A cobertura realizada pela mídia burguesa tem destacado a irregularidade das ocupações na Vila Baiana, que sobe a Serra do Mar, caracterizando como uma ocupação “desordenada”. A ocupação, que iniciou nos anos 1990 com imigrantes do nordeste — especialmente do estado da Bahia — conta com aproximadamente 800 famílias de trabalhadores da construção civil, ambulantes ou que estão trabalhando nos condomínios nas proximidades.
Desde os anos 2000, o Ministério Público do estado (MP-SP) tem cobrado a prefeitura de São Sebastião que regularize a Vila Baiana. Em 2009 foi assinado um acordo entre MP e prefeitura para que a área fosse oficialmente congelada, proibindo novas ocupações e dando um prazo de dois anos para a prefeitura urbanizar a área.
O acordo foi descumprido, levando o MP a entrar com uma ação civil pública contra a prefeitura, em março de 2021 — dez anos após o prazo do acordo — exigindo intervenção no local, urbanizando a área e liberando locais de risco. A prefeitura alegou falta de recursos para o cumprimento do acordo, tendo também outras 102 áreas que precisam ser regularizadas.
Em 2017, o município criou a Secretaria de Regularização Fundiária, que deveria ser responsável pela regularização das áreas em risco de desastres desencadeados por fatores ambientais. Contudo, a secretaria contava com menos de 5% do orçamento da cidade, sendo considerado um montante insuficiente pelo MP.
Um relatório, feito em 2020 pelo MP, já alertava o grande risco de deslizamentos na Vila Baiana, detalhando os problemas mais sensíveis que exigiam da prefeitura ações de prevenção, como a venda de terrenos em áreas restritas e desmatamentos.
Esse relatório também apontava a expansão da área ocupada pela Vila, o que indica a busca por moradia na região pelos trabalhadores, atraídos à região pelo trabalho na construção civil, mas sem condições de pagar pelos caríssimos aluguéis da cidade.
São Sebastião é hoje considerada uma das cidades brasileiras com a economia mais dinâmica. Contando com um porto multiuso e um terminal da Petrobrás, a cidade possui um mercado imobiliário e turístico intenso.
A pressão por parte daqueles que ocupam os imóveis mais nobres da cidade e dos donos dos hotéis foi um dos motivos pelos quais cerca de 220 casas populares deixaram de ser construídas.
Em 2020 a Sociedade Amigos de Maresias (Somar), associação de moradores do bairro, reuniu-se com o prefeito da época, agora em seu segundo mandato, Felipe Augusto (PSDB). Argumentando que a falta de saneamento básico era um impeditivo para a construção das casas, a Somar sugeriu que a prefeitura realizasse a construção em uma região mais próxima à Serra do Mar do que da praia. Houve também ameaças de embargar as obras com denúncias de irregularidades.
Ao jornal O Globo, o presidente da Somar na época, Eliseu Arantes, tentou justificar que a Somar não era oposta à construção, mas sim à construção sem saneamento básico. O jornal também averiguou que Fabio Wajngarten, secretário de Comunicação do governo Bolsonaro e dono de uma das casas em Maresia, havia participado da reunião e corroborado com as pressões opostas à construção das casas.
Durante cinco anos, São Sebastião deixou de construir 500 moradias populares. No momento em que a população mais pauperizada sofre amargamente com as chuvas, um projeto para a construção de cerca de 100 casas está esperando a autorização do prefeito.
Tragédias tidas como “desastres naturais” estão se naturalizando em nossa sociedade, que naturalizou a existência de falta de moradia em cidades onde há bairros inteiros com metade de suas casas sendo ocupadas apenas para veraneio, como é o caso de São Sebastião. Dizer que falta moradia ou terrenos para a construção serve apenas para escamotear o real problema, que são terrenos e casas ociosos, à serviço da especulação imobiliária, do aumento do preço cobrado pelos aluguéis, da simulação de uma certa nobreza.
A falta de um plano de habitação, capaz de alocar de forma mais segura os trabalhadores da cidade, foi deixado de lado em prol dos interesses da elite local. Muito além de um desastre anunciado, o que vemos é um desastre que poderia não ter as consequências trágicas que teve, se a vida não fosse comparável à mera mercadoria.
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A Escola de Formação Política da Classe Trabalhadora (Efop) – Vânia Bambirra realizou, em abril do ano passado, um debate sobre a crise urbana e ambiental que vem assolando a classe trabalhadora nos últimos anos. Em fevereiro daquele ano, em Petrópolis, as chuvas escancararam novamente a desigualdade no que tange o direito à moradia — e à própria vida, afinal. O debate contou com a presença do Professor Doutor Cláudio Ribeiro, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O debate está disponível no Youtube e você pode assisti-lo clicando aqui.