores tinham direitos; o contingenciamento dos recursos de custeio das universidades estaduais; as contenções de abertura e contratação de docentes e técnicos via concurso público; a culpabilização dos servidores públicos pela crise econômica; a aprovação de reforma previdenciária dos servidores estaduais.
Recentemente, o ano de 2019 foi marcado por tensões, disputas e deflagração de greve no final de junho e início de julho, impelida pela proposta da minuta da Lei Geral das Universidades Estaduais (LGU) e o Projeto de Lei n. 04/2019 – Lei de Eficiência da Gestão do Estado (Lege).
A minuta da “Lei Geral das Universidades Estaduais” foi proposta pela gestão de Carlos Massa Ratinho Junior (PSD) por meio da Superintendência da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná e encontra-se em processo de discussão e negociação quando do término da presente tese (início de 2020).
Na LGU constavam alterações significativas na gestão e organização do trabalho nas estaduais, a exemplo: alterar questões de distribuição orçamentária entre as universidades estaduais; implantar fórmulas embasadas na relação entre professor e vaga/aluno na graduação e pós-graduação; estabelecer cálculos para manutenção ou fechamento dos cursos; redução no número de servidores implantando a terceirização das atividades-meios, entre outros.
Através dos Conselhos Universitários, a proposta foi rechaçada integralmente por diversas universidades tais como UEM (Universidade Estadual de Maringá), Unespar (Universidade Estadual Paraná), Unioeste (Universidade Estadual do Oeste do Paraná), UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa) e UEL (Universidade Estadual de Londrina).
Horizonte incerto
A longo prazo, essa modalidade de contrato corrobora para o desmonte da carreira docente do magistério superior, para a desmobilização da categoria e, como efeito rebote para o enfraquecimento do sistema universitário público, gratuito e de qualidade.
O processo gradual de desestabilização dos cargos docentes com a consequente implementação de relações de trabalho flexíveis e precários em seu lugar afeta nossas instituições como um todo. E mesmo aqueles que hoje encontram-se com seus empregos garantidos por seu caráter estatutário devem prestar atenção na rapidez que as mudanças ocorrem e para onde o projeto coletivo de universidade está se desenhando cada vez mais.
Quem agora está na pós-graduação e pensa em seguir a carreira acadêmica, deve se lembrar que a luta é também dos discentes, que sairão de seus cursos sem possibilidades de seguir investigando.
Essa luta que compete a todas e todos nós pela universidade é urgente bem como de reivindicar muito mais do que ela é hoje, por ser esta a única instituição que tem por objetivo poder produzir um conhecimento capaz de criticar toda e qualquer esfera da sociedade e instituição.