Grande parte dos brasileiros, especialmente a parcela mais pobre da população, sente cada vez mais no bolso o custo da alta dos preços dos alimentos, que vem subindo e tem previsões de continuar com preços salgados até o ano que vem. Neste momento, o país soma cerca de 13,7 milhões de desempregados e a inflação de alimentos consumidos em domicílio acumula alta de mais de 13% em 12 meses, conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Estima-se de acordo com a Agêcia Câmara que mais da metade dos lares brasileiros teve algum grau de insegurança alimentar no fim de 2020, totalizando 116, quase 117 milhões de pessoas vivendo em algum nível de insegurança militar, ou seja, 55% da população.
Além do aumento no preço dos alimentos, a perspectiva para o rendimento do trabalho e taxa de desemprego no ano que vem continua ruim. Nos anos entre a recessão de 2015-2016 e a epidemia (2020), o salário médio aumentou 1,5% ao ano, em termos reais (além da inflação). O ano de 2022 está longe, é uma incerteza, mas incerteza com o pé atolado na lama.
Como apontado no texto de Gustavo Bastos, “a elevação acelerada das taxas de juros, supostamente para baixar a inflação, não surtirá efeito algum. Não se trata meramente de um fenômeno monetário, os trabalhadores brasileiros não estão com mais dinheiro no bolso, pelo contrário, a cesta de consumo dos trabalhadores está a cada dia que passa mais suprimida e restrita”.
Uma das explicações para a elevação dos preços, em larga medida, é o custo com transporte e com energia elétrica, com o aumento acumulado da gasolina e diesel, com alta de 40,44% nos últimos 12 meses. Já a energia elétrica, aumentou 3,91% no mês.
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Cabe ressaltar, como apontado no texto de Flora Gomes, que uma das principais questões que explicam a dificuldade de controle dos preços é a própria estrutura de capitalismo dependente no Brasil. Com a estrutura do país voltada para a exportação de insumos básicos, atualmente há poucos instrumentos estatais para controlar o preço. O desmonte dos estoques públicos de grãos e a diminuição de áreas plantadas, por exemplo, acabam dificultando a interferência nos preços.
A carne, cujo preço acumulou alta nos últimos meses para os brasileiros, tem sido estocada nos frigoríficos aguardando a abertura do mercado Chinês.
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Nos últimos 12 meses, muitos alimentos acumularam altas taxas, dentre as maiores: aves e ovos (28%), tubérculos, raízes e legumes (21%), açúcares e derivados (19,9%), carnes (19,7%) e óleos e gorduras (16,2%).
Combinado com a pressão de custos e de preços, o Brasil passou por uma sequência de eventos climáticos adversos, com a escassez hídrica e geadas prejudicando safra em algumas regiões como a uma forte elevação nos custos de energia. A elevação dos preços no Brasil foi maior do que na média mundial apenas para carnes e para o açúcar (preservadas as devidas restrições na comparação desses índices). No entanto, alguns fatores de pressão, seja dos lados custos (como fertilizantes e energia), seja do lado da demanda (estímulos fiscais e monetários), seja por eventos climáticos devem estar presentes ainda em 2022.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), para 2022, mesmo diante de um cenário que prevê desaceleração da inflação em todos os segmentos, há uma perspectiva de que o descompasso entre a oferta e a demanda de matérias-primas deva perdurar no primeiro trimestre.
Além disso, o elevado nível da inflação corrente pode gerar algum tipo de inércia inflacionária na formação dos reajustes no próximo ano. Sendo assim, as previsões para o IPCA e o INPC também foram revistas para cima, avançando de 4,1% e 3,9% para 4,9% e 4,6%, respectivamente.
Com a alta no preço dos alimentos, parcelar as compras no cartão de crédito, esperar em filas de venda de ossos de boi e vasculhar por restos em caminhões de lixo tem sido o desesperador cenário cotidiano na vida de muitos deste país.
Além disso, diversos professores ouvidos pela BBC News Brasil relatam que os alunos com fome sofrem com perda de motivação e apresentam episódios de agressividade com colegas e educadores. Na volta às aulas presenciais, após o período de ensino à distância forçado pela pandemia, os estudantes enfrentam os efeitos da perda de emprego e renda dos pais e do falecimento de avós que muitas vezes sustentavam a família com suas aposentadorias.
“Não foi o primeiro caso. Com a volta às aulas presenciais, depois da pandemia, temos observado vários casos de alunos passando por necessidade. Casos de fome mesmo, de que o único alimento que o aluno tem é na escola”, conta a professora.
Na quarta-feira (24/11), moradores de Heliópolis, maior favela de São Paulo (zona sul) realizaram protesto contra a forme e o desemprego com a “Marcha da Panela Vazia”. Com cartazes e velas (em referência ao encarecimento da conta de luz e em homenagem aos mortos pela Covid-19), os manifestantes protestaram também contra a piora das condições materiais nas periferias do país.
“Quem tem fome tem pressa. E queremos uma política de inclusão social, e não um programa que acabe depois da eleição ano que vem”, diz Antonia Cleide Alves, moradora de Heliópolis há 52 anos e presidente da Unas.
A fome extrema atingia 15% dos domicílios brasileiros em dezembro de 2020. Esse percentual chegava a 20,6% nos lares com crianças e jovens de 5 a 17 anos. Com o avanço da crise e poucas perspectivas de melhoras para a classe trabalhadora – muito pelo contrário, esta é quem já está pagando a conta. Até quando assistiremos a população minguar sem revolta?