Duas semanas antes da decisão do STF, no dia 29/03, Bolsonaro demitiu o Ministro da Defesa, General Fernando de Azevedo e Silva. O ato gerou a renúncia dos comandantes do exército, da marinha e da aeronáutica. Ele teria sido motivado pela distância que o Ministro guardava entre Bolsonaro e os quartéis. Uma movimentação na direção das pretensões golpistas do Presidente e de sua família miliciana.
Mesmo depois de ser demitido, Fernando de Azevedo e Silva foi chamado pelos ministros do STF para garantir que a caserna não se somaria às intenções golpistas de Bolsonaro. Esse gesto, uma tentativa de prestar contas à burguesia e apaziguar os ânimos, foi insuficiente. Com a saída, sua influência e a dos comandantes anteriores sobre as Forças se torna muito menor. Bolsonaro nomeou para o Ministério o General Walter Braga Netto, que comandou intervenções militares nas favelas cariocas e é mais próximo do bolsonarismo.
No mesmo período, o bolsonarismo tentou atiçar suas bases no interior das polícias a partir do atentado terrorista de um policial militar em Salvador-BA. O bolsonarismo o tratou como herói, um “defensor da liberdade” contra as ações dos governadores. Buscou até mesmo produzir um motim na Polícia Militar da Bahia, nos moldes do que ocorreu no Ceará em fevereiro de 2020.
A temporalidade entre este fato e a determinação para a criação da CPI não nos parece uma mera coincidência. Não é novidade que o STF tem atuado em função das pressões burguesas à Bolsonaro, em especial na tentativa de pôr rédeas a seus ensejos golpistas. Nos parece que a instalação da CPI foi uma resposta direta a essas ações do governo.
Dias antes da demissão do Ministro, no dia 22/03, setores burgueses buscavam mais uma vez demonstrar seu afastamento do governo e pressioná-lo a partir da divulgação da chamada “carta dos economistas”. Na verdade, carta dos grandes burgueses e de seus altos funcionários. Nela reclamam da má gestão do governo federal diante da vacinação, e sua incapacidade de coordenar políticas de isolamento social perante a piora da pandemia.
Fazem-no confortavelmente um ano depois da devastação da política bolsonarista, naquele momento com mais de 300 mil brasileiros mortos. Sua preocupação é clara: a piora do contágio terá efeitos econômicos e fiscais de longo prazo. O documento foi assinado por figuras tais como Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles (Itaú Unibanco), Pedro Parente (BRF), José Olympio (Credit Suisse), Luis Stuhlberger (Verde asset), Armínio Fraga (Gávea), Ilan Goldfajan, Edmar Bacha, Rubens Ricupero, Pérsio Arida, Pedro Malan, Elena Landau, Monica de Bolle, Laura Carvalho, dentre outros. A carta foi largamente alardeada pela grande mídia empresarial.
Perante isso e a crise armada com sua movimentação golpista, Bolsonaro buscou angariar apoio no interior da classe que representa. No dia 08/04, em um jantar organizado por seus ministros com grupos burgueses, Bolsonaro teria sido ovacionado. Nele não estava sua claque burguesa vulgar habitual, como o papagaio da Havan e o dono da hamburgueria. Mas, sim representantes de grandes capitais como: André Esteves (BTG Pactual), David Safra (Banco Safra), Luiz Carlos Trabuco (Bradesco e, não podemos deixar de lembrar, convidado da presidente Dilma para o Ministério da Fazenda em 2014), Cândido Pinheiro (Hapvida), Carlos Sanchez (EMS), Rubens Ometto (Cosan), Rubens Menin (CNN Brasil e Banco Inter), Tutinha Carvalho (Jovem Pan), José Roberto Maciel (SBT). Se as palmas se converterão em apoio ativo à aventura golpista ainda não parece estar claro.
A CPI responde a essa divisão em favor do primeiro grupo burguês, um preço pela crise aberta por Bolsonaro com a demissão de Fernando Azevedo e Silva. E também uma forma de pressioná-lo a se adequar a reorientação política da grande burguesia interna diante da piora do quadro da pandemia que ameaça seus rendimentos.
Desde então, Bolsonaro tem sinalizado a paralisação da movimentação golpista usando a fórmula discursiva de que jogará “dentro das 4 linhas da Constituição”. Mas, cabe lembrar ao menos que para ele, assim como para a grande burguesia em geral, as linhas da Constituição são bastante borradas e móveis de acordo com as conveniências políticas e a correlação de forças. E também, que esta é uma solução de força que pode se alterar rapidamente.
Consequências da CPI
Embora o aparente recuo do presidente, o bolsonarismo tampouco desistiu de lutar contra a CPI. Tentam fazer que seu escopo atinja os governadores e prefeitos para com isso diluir as pressões sobre o governo e continuar ouriçando suas bases contra os governadores. Utilizam da fórmula política do bolsonarismo, já batida, mas ainda funcional, de que o presidente estaria de mãos atadas com o “establishment”.
Evidentemente, os governadores e prefeitos não são bastiões da luta contra a COVID-19. Mas, apesar dos arroubos contra Bolsonaro, são efetivamente cúmplices da política traçada pela Presidência.
Bolsonaro tampouco ficou inerte. E tenta buscar o apoio perdido no cenário internacional com a queda de Trump. Nesta semana, enviou carta a Biden pedindo apoio e participando da Cúpula do Clima — o fino véu dos compromissos ambientais não esconde seus objetivos de recuperar o apoio do Imperialismo e, como mote, não passam neste governo de desmatadores de uma piada de mau gosto. No entanto, seu servilismo encontrou concorrência interna com a carta dos governadores do Nordeste.
Os grupos burgueses também estão ativos e fazem circular novos e antigos interlocutores. Os novos chefes do Congresso Nacional, Lira e Pacheco, foram postos a circular dando entrevistas ao Valor, e em encontros com setores burgueses para assegurar a aprovação das reformas. Lula teve os processos anulados e torna-se novamente elegível após decisão do STF. E Renan Calheiros, o coringa burguês no Congresso, relatará a CPI.
O resultado efetivo da CPI não está completamente dado. Penso que ela será sensível a este conjunto de movimentações das articulações burguesas. Ela pode servir para a burguesia finalmente colocar em marcha um pedido de impedimento. A corja bolsonarista pode tentar com ela ouriçar suas bases em seus intentos golpistas. Ou pode, simplesmente, aumentar a temperatura da panela na qual a burguesia tem cozinhado Bolsonaro, mais uma espada sobre sua cabeça como as investigações sobre seus filhos e o inquérito das fake news.
Certo é que, neste terreno, nós trabalhadores temos pouca influência. Aliás, nós sabemos que o Estado é o terreno de lutas favorável à burguesia por excelência, afinal é o terreno de exercício da sua dominação sobre a sociedade. As experiências históricas de nossa classe no Brasil, mas também internacionalmente, não nos deixam enganar.
E é certo, também, que das disputas entre os setores burgueses há muito pouco o que se esperar. Nós não podemos confiar nos setores que agora se afastam de Bolsonaro, como se pudessem ser os fiadores contra seus desejos autoritários. Sua relação com seu próprio regime democrático-burguês é uma relação de conveniência.
Esses setores tanto podem continuar afastados, sem remover Bolsonaro do poder; como podem aderir ao governo. E mesmo que decidam por removê-lo, o que não me parece ser o caso ao menos imediato, poderão muito bem dar seguimento a sua política de privatizações e arrocho sobre os trabalhadores. Seu único princípio é o compromisso com a reprodução dos seus capitais e a manutenção de seus lucros.
Por isso, nos parece, que há muito pouco a se esperar da CPI. Mais importante para nós é dirigir nossa energia para lutar num terreno que nos é mais favorável: nas ruas e nas greves. Nós precisamos derrotar Bolsonaro, retirá-lo do poder pelos crimes que cometeu contra o povo brasileiro, e nós só podemos o fazer ativando nossa própria classe.
Parece-me que nossa tarefa imediata é denunciar e pressionar aqueles que, no interior de nosso movimento, enquanto centenas de milhares tombam, fizeram a opção por esperar as eleições. Precisamos pressionar os partidos, as centrais sindicais, os sindicatos e movimentos que adotaram essa postura em decorrência da estratégia principal do Partido dos Trabalhadores.
Nós não podemos esperar a eleição. Tampouco a solução da burguesia por meio da CPI. Os trabalhadores estão morrendo, aos milhares. O que podemos fazer é lutar no nosso terreno, construir grandes greves, construir a greve geral.
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