Notícia
CPI das Universidades apresenta projeto de privatização para as estaduais paulistas
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Universidades instaurada em abril de 2019 para investigar as estaduais de São Paulo (Unicamp, Unesp e USP), com a justificativa de fiscalizar e identificar irregularidades na gestão dessas instituições, proposta e presidida pelo deputado Wellington Moura (PRB), apresentou na última terça-feira (5) relatório final na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
Apesar de se apresentar com o objetivo de investigar a utilização de verbas públicas nas universidades paulistas, desde o início houve desconfiança sobre o papel que a CPI de fato buscava cumprir. Dentre estudantes e servidores públicos das universidades, houve a desconfiança de que a CPI cumpriria um papel de perseguição política, tendo em vista as declarações de Wellington Moura sobre a CPI servir também para investigar suposto aparelhamento ideológico nas universidades e de que analisaria como as questões ideológicas estão implicando no orçamento das universidades. A primeira sessão da CPI, em 24 de abril, foi marcada por grande manifestação de estudantes e alguns membros da comissão.
Na semana passada, foi aprovado na Alesp o relatório final da CPI, o qual sugere cobrança de mensalidade nas três estaduais de São Paulo. O texto foi redigido pela deputada Valéria Bolsonaro (PSL) e recomenda que a cobrança seja para aqueles que “se situam no quinto mais elevado da pirâmide de distribuição de renda do país”, com a justificativa de que há uma discrepância entre quem financia as universidades e quem estuda nelas. Porém, pesquisas realizadas nas universidades estaduais de São Paulo mostram que, em 2019, 41,8% dos estudantes que ingressaram na USP, por exemplo, são oriundos de escolas públicas.
As estaduais de SP hoje são mantidas pelo repasse de 9,57% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
A cobrança de mensalidade aparece como uma das sugestões do relatório para que as universidades estaduais encontrem novas formas de gerar receita, além do dinheiro público que recebem. Outras sugestões são a criação de fundo patrimonial para viabilizar doações, concessão de espaços dos campi para a iniciativa privada, cobrança de estacionamento de automóveis, aumento do número de trabalhadores terceirizados e alienação de propriedades inutilizadas.
Percebe-se uma semelhança no que é proposto pela CPI com relação à diversificação do financiamento do sistema educacional das universidades estaduais com o que é proposto pelo Programa Future-se para as universidades e institutos federais.
No relatório da CPI é sugerido a criação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para aumentar a fiscalização de repasses de verba pública para as universidades “a fim de identificar, corrigir e responsabilizar todos os agentes que tenham incorrido em práticas ilícitas contra o erário”. Para passar a valer, a PEC precisa ser aprovada em duas votações por pelo menos 3/5 dos 94 membros da Alesp (57 deputados precisam ser favoráveis).
Além disso, o relatório propõe regulamentos disciplinares para punir estudantes, docentes e funcionários envolvidos em “casos de vandalismo ou depredação” de bens das universidades e “que sofram danos em decorrência de paralisações, greves e outros sinistros”.
Diante da aprovação do relatório na Alesp, os reitores da USP, Unesp e Unicamp se manifestaram com relação às denúncias feitas às instituições para embasar as sugestões da CPI.
Em nota, o reitor da USP, Vahan Agopyan, disse que o relatório “não aponta qualquer situação comprometedora para o funcionamento de nossa universidade […]. Faz menção a alguns casos administrativos pontuais, que podem ser facilmente esclarecidos, muitos dos quais são resultado da falta de familiaridade com o funcionamento de uma instituição de ensino e pesquisa”.
No texto do relatório, a Unesp é acusada de irregularidades no pagamento recorrente de diárias em quantia superior a 50% dos salários de dois servidores. Sobre isso, a Unesp, em nota, declarou que “há normas internas da Universidade que regulamentam de forma rigorosa o pagamento de diárias, em respeito às leis em vigor […]. Tais normas não fazem relação do montante total pago relativo a diárias com o salário do servidor […]. Sobre este e outros assuntos, a Universidade prestou todos os esclarecimentos necessários à CPI e, ao longo dos seis meses de comissão, acredita ter demonstrado aos deputados o quanto preza pela transparência tanto de suas contas quanto de sua rotina e atos administrativos”.
Marcelo Knobel, atual reitor da Unicamp, diante da acusação de que a instituição possui falhas no Portal da Transparência, declarou que as informações que constam no relatório final estão desatualizadas. Ele afirmou que “do momento em que foi feita a conversa lá [na CPI] até agora, o portal melhorou significativamente” e que no momento todas as informações estão lá acessíveis. “A CPI encontrou alguns detalhes e fatos que são mencionados [no relatório], mas nenhuma questão que possa dizer que temos procedimentos equivocados ou que tenha feito algo de errado […]. Foi uma oportunidade de as universidades mostrarem o que fazem, de forma muito cuidadosa, e que são importantes para o estado e para o país”, afirmou o reitor.
O relatório final da CPI aprovado na Alesp, através de suas sugestões imediatas relativas à administração das universidades estaduais, representa um avanço no projeto de privatização das instituições de educação pública e de um ataque à produção de conhecimento com direito à crítica e ao livre pensar. O relatório final deve ser publicado no Diário Oficial nas próximas semanas e discutido em sessão de Conselho Universitário nas universidades.