O segundo episódio do programa de entrevistas do Universidade à Esquerda em conjunto com a Escola de formação Política da Classe Trabalhadora – Vânia Bambirra (EFOP) foi ao ar ontem (10), pela página do Facebook do jornal. Neste, o entrevistado é Mauro Iasi, professor da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas (NEPEM) e membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Iasi apresentou com grande profundidade elementos de análise da conjuntura brasileira, retomando aspectos acerca da grave crise econômica atual, do golpe de 2016, das eleições de 2018 e do papel do governo Bolsonaro na gestão do Estado. Por fim, também debateu o papel da esquerda nestes enfrentamentos.
Acerca do caráter da crise e as ações do Estado, Mauro retoma o papel das primeiras para o capital – ou seja, sua funcionalidade na queima de capitais excessivos que levam à superprodução. Também retoma com precisão a especificidade da conjuntura Brasileira sobretudo após o golpe de 2016, uma vez que a política de conciliação de classes havia se esgotado, dando-se início a retomada “mítica” da economia; e, por fim, o fator da pandemia na catalisação e aprofundamento da crise econômica.
Sobre a crise sanitária atual, o professor aponta a peculiaridade da estrutura do Estado brasileiro na gestão desta catástrofe. Segundo ele, esperava-se, no início da pandemia no Brasil, que o Estado reconfiguraria sua tendência dos últimos anos – explicitamente ultraliberal ao menos desde a aprovação da Emenda Constitucional 95 – para planejamento de políticas importantes para o enfrentamento da pandemia, como por exemplo, alguma forma de auxílio substancial para os milhões de desempregados no país.
Entretanto, Mauro retoma fatos que justificam o porquê de o Estado brasileiro estar respondendo com políticas opostas a essa tendência. Apresentando um nexo entre a forma de gestão “bolsonarista” e a ruptura gerada pelo golpe de 2016, Iasi afirma que o projeto do grande capital era de tensionamento da política para forçar pautas, gerando uma situação que empurrasse Dilma ao comprometimento com os ajustes necessários ao setores chaves do capital.
Mesmo com o evidente recuo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) , um setor que passa a atuar com força mesmo sem ter entrado nos cálculos mais imediatos da grande burguesia é o da extrema direita, que passa a uma posição política mais autônoma, com setores, por exemplo, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o “Vem pra Rua”.
Com esse fator, no ano de 2016 os capitais se alinham a tese do necessário afastamento do Partido dos Trabalhadores (PT) como forma de garantia para a recuperação da estabilidade política necessária ao avanço das pautas da agenda burguesa e do crescimento econômico. Para mobilizar seus interesses, forja-se a premissa jurídica para tal. Mesmo Michel Temer (MDB) assumindo o cargo de chefe do executivo, ele não foi capaz de se sustentar no cargo com uma legitimidade significativa, o que impediu um avanço mais brutal na pauta da burguesia.
Com isso em vista, as eleições de 2018 teriam sido a aposta dos grandes capitais para a estabilização política que permitisse levar a cabo as reformas. Entretanto, nenhum candidato de centro-direita conseguiu sustentar-se com lastro forte nas bases populares, o que colocou um problema para esses setores.
Por parte do PT, segundo apresentado por Iasi, a leitura dos dirigentes do partido era a de que a saída para a vitória eleitoral em 2018 seria garantida pela polarização entre a alternativa petista e os setores de extrema-direita.
Entretanto, independente do candidato eleito, o nível extremamente elevado da crise impediria qualquer estabilidade posterior.
O “projeto” do Bolsonaro, portanto, não era necessariamente chegar à Presidência da República, mas sim, levar a cabo uma ruptura política, realizando fortes tensionamentos com o PT. Parte dessa estratégia ainda está em curso, posto que, apesar de ser o atual presidente, as ameaças de autogolpe são constantes. Mauro Iasi apresenta alguns elementos importantes para justificar tanto a permanência de Bolsonaro no poder, sem tensionamentos políticos mais contundentes por parte dos grandes capitais, quanto a não realização (ainda) de um processo de golpe encabeçado por ele.
Por parte de setores da burguesia que temem a instabilidade vinculada às próprias peculiaridades na gestão política “bolsonarista”, alguns fatores que freiam medidas mais contundentes podem ser levantados. Destaca-se as declarações do próprio Bolsonaro, nas quais ele afirma que não aceitaria silenciosamente um afastamento, podendo mobilizar não apenas suas massas, mas, e principalmente, setores ligados a organizações criminosas e parte de poderosos setores evangélicos. Também aponta-se para sua proximidade com alguns setores da Polícia Militar, que, apesar de não ser a parte mais forte da polícia, pode mobilizar armas de reação para defender o presidente. Há também o fator das possíveis negociações de cargos no parlamento entre o Presidente e setores ligados ao Rodrigo Maia, Presidente da Câmara dos Deputados.
Sobre essas relações entre os três poderes, o professor retomou argumentos para questionar a falácia de que a divisão entre os três poderes do Estado (Legislativo, Judiciário e Executivo) garantiria uma isonomia na distribuição de forças. No momento atual em que há uma disputa mais forte entre o executivo e o legislativo, entram outros elementos, como os militares e seus próprios interesses no interior do governo. Assim, o impasse entre os diversos segmentos do Estado não estaria resolvido, o que explicaria o cenário atual: com a prisão recente de Fabrício Queiroz e a possibilidade de que informações decisivas acerca do envolvimento da família Bolsonaro com as milícias venham a tona, o chefe do executivo apresentou um recuo nas tensões em relação a esses setores. Em contrapartida, esses também recuaram. Para Mauro, nesse cenário “tudo pode acontecer, inclusive nada”.
Nesse cenário, a esquerda não tem aparecido com uma saída que paute novos horizontes em termos de projeto de país. Para Iasi, a classe trabalhadora já estava derrotada em 2016 pelo processo de conciliação de classes ocorrido nos anos anteriores. O campo que se abre agora exibiria o fim de um ciclo, no qual a estratégia democrático-popular apresentou esgotamento em um país dependente como o Brasil.
Essas derrotas sofridas trazem desafios grandes para nós, posto que a assimilação destas não reflete necessariamente em aprendizado político imediatamente posterior. No campo da organização política para a construção de um programa assertivo, as dificuldades são grandes, uma vez que essas perdas podem ser severas a ponto de romper a condição da classe trabalhadora enquanto sujeito político. Ou seja, na transformação de trabalhadores em uma classe que atua na defesa de seus interesses enquanto tal.
Além de retomar importantes elementos históricos que auxiliam na compreensão das coordenadas políticas da dinâmica atual, na entrevista Mauro Iasi relembra os desafios da constituição de uma militância à altura dos dilemas de nosso tempo. Com lucidez, o professor encerra o programa relembrando da permanência do projeto de transformação radical apesar da mortalidade dos corpos.
Esta foi a segunda entrevista realizada pelo programa. No lançamento do Prelúdio, feito no mês anterior, a entrevistada foi Virgínia Fontes.
As entrevistas também podem ser conferidas na versão de podcast.