Um dos piores momentos da pandemia desde o primeiro caso no Brasil
'A gravidade deste cenário não pode ser naturalizada e nem tratada como um novo normal', diz Fiocruz
Por Flora Gomes, redação do Universidade à Esquerda
26 de fevereiro, 2021 Atualizado: 12:01
Com mais de 10,3 milhões de casos e ultrapassando a marca das 250 mil vidas perdidas, o Brasil atingiu ontem o triste recorde de 1.582 mortes, o maior índice registrado no país. A média móvel, calculada com base nos últimos 7 dias até a noite de ontem (24), foi de 1.150 óbitos diários. Em diversos estados brasileiros, a taxa de ocupação de leitos de UTI ultrapassaram 90%. A incidência de Síndromes Respiratórias Agudas Graves (SRAG) está em níveis altíssimos. O Brasil vem atravessando um dos piores momentos da pandemia da Covid-19 desde o registro do primeiro caso no país.
Em um boletim publicado hoje pela Fiocruz, a fundação apresenta um estudo sobre a situação da pandemia entre as semanas 05 e 07 de 2021. Segundo o documento, as taxas de ocupação de leitos de UTI para Covid-19 no dia 22/02 revelam o pior cenário já observado, tanto pelos níveis quanto pela dispersão no país.
O distrito federal e 12 estados apresentam taxas críticas, superiores à 80%. Das capitais brasileiras, 17 apresentam pelo menos 80% de ocupação As que apresentam piores indicadores são: Porto Velho (RO), com lotação de 100%, Rio Branco (AC), com 88,7%, Manaus (AM) com 94,6%, Boa Vista (RR), com 82,2%, Palmas (TO), com 80,2%, São Luís (MA), com 88,1%, Teresina (PI), com 93%, Fortaleza (CE), com 94,4%, Natal (RN), com 89,0%, Recife (PE), com 80,0%, Salvador (BA), com 82,5%, Rio de Janeiro (RJ), com 85,0%, Curitiba (PR), com 90,0%, Florianópolis (SC), com 96,2%, Porto Alegre (RS), com 84,0%, Campo Grande (MS), com 85,5%, e Goiânia (GO), com 94,4%.
No estudo apresentado pela Fiocruz fica explícita a condição do país nas últimas semanas. Apesar de algumas pequenas variações ao longo das três últimas semanas, nenhum estado apresentou uma queda significativa no número de infectados. Alguns deles, como Rio Grande do Norte, tiveram um aumento significativo no número de casos, ao passo que Acre, Roraima, Pará e Bahia notificaram aumento de óbitos.
Alguns estados apresentam aumento no número de casos de SRAG, que podem significar casos de Covid-19 ou outras doenças respiratórias graves. Segundo o relatório citado, esse quadro é preocupante porque implica em demanda crescente no sistema hospitalar, seja pela doença causada pelo SARS-CoV-2 ou outras. Os estados que apresentaram alta foram: Tocantins,Maranhão,Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. “A gravidade deste cenário não pode ser naturalizada e nem tratada como um novo normal” afirmam pesquisadores da Fiocruz.
Desde a metade do mês de janeiro, as médias diárias ao longo de cada semana epidemiológica tem alcançado pelo menos mil óbitos. Esse nível de transmissão não era registrado desde agosto de 2020. O número de contaminados também tem sido um dos mais altos desde o início da pandemia. Sete dos dez dias com maior número de óbitos no país ocorreram em 2021. Em comparação com o cenário mundial, que em geral tem caminhado rumo a uma diminuição dos casos, o Brasil está caminhando no sentido oposto: crescimento de casos e sem jamais ter abandonado patamares alarmantes.
Ademais dos números preocupantes, a mudança no perfil dos pacientes – cada vez mais jovens, somado à piora dos quadros têm gerado preocupação em especialistas. Em Porto Alegre, em uma das alas de UTI abertas no Hospital Moinhos de Vento, das dez vagas, apenas uma estava ocupada com um paciente com mais de 60 anos. Ainda não se sabe ao certo a razão desta mudança. Indícios apontam que podem ser efeito de novas variantes circulando em território nacional, as festas ocorridas durante o carnaval ou uma consequência do uso generalizado de corticoides na fase pré-hospitalar. Por conta da alta de casos no Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça decretou a suspensão das aulas presenciais da rede pública de ensino em Porto Alegre.
O colapso generalizado também tem atingido a rede privada. Na capital paulista, o hospital Albert Einstein alcançou hoje (26/02) 104% da ocupação de leitos de UTI, o que implica na formação de filas para internação. Ontem (25/02), dos 70 pacientes que buscaram o pronto socorro do hospital, 25 precisaram ser internados por conta da Covid-19. Em Santa Catarina, mesmo com a ocupação de leitos em torno de 90%, as aulas presenciais na rede pública foram mantidas. As restrições decretadas hoje (26/02) atingiram o horário de funcionamento e lotação de igrejas, parques, ônibus e o comércio em geral apenas nos próximos dois finais de semana. No interior do estado, o prefeito de Xanxerê realizou ontem uma transmissão ao vivo pedindo “socorro” ao governo federal e estadual, por conta da situação calamitosa dos hospitais na cidade do oeste catarinense.
No Paraná, o secretário da Saúde, Beto Preto, afirmou no início da semana que o estado está em “colapso iminente”. Apenas uma das quatro macrorregiões do Pará está com menos de 90% das UTIs ocupadas.
No nordeste, a Bahia tem enfrentado filas de pacientes por vagas nas UTIs. Na capital, dos 14 hospitais que atendem pelo SUS, 6 já estão com taxa de ocupação de UTI com 90% ou mais. O governo estadual e a Prefeitura de Salvador decretaram restrição total das atividades não essenciais das 17h de hoje (26/02) até às 5h de segunda-feira (01/03). O decreto também suspende por dez dias as cirurgias eletivas nas redes públicas e privadas.
Apesar do cenário, a vacinação segue a passos lentos o Brasil. Menos de 3% da população recebeu ao menos a primeira dose.
Ainda que os dados representem o resultado do comportamento de pessoas em território nacional, é necessário levar em conta que o Estado brasileiro nunca se comprometeu com um lockdown efetivo que assegurasse aos trabalhadores a necessidade de permanecer em casa durante a pandemia, e, assim, poder diminuir a circulação de pessoas na rua.