Porém mesmo com grandes absurdos acontecendo por conta da pandemia sendo denunciados – recordes diários nos números de mortos pela Covid-19, desemprego crescente pelo fechamento de postos de trabalho, fruto de uma crise econômica que já se alarga há tempos somada ao agravamento da crise sanitária, troca-troca no Ministério da Saúde ou mesmo cadáveres pelas ruas de algumas cidades onde os serviços funerários colapsaram, não foram suficientes para seu enfraquecimento.
Não faltam absurdos durante o governo Bolsonaro para além das questões da pandemia e suas consequências, desde a alta do preço da cesta básica aos escândalos de corrupção envolvendo sua família. E mesmo essas questões sendo importantes de serem denunciadas, apenas a denúncia não tem surtido efeito esperado. E aí paira uma questão, a estratégia de denúncias vem funcionando? A pesquisa do IBOPE é um dado que chama atenção para o quanto isso tem sido pouco frutífero em aglutinar o conjunto da classe trabalhadora. E deve servir de alerta, principalmente à esquerda revolucionária.
Uma hipótese é de que alguns grupos políticos percebam que, mesmo almejando alcançar o poder e sendo uma oposição do governo, é necessário deixar algumas reformas catastróficas passarem para ajustar a situação do Brasil de acordo com as necessidades do Capital. Ou seja, melhor que essas reconfigurações passem “na conta” do governo Bolsonaro do que em qualquer outro que se pretenda um pouco menos pior, seja Haddad (PT), Ciro (PDT) ou Alckmin (PSDB) – apenas para citar os principais candidatos que disputaram com Bolsonaro a presidência na última eleição e representam os grupos que continuarão nessa corrida presidencial.
Um exemplo é a destruição dos serviços públicos, proposta na reforma administrativa, não atingirá somente os servidores, mas todos os trabalhadores que acessam os serviços públicos. É um ajustamento para toda classe trabalhadora que implicará no barateamento da força de trabalho, é a saída da crise econômica elaborada por e para a burguesia. E não há, apresentada até agora, uma saída da esquerda para a crise, apenas um tanto de denúncias, obviamente legítimas e necessárias, mas que não bastaram e não bastarão para derrotar politicamente essas ou outras reformas necessárias do ponto de vista do Capital.
O bolsonarismo acertou a temporalidade com a crise sanitária, as manchetes repetidas sobre a contagem de mortos nas últimas horas, dias, meses adaptaram a população brasileira para a espera de sempre se ter um cenário pior. Perdeu-se, com o passar do tempo, o significado do que já perdemos e do que estamos em vias de perder, seja em mortos ou empregos. O susto passaria e passou, e as condições pioradas de vida vem atingindo cada vez mais em cheio as famílias da classe trabalhadora que vão assimilando o discurso que o bolsonarismo fez desde março: é necessário a retomada da economia, mesmo que seja a partir da informalidade e precarização do emprego, redução de salários. Desde meados de maio vemos o apoio às medidas de isolamento caírem.
Outro ponto, ainda que não tenha sido determinante, mas que cumpriu uma função importantíssima, foi a criação e a manutenção do auxílio emergencial. Foi esse auxílio que fez muitos brasileiros conseguirem se alimentar nos últimos meses, mesmo que nas piores situações de vida. Para uma classe marcada pela rotina de trabalhar durante o dia para comer a noite, não faz sentido parar todas atividades econômicas e uma política de distribuição que tem previsão de durar por nove meses não é pouca coisa para quem vem amargando os efeitos da crise econômica e sanitária.
O bolsonarismo, com todas essas medidas, acertou na temporalidade de assimilação, e não só conseguiu naturalizar a situação catastrófica que nos encontramos e subir seu percentual de aprovação. Conseguiu transferir o custo político, tanto do desemprego quanto das mortes, para a oposição que estava fazendo, no início da pandemia, uma dicotomia entre defesa da vida ou da economia, como se fosse possível parar todos setores da economia e defender a reprodução da vida.
Talvez falte em alguns setores um tanto mais discussões de base econômica para direcionar as políticas humanistas, uma vez que essa cisão só conduzirá os movimentos a defesas impraticáveis e até incompreensíveis. Há de se ter disputa nesse campo para conseguir, de fato, alcançar a disputa pelo conjunto da sociedade. E sem qualquer alternativa real, cresce no seio da nossa classe o egoísmo de classe, e assim cresce também o apoio ao governo.
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