Opinião
Quem quer o Novo Ensino Médio?
A nova reforma e seu compromisso com uma precarização ainda maior para a formação de nível médio
A chamada reforma do Novo Ensino Médio promovida por empresários e seus representantes políticos como “mais atraente para o aluno nessa etapa de aprendizado” com ares de “necessidade de inovação” é alarmante por uma série de questões que serão expostas ao longo deste texto. Isto se deve pois estas mudanças consolidam uma precarização ainda maior para a formação de nível médio, principalmente nos setores mais pobres da população que são obrigados a escolher entre “itinerários formativos” e ter sua educação reduzida às necessidades do mercado de trabalho. Além disso, há uma completa descaracterização do trabalho docente com a implementação do notório saber.
Após sua aprovação em 2017, o Ministério da Educação divulgou prazos definidos com a publicação do Cronograma Nacional de implementação do Novo Ensino Médio feita em 14 de julho por meio da Portaria MEC nº 521/2021. Este cronograma orienta as unidades da federação quanto aos procedimentos e prazos que deverão ser cumpridos, as oferta dos itinerários formativos e no processo de execução de seus currículos, alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que orienta desde 2018 os currículos dos sistemas e redes de ensino dos estados e propostas pedagógicas de escolas públicas e privadas em todo o Brasil.
Composto por Formação Geral Básica e Itinerários Formativos, a proposta traz como bandeira a promoção de um protagonismo e do Projeto de Vida dos estudantes, a valorização da aprendizagem com a ampliação da carga horária de estudos e a garantia de uma formação básica comum a todos os estudantes, acrescida da oportunidade de escolha no aprofundamento curricular.
Os estudantes deverão optar entre cinco áreas de concentração (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ensino técnico), a qual irão dedicar 40% do seu tempo. A implementação ainda deverá levar em consideração o contexto de cada escola de ofertar os itinerários, o que na prática significa diferentes tipos de opções de itinerários entre escolas com maiores verbas para implementar mais itinerários e outras que não terão.
Os 60% de carga horária restantes serão organizados a partir da BNCC aprovada no final de 2018 —uma relação detalhada dos temas, competências e habilidades a serem desenvolvidos. Em São Paulo já se vislumbra o conteúdo: “Ação humana e suas consequências”, “Tradições e heranças culturais”, “A tecnologia nas narrativas das relações sociais”, “Compromissos com o Patrimônio cultural e ambiental”, “Como se tornar um resolvedor de problemas?” e “Com quantas estratégias chegamos a uma solução?” são alguns exemplos de aprofundamento, que variam conforme as áreas de conhecimento e áreas integradas definidas.
Com as mudanças no currículo, mudará também a avaliação dos alunos. O Enem, principal meio de acesso às universidades federais, será atualizado nos próximos anos para que, em 2024, ocorra conforme as novas diretrizes.
O cronograma publicado traz também o prazo de escolha e entrega de materiais didáticos e cronograma de formação para profissionais da educação, entre outros. As mudanças estão planejadas de forma gradual, com as novas modalidades de 1 séries do Ensino médio em vigor no ano de 2022 até o fim da sua implementação previsto para 2024 nas redes públicas e privadas.
De acordo com o Observatório Nacional de Implementação do Novo Ensino Médio, 12 estados concluíram todas as ações da construção curricular e 21 estão na revisão final dos documentos, que foram entregues aos conselhos estaduais para aprovação.
Cronograma em âmbito nacional:
1) No ano de 2021: aprovação e homologação dos referenciais curriculares pelos respectivos Conselhos de Educação e formações continuadas destinadas aos profissionais da educação;
2) No ano de 2022: implementação dos referenciais curriculares no 1º ano do ensino médio;
3) No ano de 2023: implementação dos referenciais curriculares nos 1º e 2º anos do ensino médio;
4) No ano de 2024: implementação dos referenciais curriculares em todos os anos do ensino médio;
5) Nos anos de 2022 a 2024: monitoramento da implementação dos referenciais curriculares e da formação continuada aos profissionais da educação.
Há também um cronograma referente aos materiais e recursos didáticos para o Novo Ensino Médio:
1) No ano de 2021: escolha e distribuição das obras, projeto integradores e projetos de vida;
2) No ano de 2022: escolha e distribuição, por área de conhecimento, das obras de formação continuada e dos recursos educacionais digitais;
3) No ano de 2023: escolha e distribuição das obras literárias;
4) No ano de 2024: escolha e distribuição dos materiais e recursos didáticos para os itinerários formativos.
As cabeças e vozes da criação do Novo Ensino Médio
A proposta da reforma do Novo Ensino Médio surgiu logo após o golpe que depôs Dilma em 2016 e instituiu Michel Temer em seu lugar. Essa reforma foi decretada através da lei n 13.415 com previsão de implementação entre os anos de 2019 e 2020. Junto com a agenda de políticas neoliberais impulsionadas a partir do golpe, a reforma se insere no contexto onde a PEC do Teto dos Gastos é aprovada, a qual limitou os investimentos públicos por 20 anos em áreas fundamentais como saúde e educação, inviabilizando o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 que previa aumentar gradativamente os investimentos na educação pública.
Ainda assim cabe ressaltar que a abertura para empresários na política educacional vem de uma relação de longa data: em São Paulo, por exemplo, onde a reforma vem sendo implementada com muita rapidez, tem Doria como forte apoiador. O PSDB, seu partido, não por acaso manteve abertura desde a década de 90 no governo de Fernando Henrique Cardoso para a chamada “responsabilidade social” dos empresários brasileiros a contribuírem nas políticas públicas incluindo a educação com a reforma administrativa de 1995.
Mas por que olhar para a iniciativa privada no que toca os currículos e programas das escolas públicas e privadas é tão importante? Nesta nova reforma do ensino médio, a implementação dos itinerários formativos nas escolas estaduais passa pelos três componentes curriculares propostos pelo Inova Educação (Projeto de Vida, Eletivas, Tecnologia e Inovação) e pelo aprofundamento curricular – apenas na segunda e terceira séries. O programa Inova Educação será realizado em todas as séries de acordo com o cronograma curricular, contando ao total 150 horas anuais.
O programa foi lançado em 2019 pelo governo de São Paulo junto com o Instituto Ayrton Senna, pautando modificações no currículo, na organização e carga horária do ensino fundamental e médio das escolas públicas estaduais. Em resumo, o programa aprofunda e prioriza ainda mais a inserção da lógica empresarial de gestão e de responsabilização com foco em avaliações, enquanto a valorização do trabalho docente e de investimento nas escolas fica em suspenso.
Atualmente, o projeto de reforma está avançado em São Paulo, sendo um dado relevante pois a rede estadual é grande contando com 3,5 milhões de estudantes e 250 mil trabalhadores, sendo 190 mil professores. Em São Paulo, o novo currículo do ensino médio teve início no ano letivo de 2021 para 450 mil alunos matriculados no primeiro ano, de acordo a Secretaria Estadual de Educação (Seduc). Em 2022, o novo modelo será expandido para alunos do segundo ano, totalizando 900 mil estudantes. O investimento pode chegar a R$ 200 milhões. Um projeto bem sucedido em uma rede com estas proporções serve como propaganda para os empresários e suas fundações venderem seus projetos para outras redes e países e, assim, amplificarem sua influência e seus lucros.
Rossieli Soares, Secretário Estadual da Educação de São Paulo (Seduc-SP), e Caetano Siqueira, coordenador da Coordenadoria Pedagógica da mesma secretaria, foram os responsáveis por apresentar a proposta em junho com o catálogo de itinerários formativos do Novo Ensino Médio. A proposta de acordo com os responsáveis pela pauta tem a intenção de “aproximar os estudantes das transformações da sociedade e do mercado de trabalho, por meio de um currículo mais flexível”.
Aprender o essencial é aprender que a educação não está sendo precarizada, mas que isto é falta motivação e engajamento?
“Estamos falando de uma das transformações mais importantes, que é dar outras opções para os nossos estudantes, para que eles possam querer aprender o que é fundamental, essencial, aquilo de toda base nacional comum curricular. É através da competência socioemocional, da motivação, que vamos conseguir engajar mais estudantes”,
É comum ver os favoráveis à nova reforma do ensino médio trazerem em seu discurso grandes planos para o “Projeto de Vida” dos estudantes, adiantando suas necessidades e reduzindo desigualdades à “falta de engajamento”, sem de fato debater assuntos profundamente como a questão de evasão e qualidade de ensino. Podemos observar a fala de Rossieli como um exemplo desta perspectiva reducionista, que aproxima sua noção de essencial com a motivação e engajamento do estudante. Além da submissão dos conteúdos com a perspectiva neoliberal, caminham lado a lado as aprendizagens socio-emocionais: são essas as competências ressaltados por empresários e promovidas em seus documentos, como “habilidades essenciais para o século XXI”, como se nelas estivesse contida a transformação da vida do sujeito.
Para dar espaço aos conteúdos inovadores a carga horária total é ampliada, acarretando em redução do tempo de matérias obrigatórias como história, geografia, filosofia, biologia.
Além disso, permite que parte do ensino seja oferecido na modalidade à distância. É importante ressaltar que o governo federal anuncia a possibilidade de aumento da educação em “tempo integral”, mas na leitura da lei que dispõe sobre o “novo” ensino médio, esse tempo integral tem vínculo com o EaD e atividades complementares que em parte são voltadas ao mercado de trabalho, ofertados por programas como o Inova Educação ou mesmo na Escola que tem seus recursos orçamentários comprometidos.
O típico embaralhamento das palavras entre tempo integral e educação integral é costumeiro por parte dessas camadas, como apontado por Selma Venco em sua coluna para o jornal, onde debate sobre a diferença da educação integral, pautada na preocupação com um conhecimento de saberes do que tempo integral.
Além do jogo de palavras, nota-se que a estratégia de tornar o léxico estudantil e a formação mais rarefeita lembra a comparação feita por Umberto Eco entre o romance distópico de Orwell 1984 e a relação com a linguagem e o contexto escolar nazista e fascista: no romance, uma nova língua é criada a partir do inglês para substituí-lo, com o intuito de diminuir o alcance semântico e sintático da comunicação a fim de impossibilitar a liberdade de pensamento e propiciar seu controle. Os textos escolares nazistas ou fascistas baseavam-se em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico.
Leia também: Porta-vozes da OCDE, go home!
“Itinerários formativos” ou um caminho mais estreito pelos saberes e formação
A escolha por um itinerário formativo dada ao estudante é a escolha entre os cursos profissionalizantes de curta duração ofertados pela escola com o objetivo de que eles ingressem no mercado de trabalho ao terminar o ensino médio. Para abrir espaço para os itinerários de formação, encurta-se e deixa como optativa a grande parte da carga horária da formação generalista, de modo que os estudantes pobres acabam com uma formação básica mais enxuta, com aulas que não terão aulas suficientes do conteúdo que é cobrado em vestibulares, diminuindo suas chances de acesso à universidade.
A promessa de que os estudantes sairão mais motivados porque irão para o mercado de trabalho preparados após seus cursos profissionalizantes é absolutamente cínica, pois os cursos de curta duração são simples ao ponto de não abarcarem estruturas como laboratórios. Qual a qualidade dessa formação que está em discussão de implementação? Que mercado de trabalho é este que irá absorver uma qualificação de curta duração e baixa qualidade? Existem impedimentos científicos e técnicos para isso, como registros em conselhos regionais, só adquiridos após a formação universitária. O mote sobre o “protagonismo estudantil na escolha da formação” é incabível, pois se as escolas terão de ofertar os cursos de acordo com os critérios que vão ser definidos pelo governo do estado, como a capacidade da escola de ofertar com a sua estrutura (sala, laboratório, computador, equipamento, área externa e até o perfil do corpo docente que tenha condições de assumir o que os alunos escolherem), como tais condições impostas podem ter relação com a escolha do estudante?
Os itinerários formativos serão ofertados de acordo com cada estrutura escolar, então cabe a pergunta: qual escola terá mais recursos para investir em suas opções e oferta de conteúdos? Os alunos de escolas particulares também vão ter que escolher entre suas aulas de física, história e química no lugar dos cursinhos de Excel ou esses cursos assim como outros já ofertados extracurricularmente serão ofertados? A resposta é evidente que não, basta olhar para a desigualdade de ensino atual entre as escolas.
Cursos de curta duração já foram implementados em ensinos médios como é o caso do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), um exemplo de curso técnico de baixa duração. Instituído pelo governo federal em 2011, o programa oferece cursos de educação profissional e tecnológica para estudantes do ensino médio, trabalhadores e beneficiários dos programas federais de transferência de renda. O exemplo do Pronatec serve para olhar para as promessas de empregabilidade sendo colocadas agora com os itinerários formativos: a empregabilidade do programa não é divulgada, com uma taxa de evasão altíssima, onde entre o período de 2011 e 2014, quase 1 milhão de estudantes abandonaram o Pronatec.
Mas além da promessa de emprego vende-se a de que o aluno irá passar mais tempo dedicado aos temas de seus interesses futuros. De acordo com Gustavo Mendonça, coordenador do novo ensino médio da Secretaria de Educação de São Paulo, o novo modelo trará benefícios aos alunos e tende a reduzir a evasão:
“A principal vantagem é o aluno estar estudando mais tempo aquilo de que ele gosta mais. A gente espera que o novo ensino médio nos ajude a ter melhores índices de aprendizagem e uma redução na evasão. Se o aluno pode dedicar mais tempo para o que ele de fato gosta, ele vai ter menos aptidão para evadir antes”, afirma.
Em um país onde 2.879 munícipios possuem apenas uma escola de acordo com dados do Inep, totalizando um número de mais da metade das escolas do país, estudantes terão a formação que suas escolas puderem ofertar de acordo com as condições da própria instituição. Então se caso não tenha uma área de um itinerário formativo que aquele estudante desejava estudar, ele irá mesmo realizar o que gosta de acordo com seus interesses ou acabará aceitando a opção disponível de itinerário? Ou pior, precisará deslocar-se para outro município diariamente para garantir sua escolha?
Outro mito propagado é a ideia de que a diplomação em massa é suficiente para ter um emprego e melhorar as condições de vida de alguém. Não basta dar um certificado, um diploma: mas que tipo de conhecimentos, de instrumentos científicos e conteúdos o estudante teve disponível em sua formação? Como a sua formação o habilitou durante os anos que esteve em uma instituição de ensino para ter de fato maior conhecimento e escolha entre as opções futuras, como este aprendeu a organizar conhecimentos científicos? Essa pergunta pode se estender para a universidade e o que acontece atualmente com as novas propostas de hibridização do ensino e a educação à distância.
Quais críticas à esse modelo, quais debates estão sendo feitos para dimensionar o impacto dessa experiência na formação? Perguntar para sujeitos individualmente sua opinião por formulários sem permitir que estes consigam olhar para o quadro da experiência, sem ter outros critérios para além disso e utilizar dados dessas ferramentas não é nem de perto suficiente para implementação de algo tão drástico.
Insisto: como são passadas estas reformas do ensino médio? As famílias conseguem debater, os professores e estudantes conseguem discutir os impactos dessa escolha? Como essa implementação é construída por aqueles que são protagonistas da reforma, porque esses protagonistas não são acionados para pensar o que querem que seja sua escola? Porque o protagonismo estudantil só é exaltado quando empresários dizem que isso acontecerá se seus projetos forem implementados, sendo que em prática secundarizam esses mesmos protagonistas na hora de formular seus projetos?
Com a reforma, são diferenciados ainda mais quem tem acesso e quem não tem à universidade. E pior: podemos pensar que com a reforma proposta atualmente pelo governo de Reuni digital vai transformar cada vez mais as instituições de ensino diferenciadas para pobres e para ricos. O acesso ao conhecimento pleno e integral será cada vez mais exclusivo dos jovens da elite, enquanto para camadas populares serão destinadas as formações fragmentadas, aligeiradas e direcionadas para um mercado precarizado de trabalho. É a pedagogia de desemprego e precariedade da vida.
Leia também: Crise sanitária e legado educacional: a cilada do ensino híbrido
A precarização docente
Além da própria precarização do ensino como um todo, onde na visão de empresários o problema não seria a falta dos recursos públicos para as escolas, mas a “falta de motivação e inovação” que eles poderiam fornecer com sua gestão e projetos, o discurso se estende para o trabalho docente, trazendo uma desprofissionalização da educação brasileira. A motivação e engajamento seriam fundamentais também para os docentes, colocando a reforma como fundamental nesse fator. Tais afirmações novamente soam cínicas com os baixos salários, com a falta de infraestrutura para se trabalhar na escola. A reforma seria atrativa sem alterar os recursos materiais, especialmente na forma de salário e de direitos.
A reforma irá permitir o notório saber para a prática docente, sem a necessidade de diploma em licenciatura para dar aulas nas disciplinas da parte técnica e profissionalizante, com base na lei 13.415/17, que altera o artigo 61 da LDB, desqualificando os cursos de Licenciatura e desconsiderando a profissão, que tem regulamentação e que deve ser exercida por quem tem formação específica, o que inclui domínio do conteúdo e formação pedagógica. Essa brecha permite a possibilidade de empresários escolherem aqueles que considerarem mais adequados para tocar seus projetos nas escolas. As contratações poderão ser realizadas por Organizações Sociais (OS), que poderão realizar as contratações para as escolas, com contratos realizados via Secretarias de Educação.
Em sua coluna para o UàE, o último texto da professora Olinda Evangelista em coautoria com Priscila Monteiro Chaves coloca a questão também de uma pseudovalorização dos professores.
Com ideias de centralidade no papel do professor de que este seria causa-solução dos males da escola, mais difundidas nos anos 1990. As autoras destacam para o papel fundamental de entidades como Unesco, Banco Mundial e OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) na produção de documentos e diretrizes acerca das evidências que querem construir. Como apontado no texto, a OCDE é um organismo internacional nascido na Europa e com 50 anos de existência, congregando 34 países na atualidade, se dedicando à produção de relatórios de rendimento escolar entre países, quantidade de dias letivos e carga horária.
Com a pandemia, os desafios para educação tomam proporção ainda maior. Com escolas sem a estrutura necessária para comportar estudantes devidamente, muitas sem sequer ter o mínimo como banheiros funcionando adequadamente, a volta presencial deixou e está deixando muitas marcas na educação. E mesmo estampada a falta de orçamento, empresários aproveitam-se para fazer avançar a largos passos seus projetos e justifica-los com argumentos simplistas da desigualdade entre estudantes de escolas particulares públicas, colocando-se numa posição “salvadora para os pobres órfãos”. Utilizam-se do contexto frágil e sucateado das escolas públicas para apontar que a melhor e única saída para esse problema é contar com a sua ajuda maravilhosa, que promete elevar sensos e deixar todos preparados para o mercado de trabalho. O cinismo desse tipo de discurso é evidente.
Quem quer reforma afinal?
Em matéria publica pela Agora São Paulo, a reforma foi colocada como consenso entre educadores:
“É consenso entre os educadores que o currículo rígido e extenso demais está entre as principais causas do desinteresse dos jovens brasileiros pela escola, cujo resultado se vê nas elevadas taxas de evasão registradas.”
Quais educadores são porta-vozes deste consenso? As relações simplificadas são grotescas, como se a culpa fosse do currículo que precisa ser alterado e com a afirmação de que os jovens evadem as escolas por mero desinteresse.
Na época em que a lei foi lançada, a comunidade escolar se posicionou fortemente contra, com uma onda de ocupações e mobilizações em diversas escolas no país. A organização estudantil pautou modificações nas reformas mas mesmo assim esta foi aprovada em fevereiro de 2017, estabelecendo diretrizes gerais para este nível de ensino.
A Lei, aprovada à revelia da sociedade, gerou movimentos de protestos e ocupações por parte de estudantes secundaristas e universitários em mais de mil escolas em todo o país, apoiados por trabalhadores e trabalhadoras da educação e pela comunidade em geral.
Os problemas das taxas de evasão crescentes na pandemia e a qualidade de ensino devem ser compreendidos com profundidade e seriedade. Nossas instituições de ensino superior públicas além de contribuir com produções acadêmicas ricas no campo da educação e estudarem políticas educacionais investigam diversas das políticas das fundações.
Mas essa jamais seria a intenção do empresariado por trás da reforma, afinal, qual seria o interesse dos empresários se não o de reproduzir e instituir as condições de reprodução do sistema capitalista legitimando ou naturalizando as desigualdades, sem sequer questioná-las, sem querer transformá-las? Qual poderia ser seu horizonte além do objetivo de formar a força de trabalho para o atual capitalismo, valorizar suas marcas a partir do envolvimento em projetos sociais envolvendo a educação?
É por isso que o novo ensino médio é tão atrativo, mas não para os estudantes, e sim para os empresários, pois estes querem formar a todo custo mão de obra obediente, que não questiona, com as habilidades e competências determinadas pelas empresas, que reproduza o sistema capitalista em seu atual estágio, com piores condições de trabalho, que aceita toda a política de austeridade e de retirada de direitos que a ofensiva neoliberal impõe.
Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e não representam, necessariamente, as posições do Jornal.