Com o Brasil chegando à metade da população totalmente vacinada, o clima estudantil é tomado de ansiedade frente a perspectiva de voltar às atividades presencialmente. Mas que tipo de volta se conjectura, e que tipo de realidade é percebida por aqueles que fazem as decisões?
A fim de perceber em que direção caminham as políticas de reforma e as mudanças nas universidades públicas, é importante analisar alguns exemplos. A Universidade Federal de São Paulo (USP) já está preparando os espaços da universidade para abrir as portas. A USP, diferente da maioria das universidades que observam suas verbas sendo restringidas sem misericórdia, obteve verbas para reforma, R$150 milhões foram investidos na infraestrutura, na reforma de salas de aula, biblioteca, laboratórios, e aquisição de equipamentos para assegurar que a volta esteja de acordo com as exigências sanitárias. E veja-se bem, o investimento também será para o “aprimoramento da infraestrutura das atividades online”.
A USP não apenas discute o Ensino híbrido há mais de ano, como também criou conselhos deliberativos e grupos de trabalho impulsionados na incorporação do ensino remoto após o período excepcional, com as fortes palavras do vice-reitor de que a universidade dificilmente voltará a ser a mesma. E a mesma caminhada para um retorno híbrido é uma discussão central e imensamente preocupante quando se pauta o retorno das atividades das universidades de forma nacional.
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Ainda assim, o ensino híbrido não é uma questão clara entre os universitários que mal podem esperar para frequentar as aulas novamente. E isso não é por acaso, as Universidades Federais vêm acatando o meio digital e projetos como o Reuni Digital com uma velocidade e silêncio que deixa abobados aqueles que de fato se importam com o futuro da qualidade do ensino. O movimento estudantil que moveu milhões em combate a projetos com as mesmas intenções, como o Future-se, se encontra abalado e em estado de slow-motion, em uma tentativa de encontrar as bases que se situam “à Distância”.
E as questões não acabam por aí, o ensino remoto levou muitos alunos que mal conseguiam custear a sobrevivência nas cidades universitárias de volta para as cidades natais. Muitos até acreditam que a permanência híbrida seria oportuna, pois custear uma vida na universidade nunca foi fácil, mas agora a realidade é ainda mais trágica.
Estamos em meio à crise política, crise econômica e maiores índices de inflação em décadas. Sem contar que os proprietários de imóveis não deixarão de aproveitar a oportunidade dos montes de alunos que retornarão para aulas presenciais, sempre prontos para explorar da necessidade, aumentando os preços que já são exorbitantes. E isso torna a possibilidade de uma volta híbrida ainda mais revoltante, na perspectiva que os alunos paguem preços absurdos para voltar à universidade para ter uma ou duas aulas presenciais.
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Isso sem contar que as políticas de permanência da universidade aparecem pouquíssimo nas decisões dos conselhos deliberativos. De fato, quem frequenta esses espaços na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por exemplo, percebe que os docentes parecem ter uma tendência de pensar mais em si mesmos na volta do que na realidade dos discentes; raramente entram em discussão políticas como o restaurante universitário, moradia estudantil, e bolsas de permanência. E entrar nessas discussões também implicaria em discutir o orçamento universitário, que sufoca as políticas de permanência há anos. Essa também é questão diretamente atrelada à volta presencial, já que uma volta à uma universidade ainda mais sucateada implica em menos segurança e menor possibilidade de continuar lá dentro.
O retorno híbrido também é pautado na UFSC. Ela está discutindo dentro da Câmara de Graduação a implementação dos 40% da graduação digital permitidos por lei, em uma minuta que corre agora entre grupos de estudantes, que se surpreendem ao saber que professores de seus cursos estão decidindo reformas como essa, sem que saibam de nada.
A UFSC também discute há meses reformas na pós-graduação que implementam a possibilidade de reuniões e defesas de trabalho online, assim como a divisão entre aulas online e presenciais, inclusive essas reformas foram aprovadas não há muito tempo no Conselho Universitário (Cun). Esses tipos de mudança alteram o sentido das formações, e esse é um ponto central que não podemos esquecer na hora de discutir a universidade pós pandemia, qual sentido ela terá?
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Nesse momento de retorno às atividades da universidade, temos a oportunidade de questionar o que ela se tornou, o papel que ela cumpre e que projeto de universidade almejamos, enfim. É o momento de parar de negociar a nossa segurança e a qualidade do ensino, parar de abrir mão do que é nosso direito. Precisamos nos manter vigilantes daquilo que é decidido pelos conselhos que só têm interesses próprios em mente.
Quanto ao movimento estudantil, ele é e sempre foi uma questão de resiliência. A conjuntura torna a inércia mais intensa, a impressão é de que qualquer tentativa de moção requer muito mais energia do que antes para acontecer. Mas ao mesmo tempo, a conjuntura exige que esse esforço seja feito, estamos em um risco trágico de perder o pouco da universidade que já tínhamos, não é o momento de desistir.
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