O governo federal confirmou, na terça-feira (16/03), a inclusão da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) no Programa Nacional de Desestatização (PND) após reunião entre os ministros que integram o Conselho do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A EBC é uma empresa pública responsável por gerir emissoras federais de rádio e TV, além de manter uma agência pública de notícias, a Agência Brasil.
Estudos técnicos sobre o modelo de privatização da estatal serão realizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A previsão da privatização é para daqui há dois ou três anos, de acordo com o secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura, da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade (Sepec), Diogo Mac Cord.
Em resposta, funcionários da estatal criaram o movimento “Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública”, e publicaram uma nota em repúdio à decisão de Jair Bolsonaro. De acordo com o movimento, a intenção de privatizar a empresa é “equivocada por inúmeros aspectos”. Afirmam a inconstitucionalidade de tal proposta, uma vez que a Carta Magna prevê, em seu artigo 223, a existência dos sistemas público, privado e estatal; e refutam a alegação de que a Empresa daria prejuízo ou déficit, uma vez que se trata de uma “empresa pública dependente, e não autossuficiente como Correios ou Banco do Brasil. Embora ela consiga arrecadar recursos com patrocínios e prestação de serviços, suas fontes de financiamento não servem e nunca servirão para torná-la autônoma, já que ela não deve se tornar refém do próprio mercado para garantir ainda mais sua autonomia”, diz o texto. (Confira aqui a carta na íntegra).
Em 2020, a EBC recebeu R$ 389,1 milhões por ano da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) e que a própria empresa arrecadou R$ 65,8 milhões por ano em receitas próprias, como a venda de serviços e receitas financeiras de acordo com o Ministério das Comunicações e o PPI.
Leia também: Privatização da Eletrobras avança com a entrega de MP ao Congresso
Leia também: Avanço das privatizações: venda dos Correios vai ao Congresso
Criada em outubro de 2007, durante o segundo mandato do ex-presidente Lula (PT), a Empresa surge quase 20 anos depois da promulgação do artigo 223 da Constituição Federal de 1988, que estabelece que as emissoras de rádio e TV brasileiras devem ser organizadas, de forma proporcional e complementar, em três sistemas: público, privado e estatal.
O desmonte que sofre a EBC em seu caráter público e a fragilidade de sua autonomia em relação ao governo federal ocorre ao longo de anos, com mudanças consideradas inconstitucionais por representantes de coletivos de comunicação e por pesquisadores e especialistas em Comunicação Pública. Desde o governo de Michel Temer, essa precarização vem ocorrendo de várias formas, tal como a extinção do Conselho Curador e a alteração da Lei nº 12.652/2008, que instituiu os princípios da radiodifusão pública e criou a EBC.
As mudanças implementadas por meio da Medida Provisória 744/20164 retiram a garantia do mandato de quatro anos do diretor-presidente, conforme previsto na lei, o que implica a perda de autonomia da gestão – significa, por exemplo, que o governo federal poderá trocar o presidente da EBC a qualquer momento; e a extinção do Conselho Curador, que era formado por 15 representantes da sociedade civil, um representante dos trabalhadores da EBC, quatro do governo federal e um do Congresso – enfraquecendo o caráter público da empresa, deixando-a suscetível aos desmandos do Executivo federal.
O Conselho Curador por exemplo, deveria seguir os princípios e zelar pela autonomia da EBC, acompanhando e orientando a linha editorial dos veículos de comunicação da EBC, com base na Lei nº 11.652/2008 no que dizia respeito à programação, especialmente à parte que se referia às diretrizes educativas, artísticas, culturais e informativas. Também era sua função, quando houvesse deliberação da maioria absoluta de seus membros, emitir voto de desconfiança à diretoria ou a um dos seus integrantes caso a programação estivesse em desacordo com as diretrizes estabelecidas.
Após 100 dias de governo Bolsonaro, no dia 10 de abril de 2019, o Diretor de Operações da EBC, Alexandre Graziani Junior, assinou a Portaria nº 216, unificando as programações da TV Brasil e da NBR em um só canal, que passou a ter também um outro slogan: uma Nova TV Brasil. Com a fusão das duas programações em um só canal, representantes do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC) se pronunciaram e apontaram para a ilegalidade do processo, tendo em vista a própria Lei de criação da EBC (Lei nº 11.652/2008) prevê a produção de programação com finalidades educativas, artísticas e culturais, vedando o proselitismo político.
Desde o início, a radiodifusão pública, no Brasil, foi submetida a interesses políticos, econômicos e privados. Em apenas 10 anos de existência, a EBC encontra-se cada vez mais subordinada às investidas de autoridades governamentais, que visam exercer domínio sobre as emissoras públicas para que se tornem porta-vozes de suas ações.