Jornal socialista e independente

Cláudio Ribeiro

Cláudio Rezende Ribeiro é professor da FAU-UFRJ (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) onde atua com ensino de urbanismo, meio ambiente e história da cidade na graduação e no Programa de Pós-graduação em Urbanismo – PROURB/FAU/UFRJ. É pesquisador do Laboratório de Direito e Urbanismo e participa do coletivo PERIFAU. Foi presidente de seção sindical do Andes-SN na UFRJ, a Adufrj-ssind de 2013 a 2015, e integrou a a diretoria nacional deste sindicato de 2016 a 2018. Defende uma universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada. Acredita que a cidade só se realiza no conflito.

Sobre as novas formas de não lutar

18 de maio, 2022 09:20

Sobre as novas formas de não lutar[1]

Horácio: Ó dia, ó noite! Isso é espantosamente estranho!

Hamlet: Portanto, como estranho, deve ser bem recebido.

Há mais coisas no céu e na terra, Horácio,

Do que sonha a tua filosofia.

Mas, vamos lá;

Aqui, como antes, nunca, com a ajuda de Deus,

Por mais estranha e singular que seja minha conduta –

Talvez, de agora em diante, eu tenha que

Adotar atitudes absurdas –

Vocês não devem jamais, me vendo em tais momentos,

Cruzar os braços assim, mexer a cabeça assim,

Ou pronunciar frases suspeitas,

Como “Ora, ora, eu já sabia”, ou “Se nós quiséssemos, podíamos”,

Ou “Se tivéssemos vontade de, quem sabe?”

Ou “Existem os que, se pudessem…”

Ou ambiguidades que tais pra darem a entender

Que conhecem segredos meus. Não façam nada disso,

E a graça e a misericórdia os assistirão

Quando necessitarem. Jurem.

(Shakespeare[2], 2011, p.40-41)

Não deve existir spoiler para uma história com mais de 400 anos. Hamlet é assombrado pelo fantasma de seu pai, que assombra o castelo para revelar seu assassino ao filho, colocando o jovem em busca de uma vingança contra seu tio Cláudio, que se apossou do trono ao matar seu pai. A trajetória de Hamlet envolve toda a corte, de amigos leais a traidores, de companhias de teatro a cadáveres, de uma jovem oprimida a seus pais opressores. Em meio a um clima permanente de desconfiança, violência e loucura, a história termina com uma épica cena em que quase todos morrem (quem é Tarantino na fila do pão?) e com a chegada triunfal de Fortinbrás, um jovem que vivia uma história semelhante de assassinato de seu pai, rei da Noruega, mas desta feita pelo pai de Hamlet, e que batalhava para retomar seu reino, conseguindo o feito ao assumir um trono vazio sem muitos esforços cênicos ao encontrar o vácuo do poder de uma corte cadavérica.

Por favor, leiam a peça! Assistam às montagens cinematográficas (indispensável a de Kenneth Branagh) e, obviamente, vão ao teatro. Vocês encontrarão muito mais do que o breve (e simplório) parágrafo inicial deste texto. Hamlet é uma peça densa, irônica, inesgotavelmente divertida. Mas leiam logo! Antes mesmo de ler aquele próximo texto de Marx, de Engels, ou aquele outro do Florestan… A leitura é urgente para entender o cenário atual do debate eleitoral brasileiro porque me parece, cada vez mais, que a esquerda acha que persegue aquele fantasma que rondava a Europa, mas na verdade encontra-se assombrada por um rei da Dinamarca morto (vai ver é coisa da Opus Dei).

A esquerda hegemônica, incluindo o fortalecido PSB, tem adotado atitudes absurdas que também não podem ser comentadas nem apontadas, e ninguém pode dizer que conhece seus segredos… Mesmo quando não são segredo algum[3]!

Uma das partes mais instigantes desta obra de Shakespeare é quando uma companhia teatral passa pelo reino e Hamlet encomenda-lhe uma peça, solicitando a inclusão de algumas falas que são a exata encenação do assassinato de seu pai. O Rei, suando frio ao ver aonde a trama chegaria, pergunta ao príncipe “Você já conhece o argumento? Não há nenhuma ofensa?”; “Não, não, eles brincam, apenas; envenenam de brincadeira; absolutamente nenhuma ofensa” responde o jovem Hamlet. Mas quem foi que não se sentiu ofendido, ou quem foi que acreditou que o veneno era placebo ao ouvir as seguintes palavras proferidas há pouco tempo em outra encenação: “A luta sindical deu ao Brasil o maior líder popular deste país. Lula! Lula! Viva Lula! Viva os trabalhadores do Brasil”. A fala, vocês devem ter reconhecido, é de Geraldo. Quem não se espantou com a cena, quem não pronunciou frases suspeitas, ambiguidades? Quem não se revoltou com tanto cinismo, quem não perdeu a (já baixa) vontade de fazer campanha, quem não repensou seu voto, pelo menos no primeiro turno, quem não se viu com a tarefa de dizer: NÃO!? Mas o que prevaleceu foi, assim como na outra encenação: “Não façam nada disso/E a graça e a misericórdia os assistirão/Quando necessitarem. Jurem.”

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