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Opinião

Viva UFRJ?

20 de dezembro, 2019 Atualizado: 12:34

Doralice Dias* – Redação UàE – 20/12/2019

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro está em curso um projeto em conjunto com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de abertura de terrenos da Universidade para a iniciativa privada realizar o que for mais lucrativo: de shoppings à hotéis. Como se já não fosse suficiente, a “contrapartida” é dita in natura, isso porque as empresas concessionárias ficarão responsáveis pela construção e manutenção de equipamentos para a Universidade como Restaurantes Universitários e moradias estudantis. Assim, além da cessão de terrenos para a iniciativa privada, ainda estão doando instrumentos de assistência estudantil para que ela gerencie por tempo indeterminado.

O debate em torno do tema iniciou em 2017 e consolidou o projeto “Viva UFRJ”. O BNDES foi integrado para realizar o financiamento inicial e contratar empresas que façam o estudo prévio na área e as previsões de contrapartidas. Assim, o banco contratou um consórcio liderado pelo Banco Fator como consultora para propor o uso do terreno e o tipo de cessão. Já nessa primeira etapa, a UFRJ possui uma dívida de 8 milhões com o banco, por conta do que chamam de serviços técnicos e propaganda. Quando e se for firmado o primeiro contrato, a Universidade pagará essa quantia como prioridade. Afirmam que todas as decisões passaram pelo Conselho Universitário, mas adquirir uma dívida de 8 milhões com um projeto que ainda não foi debatido? Como saber se é isso que a comunidade universitária deseja?

O plano funcionaria da seguinte maneira: 485 mil m² de terrenos da UFRJ na Praia Vermelha e da Cidade Universitária estarão abertos para uso da iniciativa privada. A cessão poderá acontecer por meio da concessão ou pela constituição de um fundo imobiliário por até 50 anos. No primeiro caso, se concede o espaço público da Universidade à empresa privada, sem estar explicitado ainda se será gratuito ou não, como acontece hoje com bancos e lanchonetes. O segundo caso é mais inusitado. Na criação de um fundo imobiliário, o terreno poderá ser dividido entre diversos acionistas, sendo o ativo o terreno público. Essa modalidade abre espaço para a pura especulação imobiliária na Universidade. Como um shopping, um hotel de luxo, um cemitério vão impactar na Universidade? Qual a utilidade desses empreendimentos para a vida universitária? Empreendimentos como esses não deveriam ser de bom uso do corpo universitário, que em grande parte não mora na zona sul carioca? 

 Sobre o Plano Urbanístico

Fonte: AEIF – UFRJ – Apresentação COMPUR 

Fonte: AEIF – UFRJ – Apresentação COMPUR 

O Projeto de Lei Complementar proposto pela grupo de trabalho Viva UFRJ propõe criar a  Área de Especial Interesse Funcional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – AEIF UFRJ. A proposta se estende ao Campus Praia Vermelha, no bairro Botafogo, e à Cidade Universitária, no Fundão, mas claramente existe um interesse muito maior no primeiro, por se situar na Zona Sul do Rio de Janeiro. 

Como se percebe nas simulações apresentadas da Praia Vermelha, a maior parte do terreno (todos os prédios amarelos representados) seriam concedidos à iniciativa privada. Com incentivo de áreas verdes e logradouros públicos, metade do campus estaria fora da gestão interna da Universidade. O prédio em azul, a contrapartida, é aproximadamente um quinto do terreno todo e dentro das experiências reais de contrapartida com o setor imobiliário em Operações Urbanas, o cenário provável é que nunca exista.

Hoje o campus da Praia Vermelha comporta, além dos equipamentos da Universidade, um Instituto de Psiquiatria e a Casa da Ciência e de acordo com a legislação naquela área só é permitido uso residencial, descontando as atividades acadêmicas. A proposta do Viva UFRJ é alterar os parâmetros de uso e ocupação do solo, o expandido para comércios e serviços. Acompanhado disso, a operação interligada, específica do Campus Praia Vermelha, é uma proposta de alteração de gabarito dos prédios representados em amarelo, referentes à cessão. Na minuta apresentada, o projeto define que aqueles que construírem acima de 6 andares (20 metros) poderão chegar à 16 andares se pagarem valor maior.

O projeto foi apresentado em novembro no Conselho Municipal de Política Urbana (Compur), onde a federação dos moradores da cidade se queixou sobre a falta de discussão em torno do projeto. Pelos relatos, as apresentações são feitas e não existe espaço para perguntas e debates. Ainda, atropelando até o Consórcio contratado pelo BNDES, a prefeitura de Crivella já está concluindo o projeto de lei em relação ao uso do solo sem nem mesmo os estudos serem concluídos. O que está claro é que o investimento será grande em propaganda e que isso será suficiente. Enquanto falsificam espaços democráticos o projeto já está sendo aprovado na Câmara.

A saída da precarização para o empresariamento das Universidades

Precisamos reafirmar, apesar da barbaridade que significa esse projeto na UFRJ, que ele não está isolado do projeto de privatização das Universidades públicas. Um aspecto pouco comentado sobre o programa Future-se, apresentado pelo governo em 2019, é o item 4: do fomento. Nesse parágrafo da minuta, a semelhança fica clara: “Para dar cumprimento ao contrato de gestão, a União e as Ifes poderão fomentar a organização social por meio de repasse de recursos orçamentários e permissão de uso de bens públicos. A Secretaria de Patrimônio da União transferirá a administração de bens imobiliários para o Ministério da Educação, com a finalidade de constituir fonte de recursos para o FUTURE-SE. ”

Assim, conseguimos perceber que o projeto de Estado para as Universidades é o empresariamento, que vão justificar em cima de sua precarização. Esse ponto do programa significa que, para pagar as Organizações Sociais, o Patrimônio da União será doado ou cedido à elas. A União possui terrenos em diversos bairros que valem ouro no Brasil, e em vez de investir em equipamentos de uso público, o projeto é torná-los em equipamentos de luxo, os mais rentáveis possíveis. Essa política reafirma que o projeto de Estado é de dissolução das Universidades públicas como temos hoje, não seu desenvolvimento e expansão. 

A estratégia para isso nos últimos anos é o orçamento insuficiente das Universidades, fazendo com que as parcerias público-privadas se tornem justificáveis para o seu funcionamento. É necessário entender o crescimento dos monopólios da educação privada e sua longa caminhada em direção ao ensino público. Por isso, as reivindicações devem ser contra o programa Viva UFRJ, mas por ele fazer parte de toda a precarização e privatização das Universidades públicas, por uma luta por todo o dinheiro de volta à educação pública.

Qual a situação orçamentária na UFRJ para 2020?

A UFRJ iniciou o ano de 2019 com um orçamento de 3,3 bilhões definido pela Lei Orçamentária Anual (LOA). No meio do primeiro semestre, em maio, assim como as outras Universidades Federais do país, se deparou com um bloqueio orçamentário de 30%. Assim, no meio do ano, o orçamento para manter a instituição foi de 3,3 bilhões para 2,3 milhões aproximadamente.

O bloqueio de recursos resultou durante o ano de 2019, na UFRJ, em um imediato corte de serviços, entre eles: uso de veículos oficiais, suspensão de viagens e saídas de campo, redução dos quadros de auxiliares de processamento de dados, suspensão do contrato de serviços de manutenção externa (demitindo terceirizados), entre outros. No entanto, em agosto, a reitoria anunciou que com a manutenção do bloqueio, não conseguiriam pagar os contratos de limpeza e vigilância.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) prevê um valor repassado ao Ministério da Educação 18% menor que o de 2019. A média geral do corte nas Universidades em 2020 será de 7,4%, sendo que apenas 16 universidades das 68 terão um corte maior que a média, e a UFRJ é uma delas. Nesse caso, o orçamento de 2020 terá um corte de 24% se comparado ao orçamento 2019 da LOA, se mantendo um um teto de 2,3 milhões, e ainda, sem corrigir a inflação.

De acordo com o Pró-Reitor de Finanças da UFRJ, em entrevista para o Sintufrj, a situação está “administrada”, ou melhor, não vão parar o semestre por enquanto. Mas ele mesmo alertou que o orçamento de investimento na Universidade, por exemplo, que contém a manutenção dos prédios, está bloqueado em 7 milhões: “não dá nem para começar a conversar sobre as nossas obras inacabadas”. O Pró-Reitor entende, apoiando o projeto Viva UFRJ, que uma Universidade que não consegue manter os próprios prédios e tem que procurar recursos através de iniciativas privadas é uma “situação administrada”. 

A mobilização na Universidade

Aparentemente, as três categorias da UFRJ ainda não deram respostas à altura do projeto Viva UFRJ que está sendo proposto por setores da Universidade e pela Prefeitura. Com dois anos de projeto em andamento, nenhuma luta efetiva pareceu se organizar em defesa do caráter público do Campus da Universidade. No Sintufrj, sindicato dos técnicos, a dirigente Neuza Luzia afirmou que é necessário que a Universidade tenha controle do projeto e que aconteça de maneira transparente. O Andurj, sindicato dos docentes, rejeitou o estado de greve do Andes para 2020 e está planejando discussões sobre o projeto Viva UFRJ no ano que vem.

O DCE da UFRJ, no início do mês, lançou uma nota afirmando que irão reunir os estudantes no início do semestre de 2020 para discutir uma posição unitária em relação ao Viva UFRJ. No entanto, já posicionaram problemas graves no projeto, onde afirmam que a cessão dos terrenos só está acontecendo por uma falta de verbas da Universidade, e esse é o real problema, dessa maneira o projeto é uma solução paliativa. Ainda alertam sobre o risco de negociação de espaços essenciais que não estão ociosos como o Instituto de Psiquiatria, a Casa da Ciência, o campinho e o Instituto de Neurologia. Por fim, entendem que as contrapartidas são sempre sedutoras, mas dificilmente se efetivam, não existe segurança nesse aspecto. 

Os docentes responsáveis pelo projeto afirmam que, por conta das discussões necessárias, estão olhando para um processo que vai demorar entre três e quatro anos para se efetivar, se efetivar. Mas sabe-se, e a Prefeitura está dando exemplos concretos disso, que o processo participativo é apenas uma fachada para que seja aprovado mais rápido. Sim, apresentamos 100 vezes o projeto, todos estão sabendo. Mas uma apresentação de slides sem debate é um processo democrático?

É preciso que se crie um movimento na UFRJ que consiga dar um basta à situação, se negando à forjarem sua autonomia universitária e decidindo seus próprios rumos. Para isso, é necessário que as três categorias estudem o projeto Viva UFRJ e que disseminem para todos os membros da comunidade universitária os caminhos que estão tomando, o caminho que a Universidade pública está tomando. 

*Os textos de debate são de responsabilidade dos autores e podem não refletir a opinião do jornal

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