A retomada das aulas por meio do ensino a distância é atualmente centro de debates em diversas instituições de ensino do país, com sua implementação já em andamento em várias universidades. Esta proposta chamada de “Ensino Remoto Emergencial” é colocada em tons de urgência e é apresentada como uma “saída inevitável” por parcelas de setores do governo e empresariado, sendo tal discurso já absorvido por grande parte do meio acadêmico. O caráter precário e excludente faz parte de suas marcas atuais, as quais aparecem na rotina diária de estudantes e docentes, que buscam adaptar a este modelo de ensino ao seu cotidiano em contexto pandêmico.
O Universidade à Esquerda realiza atualmente entrevistas e recebe relatos para conhecer e divulgar sobre como está sendo a experiência dos estudantes, professores e técnicos neste momento com o ensino remoto. Caso você queira compartilhar sua experiência conosco e com os demais leitores do jornal, acesse a aba “Painel do Leitor”.
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Enquanto na UFSC a aprovação da implementação do ensino remoto ocorreu no dia 17 de julho, com o início da retomada das aulas para 31 de agosto após os três dias de Conselho Universitário, na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) o cenário foi diferente. As aulas na modalidade EaD foram implementadas desde o dia 22 de junho.
O UàE entrevistou a estudante Amanda Ferreira Beltrame, que cursa atualmente a 8ª fase do curso de Arquitetura e Urbanismo da UDESC, localizado na cidade de Laguna. Confira a entrevista a seguir.
Universidade à Esquerda Como tem sido esse processo de retorno das aulas no seu curso?
Amanda O nosso centro tem feito aulas síncronas e assíncronas, onde tentam manter um percentual de 50% da carga horária para cada tipo de aula. Todas as aulas ficam registradas e temos acesso total para rever tudo o que foi passado anteriormente. Cada professor deixa registrado o que foi passado naquele dia através do Moodle. Não estão fazendo chamada, pois como flexibilizaram o acesso às aulas, cada um assiste quando é mais conveniente. A nossa presença está sendo contabilizada através das atividades que estamos entregando, os quais são geralmente semanais. Em geral, não estão fazendo provas e as atividades possuem o prazo de no mínimo uma semana.
Universidade à Esquerda: A universidade ofereceu algum apoio para garantir as condições de acesso dos estudantes?
Amanda Até onde eu saiba a UDESC enviou um formulário para que as pessoas que não possuem rede de internet possam receber um apoio financeiro para a realização do ensino remoto. Se não me engano era em torno de R$75,00.
Universidade à Esquerda: Como você percebe as dificuldades vivenciadas neste modelo de ensino?
Amanda Nesse período tenho percebido uma grande dificuldade em relação a organização das atividades pois estas têm sido solicitadas quase toda semana, para quase todas as matérias. Dessa forma, sinto sobrecarga devido a essas entregas, as quais não existiam presencialmente. Acredito que os professores estão sempre tentando fazer o melhor que podem, mas muitas vezes ficamos perdidos com o que temos que entregar e como será feita a entrega. Com isso, vem a dificuldade de encontrar os professores e tirar dúvidas com os mesmos. No nosso centro, cada professor possuía o seu espaço de atendimento e assim era mais fácil ter acesso a eles, tendo respostas mais imediatas.
Universidade à Esquerda: No seu curso há espaços para debates sobre o ensino remoto? Você mantém vínculos com colegas e amigos? Se sim, quais os relatos frequentes sobre o ensino?
Amanda Consegui manter contato entre meus colegas e amigos sim, o WhatsApp facilitou muito esse processo. Através do aplicativo, nós estamos sendo sempre informados pelos grupos da universidade e pela própria UDESC, que envia relatórios semanalmente. Os relatos mais frequentes são de ansiedade e frustrações devido as cobranças semanais. Também conversamos muito sobre o tempo que ficamos presos na frente da tela de computador, pois precisamos acompanhar as aulas diárias e desenvolver as atividades que também foram pedidas. Já tivemos dias onde passamos 13 horas na frente do computador. Entre meus amigos e eu, tivemos que trancar matérias que são da fase que estamos cursando, pois não conseguimos acompanhar devido a sobrecarga do currículo.
Foto enviada pela estudante com o relatório do tempo que passou no computador na semana passada (29/07) para realizar as atividades acadêmicas propostas.
Além da sobrecarga das atividades, percebo que há dificuldade na própria realização dos projetos, pois ainda que parte de nossos professores tenham optado por reduzir os projetos por causa do ensino remoto, eles são feitos em sua maioria em grupos devido ao caráter extenso e trabalhoso que exigem. Fica um pouco complicado fazer esses projetos porque como a maioria dos alunos foram para casa, precisamos passar tempo com a família e ajudar nas atividades dentro de casa. Com isso, complica a questão dos horários compatíveis.
Outra coisa que atrapalha é o fato de que como nem todos assistem as aulas nos mesmos horários, pois muitos precisam ajudar trabalhando ou nos cuidados de casa, é preciso esperar colegas para que possamos realizar as atividades até encontrar horários em comum.
E há ainda uma outra questão para além de conseguir encontrar horários entre nós que estamos frequentando as aulas: como o espaço dos laboratórios está fechado atualmente, muitos não conseguem sequer realizar as atividades pois não possuem recursos ou não conseguem instalar softwares necessários para executar os projetos.
Universidade à Esquerda: Ocorreram debates entre estudantes e até mesmo com professores sobre o ensino remoto e o papel da universidade?
Amanda Sim, temos um grupo da nossa turma e também temos um grupo do próprio centro e sempre ocorrem debates referente a como está sendo o ensino em cada fase e como os professores estão levando as atividades e aulas. Eu participo de uma extensão e por esse motivo tenho maior contato com alguns professores e tenho percebido que essa sobrecarga vem dos dois lados, tanto dos alunos quanto dos professores. Nessa extensão, temos encontros semanais e um dos assuntos que geralmente discutimos é como está sendo o ensino para cada aluno.
Percebi que os relatos são sempre os mesmos: muitas atividades semanais; às vezes cobram as atividades para o mesmo dia; problemas de internet, fazendo com que temos que voltar uma parte da aula e discutir novamente; tempos elevados na frente dos computadores causando dores de cabeça, dores corporais, ansiedade, desgastes emocionais. Nos finais de semana muitas vezes não temos tempo para descansar, devido a grande quantidade de atividades solicitadas.
Universidade à Esquerda: Há contraposições ao ensino remoto por parte dos discentes (como organização de boicotes, greves, etc.)?
Amanda Existem algumas contraposições do nosso centro, pois uma grande parcela não está conseguindo acompanhar o ritmo desse ensino remoto. Dentro da minha turma, nos organizamos e fizemos um e-mail para o representante da nossa fase deixando claro quais são algumas dificuldades que temos encontrado. Também já foram feitos alguns formulários para que os alunos pudessem responder referente a como está sendo esse ensino.
*As opiniões aqui expressas são de responsabilidade dos entrevistados e podem não representar a opinião do jornal.