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Opinião

Precisamos derrotar Bolsonaro

Foto: Alan Santos/PR
Por José Braga, redação do Universidade à Esquerda
24 de abril, 2020 Atualizado: 14:33

Em tempo: Enquanto terminava de revisar este texto o Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, o ex-juiz anti-democrático, se demitiu fazendo graves acusações ao presidente da república, empurrando a direita e o aparelho de Estado contra Bolsonaro. Isto torna ainda mais acirrada e difícil a conjuntura para os trabalhadores.

O discurso golpista de Bolsonaro no último domingo, 19 de abril, explicitou que ele e sua corja não irão parar. Precisamos derrotá-lo! Mas, isso nos exigirá muito mais. 

Se os anseios golpistas de Bolsonaro já eram de conhecimento público, seu discurso no último domingo, 19 de abril, os recolocaram na ordem do dia. Não foi uma fala descontextualizada, um mero arroubo de um imbecil: tratava-se do dia do exército, com manifestações da extrema direita por todo o país em que reivindicavam o fim das políticas estaduais e municipais de isolamento social, o fechamento do congresso nacional, o fechamento do supremo tribunal federal (STF), e o retorno do Ato Institucional  nº5. 

Bolsonaro foi a frente do quartel general do exército em Brasília discursar a este público. E em pouco menos de 3 minutos, em cima de uma caminhonete, expressou sua sanha golpista e mobilizou sua base de apoiadores presentes e ao vivo em suas redes sociais. Afirmou que o povo está no poder, que a velha política ficou para trás, que não há negociação possível, e que quer ação pelo Brasil. Veja o discurso na íntegra:

“Eu estou aqui porque acredito em vocês, vocês estão aqui porque acreditam no Brasil. Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. O que tinha de velho ficou pra trás. Nós temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção no Brasil, tem que ser patriotas, e acreditar, e fazer a sua parte para que nós possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder. Mais que um direito, vocês tem obrigação de lutar pelo país de vocês. Contem com seu presidente pra fazer tudo aquilo que for necessário para que nós possamos manter a nossa democracia e garantir aquilo que há de mais sagrado entre nós que é a nossa liberdade. Todos no Brasil tem que entender que estão submissos a vontade do povo brasileiro. Tenho certeza que todos nós juramos um dia dar a vida pela pátria, e vamo faze o que for possível para mudar o destino do Brasil. Chega da velha política. Agora é Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. 

É claro o esforço para atiçar sua base. O sentido de que é preciso ação para prevenir “ameaças” à democracia e a liberdade, para que o novo não seja impedido pelo velho, o apelo ao patriotismo e a ideia de que na sua figura o povo estaria no poder é evidente. 

Não apenas isso, no dia 17 de abril Bolsonaro anunciou em uma reunião com membros do congresso que tinha em mãos um dossiê de inteligência que teria um plano de Rodrigo Maia (DEM-RJ), João Doria (PSDB-SP) e do STF para derrubá-lo. O dossiê nunca veio a público, mas seu anúncio indicava que o presidente da república espionava o presidente da Câmara dos deputados, do judiciário e o governador de São Paulo. Bravata ou não, mais uma forma de tensionar com os demais poderes e com o governadores e dizer a sua base que seu governo está risco. 

Seu suposto recuo no decorrer da semana e às tentativas de acalmar os ânimos de parte do alto oficialato da forças armadas não podem suavizar a situação. Em primeiro lugar, pois os interesses golpistas de Bolsonaro e sua família são conhecidos há muito: seus constantes elogios à ditadura empresarial-militar de 64 e aos seus torturadores, sua relação com as milícias. E se tornou mais evidente em outubro do ano passado – com Eduardo Bolsonaro aventando a possibilidade de reedição do AI-5. 

Mas, também porque há muitos caminhos para um golpe. Ainda que o oficialato das Forças Armadas, e em especial do exército possa ser refratário a um novo golpe de estado, Bolsonaro pode recorrer a outras vias A América Latina possui uma larga experiência de diferentes formas de golpe, inclusive nas últimas décadas. 

Dentre essas possibilidades, como no terrível golpe na  Bolívia no ano passado, Bolsonaro pode buscar seu braço armado nas forças policiais, e em especial na polícia militar. O Bolsonarismo tem presença e apoio no interior das polícias, junto a experiência das milícias pode conformar uma das forças a serem mobilizadas em um golpe. Não foi pouco significativa a postura do governo e a fala do oficial da força de segurança nacional frente ao motim da polícia militar do Ceará no começo deste ano. 

Bolsonaro sabe que seu governo caminha para o fim. A pandemia do coronavírus catalisou a crise econômica e governo terá poucas condições de enfrentá-la. A grande recuperação econômica que prometiam com Guedes já se demonstrava uma ilusão nos primeiros meses deste ano e agora parece ser uma miragem longínqua.

Com isso, o apoio da burguesia ao governo que é pragmático e pode diminuir e se extinguir. Afinal, para a classe dominante o que importa é a capacidade do governo de implantar políticas que mantenham suas taxas de lucro. Por isso a agenda avassaladora de reformas que destroem às condições de vida dos trabalhadores, às privatizações, e os acordos comerciais eram o carro chefe do governo. Mas, mesmo elas podem ser insuficientes para a estabilidade dos lucros do capital com a crise econômica. 

Do outro lado, o crescente desemprego que mesmo antes da pandemia atingiu mais de 10 milhões de trabalhadores e as mortes produzidas não apenas pelo coronavírus mas pela falta de estrutura para enfrentá-lo, poderiam pôr na balança o apoio dos setores dos trabalhadores que apoiavam o governo. E mesmo aumentar o descontentamento e a rejeição. 

Sem ter onde se segurar seria impossível sustentar-se no governo (talvez apenas como uma rainha da inglaterra, como foi aventada por alguns dias na crise da pandemia). Por isso, seu governo caminha para o fim. Um fim chutado para baixo, ou um fim saindo pelo alto. Bolsonaro tenta criar as condições para a segunda opção. 

A primeira opção está sendo escalonada com o pedido de demissão de Sérgio Moro, o ex-juiz anti-democrático, acusando Bolsonaro de interferir na Polícia Federal. O agora ex-ministro da justiça e da segurança pública afirmou que o presidente queria ter influência na polícia federal, tendo contato pessoal com a sua chefia e que a troca do comando do órgão teria a ver com às investigações sobre as “fake news” e sobre às investigações de domingo. Moro empurrou a direita contra Bolsonaro, afirmando que saia por defender o “Estado democrático e de direito”. E saiu construindo a possibilidade de se tornar uma figura política decisiva.  

Para a segunda, Bolsonaro está colocando suas fichas em uma política brutal na pandemia. Aposta (e pode levar) em conquistar maior apoio entre os setores mais precarizados da classe trabalhadora, produzindo um cálculo sinistro: a possibilidade da morte pelo corona, ou a morte certa do desemprego, das dívidas, da fome. Aposta na quebra da solidariedade, que o acúmulos das dívidas, dos boletos, da incapacidade de manutenção de condições mínimas de vida, faria que os trabalhadores passem a defender mais amplamente o fim do isolamento social e vejam nele aquele lutou por eles desde o começo. 

Para isso se apoia em produzir tensões com os governadores e prefeitos, especialmente aqueles com pretensões políticas maiores como Dória e Witzel. Na efetiva falta de preparo de todos os entes da federação para enfrentar o coronavírus. Bem como no vácuo deixado pela esquerda, pelas organizações da classe trabalhadora. 

A situação que enfrentamos é extremamente difícil. Bolsonaro e sua corja não vão parar. Nós precisamos derrotá-los.

Neste sentido, o pedido de impeachment protocolado e assinado por vários militantes de esquerda foi um ato importante e praticamente isolado. E seu isolamento diz mais sobre as próprias organizações de nossa classe do que do próprio ato. 

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Derrotar Bolsonaro é urgente. E vai nos exigir muito mais do que estamos fazendo. Precisamos ao menos de um programa econômico sólido para os trabalhadores e um esforço ainda maior de organização de amplos setores dos trabalhadores precarizados. 

Frente ao desemprego, ao trabalho sem direitos e super precário é preciso apresentar saídas. De um modo torpe é isto que Bolsonaro faz, apresenta uma saída – a possibilidade de individualmente cada trabalhador buscar meios de sobrevivência. Implicando que às medidas monetárias de recuperação da economia e mais o fim do isolamento poderiam ser suficientes para retomar os empregos. Esta é uma saída falsa, é verdade, mas está colocada na mesa com força.

A esquerda e o conjunto das organizações da classe precisam consolidar outra proposta concreta de saída para a crise. Precisamos discutir abertamente propostas imediatas. Seguem algumas para o debate:

1 – Nacionalização imediata de todos os setores estratégicos da economia, principalmente aqueles que permitem a influência direta no preço das mercadorias que fazem parte da cesta de consumo dos trabalhadores. 

Setor elétrico: nacionalizar a produção, transmissão e distribuição de energia elétrica tanto para o consumo produtivo quanto para o consumo urbano; 

Setor de petróleo e gás: nacionalizar toda a extração de petróleo e gás, a produção de derivados e sua distribuição. Reverter com isso às privatizações dos campos de petróleo, e a política de preços da Petrobrás;

Setor de infraestrutura: reverter às concessões ao setor privado do setor de infraestrutura, estradas, ferrovias, portos e aeroportos;

Produção de alimentos: nacionalizar toda a produção massiva de alimentos;

Produção de máquinas e equipamentos: nacionalizar todo o setor de produção de máquinas e equipamentos industriais; 

A expropriação dos capitais desses setores chaves permitiriam uma maior influência na economia. Com isso, podemos baixar os preços da cesta de consumo dos trabalhadores dando maior valor aos salários. 

2 – Nacionalizar todo o setor da saúde para reunir esforços para combater a pandemia do coronavírus, permitindo ampliar às condições para tratar os trabalhadores infectados.

Indústria farmacêutica: quebrar a patente de todos os medicamentos, expropriar os capitais do setor e nacionalizar a produção. 

Indústria de equipamentos médicos e materiais de saúde: nacionalizar toda a produção e converter às plantas industriais de produtos não essenciais para contribuir na produção de equipamentos de proteção aos trabalhadores, respiradores e outros materiais necessários. 

Planos de saúde e hospitais privados: nacionalizá-los e integrá-los ao Sistema Único de Saúde, com incorporação dos trabalhadores. 

3 – Taxação de fortunas, impostos sobre lucros e dividendos, limite de remuneração de salários, indenizações, etc no aparelho do Estado. 

Taxação de fortunas e impostos sobre lucros e dividendos: fazer que os empresários e capitalistas e paguem sua conta na crise. Taxar grandes fortunas, criar impostos sobre veículos de luxo como lanchas e helicópteros, e principalmente taxar os rendimentos dos empresários por meio de lucros e dividendos. 

Limitar a remuneração de servidores públicos: ainda que a ampla maioria dos servidores públicos não tenha grandes salários, há uma pequena parcela que se locupleta do aparelho do Estado, como juízes, políticos, altos oficiais militares, dentre outros. É preciso estabelecer um limite que seja razoável para a remuneração dos servidores em todos os poderes e em todos entes (união, estados e municípios).  

4 – Suspender o pagamento de juros e realizar a auditoria da dívida pública. E em conjunto revogar a Emenda Constitucional 95 que limita os gastos do Estado com as política sociais. 

5 – Combater a informalidade, proibir a terceirização das atividades. Pela proteção efetiva dos trabalhadores. Reconhecer que os trabalhadores de aplicativos tem relações de trabalho com as empresas. 

6 – Indenizar os trabalhadores indispensáveis para manter o isolamento social. Todos os trabalhadores que estão enfrentando o perigo da contaminação pelo coronavírus merecem nossa solidariedade – e isto se faz de duas formas: mantendo o isolamento daqueles setores que não são essenciais nesse momento e indenizando os trabalhadores que estão se arriscando. E isto diz de todos, não apenas os trabalhadores da saúde: caminhoneiros, trabalhadores de supermercados e farmácias, entregadores, entre outros. 

Estas são algumas medidas que podem ser contrapostas efetivamente às tentativas de combater a crise achacando os trabalhadores e salvando os grandes empresários, como às medidas do Banco Central e a Emenda à Constituição do “orçamento de guerra”. Precisamos de uma economia que possa ser colocada a serviço da vida.

Leia também: A precarização do trabalho em tempos de coronavírus

Derrotar Bolsonaro é crucial para parar sua sanha golpista e implementar um programa econômico que não imponha aos trabalhadores o cálculo macabro que o governo quer que façamos: o contágio ou às endividamento massivo e a fome. Nesse sentido, o pedido de impeachment é, em minha opinião, sim importante. 

Mas, não podemos nos fiar no congresso de Rodrigo Maia, ou mesmo criar expectativas nas queixas crime que circulam na procuradoria da república e no supremo tribunal federal. Mesmo que eles possam ir adiante, não é nos termos da direita que sua queda pode significar algo positivo para a classe trabalhadora. 

Além disso, Bolsonaro aposta em ampliar a sua base entre os trabalhadores. Principalmente, nos setores mais precarizados: desempregados, informais, autônomos, com baixos salários. Setores nos quais a presença da esquerda e das organizações da classe é quase inexistente. E esses são setores massivos no Brasil. Sem os informais, os precarizados, os trabalhadores do comércio, motoboys e demais trabalhadores de aplicativo,  desempregados, caminhoneiros, autônomos, trabalhadores de restaurantes, terceirizados poderemos fazer muito pouco.  

Foto: Bolsonaro discursa para manifestantes em Brasília, 19/04/2020; Evaristo Sá; AFP

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