Há aproximadamente três meses o Brasil tem enfrentado a pandemia mundial do Coronavírus, que alterou profundamente nossas relações sociais. Muitos estão enfrentando o home office no trabalho, crianças e adolescentes foram empurradas para o ensino remoto com a suspensão das aulas presenciais. Nas universidades públicas, a situação foi outra até o momento: das 69 universidades federais, 54 estão com as atividades de ensino suspensas, 9 estão dando continuidade às aulas através do ensino remoto e 6 estão realizando atividades parciais que contam horas apenas como atividades complementares.
Com o quadro de suspensão das aulas, muitas vezes acompanhado de uma indefinição de quando poderemos encarar o “novo normal” que surgirá de nossa experiência pandêmica, aliado às pressões que as universidades paulatinamente vem sofrendo do empresariado e ao trabalho ideológico de deslegitimar tais instituições, as discussões sobre o ensino remoto ressurgem não apenas entre as instâncias burocráticas das administrações, mas especialmente entre estudantes.
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As posições e os argumentos para basear-se são variados, mas giram em torno, de modo geral, de como alguns estudantes serão prejudicados por meio de determinadas ações. Há aqueles que defendem que as universidades precisam retomar as atividades curriculares pois muitos alunos estão sendo prejudicados ao terem suas formaturas atrasadas. Tal posição, mesmo que não intencionalmente, corrobora com a visão de universidade certificadora e profissionalizante, que tem como fim último enviar ao mercado de trabalho trabalhadores com certificados.
De fato, há muito tempo o ensino superior é empurrado a se restringir a uma formação profissionalizante. Com o aumento das instituições privadas de ensino superior, que concentram cerca de 75% das matrículas, vende-se a ideia de que o ensino superior leva à ascensão social, aumento da renda, e volta a formação dos estudantes para a atuação profissional. Mas é essa concepção que queremos para as universidades públicas? São essas relações que queremos para o conhecimento? E é isso que desejamos deixar para a classe trabalhadora?
Para estes que defendem a retomada, entretanto, ela não pode se dar “a qualquer custo”, mas precisa garantir que os estudantes tenham acesso à internet e computadores individuais, e que os professores sejam capacitados para poder ofertas as aulas remotas. Esse discurso, também adotado por organizações empresariais e organismos multilaterais, cai na mesma armadilha de defender uma universidade para o mercado de trabalho, além de abrir as portas para as relações público-privadas desviarem cada vez mais os fundos públicos para os bolsos dos acionistas envolvidos com essas empresas de educação.
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Este é um momento que exige de nós uma cautela imensa, e muita responsabilidade na hora de levantarmos bandeiras, mesmo que elas pareçam inclusivas e preocupadas com um todo, justamente pelas muitas pegadinhas que são pregadas sobre nós. A conta do Covid-19 está sendo empurrada para a classe trabalhadora pagar, e é preciso que as elites nos joguem uns contra os outros para que isso funcione. Não é por outro motivo que a solidariedade deve voltar com urgência dentro das nossas práticas. Mas solidariedade nesse momento é que possamos considerar o outro, de forma a tomar para si a sua luta, e efetivamente não deixar para trás.
Uma série de estudantes não poderá continuar com seus estudos caso estes retornem remotamente, e não é meramente uma falta de acesso a internet e computador, mas sim o fato de que as crianças estão em casa e precisam dos pais presentes, ou porque temos parentes adoecendo, ou porque a crise aperta no bolso e é preciso se arriscar para poder pagar as contas. Estes estudantes precisam estar amparados em uma rede de solidariedade que possa travar as lutas que forem fundamentais para que não precisem evadir de seus cursos, assim como aqueles que precisam se formar logo porque precisam trabalhar, e conciliar trabalho e estudo é sempre difícil, também precisam estar incluídos nessa solidariedade, sendo também parte de se pensar uma política maior de garantia efetiva de permanência desses estudantes.
Há, ainda, um outro ponto dos que defendem a retomada do semestre, que é poder manter uma rotina de estudos, um contato entre os colegas de curso, os professores, a própria instituição. O que esse argumento esquece é que não são só de aulas que se faz uma universidade. Além de que várias instituições estão se dedicando no enfrentamento da pandemia de diversas formas, o que com certeza mantém muitos professores e pesquisadores em relação, existem outras possibilidades de manter esse contato, como por exemplo as aulas parciais que foram adotadas em algumas universidades como a Universidade Federal do Acre (UFAC), da Fronteira Sul (UFFS), do Paraná (UFPR), de Sergipe (UFS), de São Carlos (UFSCar) e a do Tocantins (UFT).
Nessa saída, atividades podem ser propostas pelos cursos, mas não serão contadas como horas obrigatórias, e sim como optativas. Dessa forma, os estudantes que antes não poderiam seguir com suas turmas o semestre não serão praticamente obrigados a trancar as disciplinas, e poderão fazer as atividades conforme for possível dentro do contexto em que estão inseridos. Além do mais, essa não é uma saída que exige de nós ceder ao empresariado e suas diversas facetas, nem nos coloca em uma posição de ter que sucatear o currículo dos cursos para caber em uma pandemia que pegou a todos de surpresa — mudanças que, mesmo que a gente bata na tecla de que são “emergenciais”, no mínimo nos custarão muita luta para voltar atrás.
Essa pandemia alterou, e vai continuar alterando as nossas relações sociais, e não será dela que sairá a universidade que queremos, mas que não percamos de vista nossos objetivos, e que possamos ter fôlego para continuar lutando por ela. Uma universidade onde possamos usufruir ao máximo, onde a gente tenha garantia de poder se dedicar integralmente à ciência, à filosofia e às artes, desenvolver cada vez mais o conhecimento que a humanidade construiu e acumulou ao longo dos anos.
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