O Conselho Universitário da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) revogou o título Doutor Honoris Causa de Jarbas Gonçalves Passarinho, articulador do golpe de 1964, ministro da educação durante a ditadura militar e signatário do Ato Institucional n.º 5.
A anulação da honraria foi aprovada nesta terça-feira (28) por todos os 74 conselheiros presentes. Era preciso ao menos 52 votos favoráveis para aprovar a revogação da honraria.
Para Maria Silvia Viccari Gatti, professora e presidenta da ADunicamp, o título Honoris a Passarinho contradiz o propósito da honraria, que, segundo estatuto da Unicamp, é conferido a “pessoas que tenham contribuído de maneira notável para o progresso das Ciências, das Letras ou das Artes ou ainda aos que tenham beneficiado de forma excepcional a humanidade ou tenham prestado relevantes serviços à Unicamp”.
Caio Navarro de Toledo, professor da Unicamp, salienta que com a revogação do título “a comunidade da Unicamp busca ser consequente com as conclusões e sugestões da Comissão Nacional da Verdade e, em particular, da Comissão de Verdade e Memória da Unicamp”.
A Comissão Nacional realizou moções pela revogação de tais honrarias sob argumento de que, na verdade, elas constituíram-se de manobras políticas para conseguir a simpatia do regime, uma vez que o país vivia sob o medo e a intimidação, especialmente nos meios acadêmico, cultural, político e sindical.
A revogação do título foi pautada pela primeira vez na Unicamp em 2014. Na época, porém, o Conselho Universitário vexatoriamente decidiu pela não revogação. Era preciso 2/3 dos votos do Conselho (equivalente a 50 votos, na época), mas apenas 49 conselheiros votaram pela revogação, dez se abstiveram e outros dez votaram contra.
Matheus Alves Albino, representante dos estudantes da pós-graduação, lembra que meses após a recusa da Unicamp em revogar o título a Passarinho, a Comissão Nacional da Verdade concluiu seus trabalhos. Tanto ela quanto comissões locais, como a da Unicamp, confirmaram que Jarbas Passarinho foi um conspirador militar que deu suporte do golpe e defendeu a aprovação do AI-5.
“A história da Unicamp (…) não pode ser maculada por homenagens a apoiadores da ditadura”, afirmou Albino na reunião do Conselho que aprovou a revogação.
Antonio José de Almeida Meirelles, reitor da Unicamp, lembra que durante a ditadura o Conselho Universitário da Unicamp era reduzido a mero conselho diretor, o que facilitava as intervenções externas do governo.
“Ao revogar esse título estaremos fazendo a reparação histórica daquela decisão, deixando claro que ela foi então tomada, em 1973, em função do contexto, não tendo nenhuma relação com os meritos necessários”, afirmou o reitor instantes antes de abrir para a votação.
A revogação do título entrou novamente em pauta após uma campanha organizada pelas entidades gerais da comunidade da Unicamp. Estiveram na campanha a Adunicamp (Associação dos docentes da Unicamp), Associação de Pós-Graduação (APG), o Diretório Central dos Estudantes (DCE) e o Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU).
A campanha foi lançada no dia 8 de junho deste ano. O movimento foi o ponto de partida para pressionar o Conselho Universitário a pautar novamente a matéria e revogar o título concedido, em 1973, para então Ministro da Educação do governo Médici.
Honoris causa é um título de reconhecimento normalmente atribuído a personalidades de projeção nacional ou internacional. Passarinho não é digno desse mérito.
Enquanto ministro do Governo Militar, Jarbas chegou a receber mais de 10 títulos de Doutor Honoris Causa outorgados por universidades brasileiras. Além da Unicamp, concederam o título a Jarbas universidades como UFRJ e UFRN.
Além de ser um dos articuladores do golpe militar-empresarial de 1964, Jarbas, enquanto Ministro da Educação (1969-1974), perseguiu professores e estudantes críticos ao regime, aposentando compulsoriamente pesquisadores e docentes, além de intervir e desmantelar universidades públicas.
Em abril deste ano, a UFRJ revogou o título dado a Jarbas. A relatora da proposta afirmou que “revogar esse título é estar ao lado da democracia e reafirmar o papel da UFRJ na história”.
Jarbas ficou conhecido por defender sem hesitação o ato mais duro do governo ditatorial. Em reunião que instituiu o AI-5, Passarinho defendeu a medida dizendo “às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”.
Jarbas morreu defendendo o regime ditatorial e as truculências do regime. Em 2010, em entrevista, afirmou: “com as mesmas condições, eu assinaria hoje. Nas mesmas circunstâncias, eu assinaria hoje. Porque quando o AI-5 foi feito, foi uma resposta às guerrilhas”.
No dia 3 de março deste ano, a Congregação da Faculdade de Educação da Unicamp reiterou sua posição de repúdio à concessão do título a Jarbas — já manifestada em 2014. A congregação também declarou apoio ao abaixo-assinado proposto pelo professor Caio Navarro de Toledo.
O abaixo-assinado, encaminhado à Diretoria da Adunicamp, exigia o retorno da pauta nos debates do Conselho. O documento teve assinatura de 424 docentes da Unicamp até dia 12 de maio. Em consequência a essa pressão dos docentes, em junho, as entidades gerais da Unicamp anunciaram o lançamento da campanha pela revogação do título de Jarbas.
O abaixo-assinado da campanha pode ser acessado aqui.