Em maio de 2018, o Movimento Estudantil da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) lutava contra o aumento, em 122%, do valor da alimentação no Restaurante Universitário (RU). Na época, após diversas tentativas de reuniões, negociações com a Reitoria e participação nos Conselhos Deliberativos da universidade, os estudantes decidiram por ocupar o prédio da reitoria como forma de exigir que suas reivindicações fossem escutadas e o diálogo fosse aberto.
O valor do Restaurante Universitário, na época, estava sendo alterado de R$1,80 para R$4,00. Hoje, cinco anos após o ocorrido, o valor do acesso ao RU é de R$4,20 na UFSCar.
A ocupação dos estudantes ocorreu por dois dias, até a chegada da Polícia Federal (PF) no local em 11 de maio de 2018, a pedido da Reitora Wanda Hoffmann (2016-2020), para realizar a reintegração de posse. Wanda Hoffmann, após sua gestão na Reitoria da UFSCar, foi nomeada Secretária Municipal da Educação de São Carlos, onde permaneceu até dezembro de 2022 e foi diversas vezes acusada pelos trabalhadores do município por realizar políticas anti-sindicais.
Além da reintegração de posse realizada pela PF, a Reitoria judicializou e processou os estudantes, os quais foram condenados a pagar o valor total de R$50 mil, o qual seguiu em constante correção monetária desde o dia da ocupação até o pagamento de sua última parcela, em março de 2023. A condenação ocorreu contra sete estudantes, indicados pela reitoria como lideranças do movimento de ocupação.
O movimento estudantil, a partir de sua defesa, tentou recorrer até a terceira instância para reverter a condenação desses sete estudantes, em dinheiro, mas também em luta contra a criminalização da livre manifestação na universidade pública. Porém, os estudantes não conseguiram vencer na justiça.
Com a correção monetária, os estudantes pagaram, ao fim, R$73,2 mil. O dinheiro foi arrecadado com o auxílio de diversas entidades, tanto da cidade de São Carlos/SP quanto nacionais, que se solidarizaram e manifestaram total repúdio à criminalização do movimento estudantil; que diz respeito não apenas ao movimento estudantil da UFSCar, mas sobre as possibilidades organizativas em todas as universidades brasileiras.
Além da penalidade paga em dinheiro, o processo, sentenciado em 29 de abril de 2019, possui cláusula que proíbe que os estudantes realizem quaisquer outros atos de ocupação na UFSCar e demais lugares públicos, sob a pena de multa diária de R$10 mil. Uma forma de, além de puni-los pelas lutas que já haviam realizado, também cercear sua militância futura.
Em 2021, o Diretório Central dos Estudantes, a Associação de Pós-Graduandos (APG), a Associação dos Docentes da UFSCar (ADUFSCar) e o Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos da UFSCar (SINTUFSCar) publicaram uma nota em defesa do movimento estudantil da UFSCar, em que afirmam:
“A ausência de diálogo com a comunidade universitária, a falta de soluções adequadas à realidade da instituição, a criminalização das lutas do movimento estudantil e a nomeação arbitrária de estudantes para responder a um processo marcam essa triste página na história da UFSCar, uma das pioneiras nas políticas de ações afirmativas do país. Mesmo com intelectuais e acadêmicos, ex-reitores e a própria comunidade universitária se manifestando em defesa dos sete estudantes, o processo segue representando não apenas prejuízos a sete famílias, mas também a todas as instituições de ensino do país, uma vez que abre um precedente jurídico para criminalizar as lutas em defesa da democratização da educação.
A justa luta pelo direito de se alimentar não deveria ser criminalizada. Nos manifestamos em solidariedade aos sete estudantes, firmando nosso compromisso com a denúncia desse triste episódio que se insere no difícil cenário vivenciado no Brasil, de cortes orçamentários e retrocessos políticos sequenciais.”
O processo contra os estudantes seguiu mesmo após o Conselho Universitário da UFSCar (CONSUNI) deliberar pela sua retirada, o que foi considerado pelo Movimento Estudantil como um desrespeito ao conjunto da comunidade universitária.
As acusações contra os estudantes, utilizadas para criminalizar sua luta, foram as de terem impedido o trabalho na universidade e gerar danos à sua infraestrutura; o que os estudantes negam. Um dos estudantes condenados, Eduardo José Rezende, se manifestou em matéria do Jornal acidade on São Carlos em 2022 e explicou:
“O prédio foi ocupado em uma quarta-feira e os trabalhadores da reitoria puderam retirar seus materiais de trabalho e levar para outro local para que pudessem continuar desempenhando suas funções. Então, os funcionários não foram impedidos de trabalhar, conforme foi alegado.”
Na mesma matéria, o estudante também afirma:
“A ocupação do prédio foi uma ação política de pressionar para que houvesse diálogo, já que os conselhos eram realizados de portas fechadas, de forma que os estudantes não podiam participar. Nós tentamos pedir fala nos conselhos, tentamos uma conversa com a reitoria, mas não éramos ouvidos. Então, o modo que os estudantes encontraram foi ocupar o prédio da reitoria para ver se assim a reitoria nos ouvia.”
Na época, após a manifestação estudantil, a Reitoria voltou atrás com relação ao valor do RU. O que demonstrou a capacidade de intervenção da mobilização estudantil. Porém, hoje o RU já passou por novo reajuste e aumentou seu valor para R$4,20.
A criminalização do movimento estudantil na UFSCar marca sua história e incide sobre a capacidade organizativa dos estudantes na instituição até hoje. Além disso, é um episódio que marca de forma geral a história do movimento estudantil nas universidade públicas brasileiras que, cotidianamente, lutam por permanência e democracia universitária.
Retomar esse marco histórico do movimento estudantil da UFSCar é uma forma de trazer à memória daqueles que entram agora nessa universidade, após o período de afastamento pela pandemia da Covid-19 e quebra de gerações entre os estudantes, a sua própria história; e relembrar os motivos que os levam a se movimentar e a lutar pela universidade que querem.
Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.