A Reforma Universitária de Córdoba de 1918, na Argentina – cujas raízes se encontram no liberalismo do final do século XIX -, pôs fim ao regime oligárquico que então governava a Universidade Nacional de Córdoba (UNC) e teve um impacto direto na democratização das universidades em toda a América Latina. Durante essa semana, iremos trabalhar com uma série de textos de resgate histórico desse processo, para que possamos nos inspirar naqueles que já lutaram por uma universidade emancipada.
No dia 21 de junho, em meio à greve e ocupação da universidade, o movimento estudantil publicou na Gaceta Universitaria o Manifesto de Córdoba, construído pelos líderes da FUC e redigido por Deodoro Roca, direcionado aos homens livres da América do Sul.
O Manifesto se dedica a tratar de elementos profundos sobre a causa da revolta estudantil, quais seus princípios e qual seu projeto para as universidades públicas da América Latina. Um Manifesto pela autonomia e liberdade das universidades, na tentativa de propor que esse movimento se expandisse por todo o continente.
Trecho do Manifesto:
“[…] A rebeldia estala agora em Córdoba e é violenta porque aqui os tiranos tinham muita soberba e era necessário apagar para sempre a lembrança dos contrarrevolucionários de maio. As universidades foram até aqui o refúgio secular dos medíocres, a renda dos ignorantes, a hospitalização segura dos inválidos e – o que é ainda pior – o lugar onde todas as formas de tiranizar e de insensibilizar acharam a cátedra que as ditasse. As universidades chegaram a ser assim fiel reflexo destas sociedades decadentes que se empenham em oferecer este triste espetáculo de uma imobilidade senil. Por isso é que a ciência frente a essas casas mudas e fechadas passa silenciosa ou entra mutilada e grotesca no serviço burocrático. Quando em momento fugaz abre suas portas aos altos espíritos é para arrepender-se logo e fazer-lhes impossível a vida em seu recinto. Por isso é que, dentro de semelhante regime, as forças naturais levam a mediocrizar o ensino, e o alargamento vital de organismos universitários não é o fruto do desenvolvimento orgânico, mas o alento da periodicidade revolucionária.
[…]
Os acontecimentos recentes da Universidade de Córdoba, com o motivo da eleição para reitor, esclarecem singularmente nossa razão de como apreciar o conflito universitário. A federação universitária de Córdoba acredita que deve fazer conhecer ao país e à América as circunstâncias de ordem moral e jurídica que invalidam o ato eleitoral verificado no dia 15 de junho. Ao confessar os ideais e princípios que movem a juventude nesta hora única de sua vida, quer referir os aspectos locais do conflito e levantar bem alta a chama que está queimando o velho reduto da opressão clerical. Na Universidade Nacional de Córdoba e nesta cidade não foram presenciadas desordens; se contemplou e se contempla o nascimento de uma verdadeira revolução que há de agrupar bem rápido sob sua bandeira a todos os homens livres do continente. Relataremos os acontecimentos para que se veja quanta razão tínhamos e quanta vergonha nos tirou a covardia e falsidade dos reacionários. Os atos de violência, dos quais nos responsabilizamos integralmente, se cumpriam como no exercício de puras ideias. Derrubamos o que representava o anacrônico e o fizemos para poder levantar o coração sobre essas ruínas. Aquilo representa também a medida de nossa indignação na presença da miséria moral, da simulação e do engano arteiro que pretendia filtrar-se com as aparências da legalidade. O sentido moral estava obscuro nas classes dirigentes por uma hipocrisia tradicional e por uma pavorosa indigência de ideais.
[…]
A juventude já não pede. Exige que se reconheça o direito de exteriorizar esse pensamento próprio nos corpos universitários por meio de seus representantes. Está cansada de suportar os tiranos. Se foi capaz de realizar uma revolução nas consciências, não pode desconhecer-se a capacidade de intervir no governo de sua própria casa.
A juventude universitária de Córdoba, por meio de sua federação, saúda os companheiros da América toda e os incita a colaborar na obra de liberdade que se inicia. […]”
Leia o manifesto na íntegra.