Por Helena Lima, redação do Universidade à Esquerda
16 de abril, 2021 Atualizado: 09:26
No dia 17 de abril de 1996, vinte e um trabalhadores sem-terra foram executados pela polícia militar no município de Eldorado do Carajás, no sul do Pará. Dezenove morreram no local e dois no hospital, outros 79 camponeses ficaram feridos.
Daqueles que morreram no embate, oito foram assassinados com seus próprios instrumentos de trabalho: foices e facões, os outros foram alvejados com 37 tiros.
Naquele momento, cerca de 1500 camponeses impediam a rodovia da BR 155, com o objetivo de marchar até a capital Belém e efetivar a desapropriação da fazenda Macaxeira, em Curionópolis, onde avançava a ocupação de 3500 famílias sem-terra.
A ocupação em Macaxeira estava em negociação com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a desapropriação da terra improdutiva. Mas, além de promessas, nada foi feito, e os trabalhadores decidiram marchar à capital para pressionar o governo do estado.
Concomitantemente, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) iniciou a ocupação da fazenda da Macaxeira sem a desapropriação institucional, e os trabalhadores rurais já estavam preparados para uma repressão.
A federação dos fazendeiros realizava reuniões com o governo do Pará para organizar o massacre. Os proprietários entregaram ao secretário de segurança uma lista com o nome de dezenove coordenadores do MST que deveriam “desaparecer” para “voltar a paz” na região. Mais tarde, o proprietário da fazenda da Macaxeira foi revelado como um dos mandantes do crime.
Ramiro de Souza, 52 anos, acampado na Fazenda Macaxeira, relatou o massacre em 1997: “Íamos para Marabá. Todo mundo estava alegre esperando os ônibus chegarem. De repente começou o tiroteio. Levei um tiro no ombro. Fiquei com medo e corri umas três a quatro horas. Pousei no mato e voltei no outro dia. Eu não quis morrer. Foi uma traição o que eles fizeram com nós”.
Com a decisão do MST de ocupar a fazenda da Macaxeira, acirrando a luta de classes e atacando aquilo que é mais caro aos capitais: a propriedade, as falsas negociações se desmancharam, e os proprietários, sem aviso prévio, utilizaram de todo seu poder coercitivo para aniquilar a luta dos trabalhadores rurais, no esforço de reprimir seus passos.
Dos 155 policiais que assassinaram os sem-terra, apenas dois foram condenados, cumprindo pena em regime domiciliar, os chefes da operação Mário Pantoja e José Maria de Oliveira. O julgamento de todos os oficiais do massacre, que durou anos, foi um palco da completa falta de pudor do Estado e da burguesia. Com a autorização do aparato estatal, saem impunes.
Nos julgamentos, os camponeses foram acusados de terem iniciado o conflito, mesmo sem nenhum policial assassinado, além de serem humilhados de diversas maneiras. No julgamento dos chefes da operação, o MST invadiu o auditório, jogando velas nos policiais, e, naquela noite, alguns trabalhadores rurais ainda foram presos.
A década de 90 foi marcada, também, por outros avanços na violência do aparato militar e policial brasileiro: o massacre do Carandiru (1992), a Chacina da Candelária (1993), a repressão à greve dos petroleiros de 1995 e os massacres de Corumbiara.
O massacre de Eldorado do Carajás completa hoje 25 anos. A fazenda Macaxeira, desapropriada, se tornou assentamento no dia 17 de abril. Hoje, dia 17 de abril, se tornou o Dia Mundial de Luta pela Terra.
“Esta cova em que estás, com palmos medida É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho, nem largo nem fundo É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida É a terra que querias ver dividida”
Chico Buarque, Funeral de um Lavrador.
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