O preço dos combustíveis registrou na semana passada o seu quinto aumento consecutivo. Segundo a Agência Nacional dos Petroleiros (ANP), o preço médio do litro da gasolina passou de R$6,562 para R$6,710, apresentando uma alta de 2,25%.
Quanto ao Diesel, entre as últimas semanas o preço médio do litro subiu em 2,45%, indo de R$5,211 para R$5,339. Foi a sexta semana consecutiva de aumento do diesel que, desde janeiro, já acumula uma alta de 48,05%. Já o gás de cozinha (GLP) teve aumento de 0,43%, com o preço indo de R$102,04 para R$102,48. A alta acumulada desde janeiro é de 37%.
O aumento exorbitante do preço dos combustíveis tem sido tema relevante e cotidiano na vida dos brasileiros já desde o ano de 2020, mas se agrava agora em 2021. Em sua coluna para o jornal Universidade à Esquerda, em janeiro deste ano, Allan Kenji discorreu sobre o tema buscando desmistificar os fatores envolvidos na alta dos preços dos combustíveis, sua relação com a dependência brasileira e seus desdobramentos conjunturais.
O preço dos combustíveis tem impactado diretamente no cenário trágico em que a população brasileira se encontra. Sente-se seus impactos na busca por formas cada vez mais degradantes para sobreviver, como o uso perigoso de álcool para cozinhar e o rebaixamento alimentar — levando famílias a mendigarem por ossos e restos de comida. Além de afetar diretamente no preço dos carburantes, o preço inflacionado destes implica diretamente no preço de produtos como os alimentares.
O aumento do preço dos combustíveis, dessa forma, não afeta apenas aqueles que trabalham com transportes ou que possuem automóvel próprio e sentem de forma mais direta o preço da gasolina e do diesel no seu bolso. Como aponta Kenji,
“O aumento no preço dos principais combustíveis impacta de forma sistêmica a economia brasileira, pois a situação de dependência do Brasil em relação aos centros capitalistas impôs ao país uma matriz de transporte e de logística centradas no transporte veicular de mercadorias, além da persistência de graves problemas urbanos. Todos os preços estratégicos que fazem parte da cesta de consumo dos trabalhadores são impactados diretamente pela variação do preço do diesel, pois dependem do transporte de média e longa distância por caminhões.”
Uma das categorias da classe trabalhadora que mais tem expressado indignação com o aumento dos combustíveis é a dos caminhoneiros. Já se tornou assunto corriqueiro a possibilidade de paralisações por essa categoria, que constantemente discute sobre a adesão ou não a uma greve com potencial para parar todo o país. E não é à toa que esses trabalhadores se encontrem em tamanha efervescência e instabilidade quanto a essa questão, uma vez que
“A política de preços da Petrobras se tornou tão agressiva para essa camada de trabalhadores, que o caminhoneiro que sai do Rio Grande do Sul para o Nordeste, numa viagem que pode durar quase 30 dias, pode sofrer dois ou três ajustes no preço do combustível antes de voltar para casa e descobrir que pagou para trabalhar.”, pontua Kenji.
Nessa conjuntura de miséria e instabilidade, a população segue se perguntando “mas e por que o preço dos combustíveis segue aumentando tanto?”. A mídia e o governo se ocupam em oferecer respostas que velam o problema central. O governo, sobretudo, tenta jogar sobre os governadores e tributos o ônus da variação do preço.
Mas a resposta encontra-se na análise do processo de privatização da Petrobras e da política de preços adotada por esta, o chamado Preço de Paridade de Importação (PPI), e como ele incide de forma brutal no preço dos combustíveis e também de outros bens de consumo. Como explica Kenji,
“A Petrobras atribui o reajuste tarifário à sua política de preços que atrela a matriz de precificação ao preço médio internacional do refino, aproximadamente US$ 80 por barril. Mantendo, portanto, uma dupla pressão sobre o preço dos dois principais combustíveis nacionais: o preço do barril no mercado mundial e a variação do dólar futuro frente ao Real. Sendo assim, desde 2016, a nova política de preços para os produtos refinados da Petrobras procura acompanhar o preço de importação das mercadorias.
No entanto, o preço médio apurado do refino do petróleo no Brasil está, hoje, na faixa entre US$ 30 e US$ 40, o que corresponde a mais de 80% da produção da Petrobras, pois menos de 20% da produção de combustíveis fósseis no Brasil é realizada através da importação de petróleo e derivados. Além disso, o saldo da balança comercial de derivados é positivo em 1,19 milhões de barris equivalentes de óleo (IBP, 2021), ou seja, o Brasil exporta mais do que importa combustíveis e o faz com um ágio de mais de US$ 40,00 em cima do preço internacional do petróleo (Brent).”
É aplicada, portanto, uma política de preços alinhada à submissão do país, e de sua produção e realização de mercadorias, ao mercado mundial. Posição própria de um país dependente, onde mesmo que se possua um grande potencial de produção de combustíveis, o preço para o consumidor interno segue alto. Os interesses da manutenção dessa política de preços, defende Kenji, possui relação com interesses maiores do que os da Petrobras:
“Identifica-se (…) que a política de Estado na Petrobras é a de patrocínio das privatizações e que a política de preços atrelada aos preços do barril no mercado mundial é mais uma das estratégias adotadas. Essa condição é indispensável para que as refinarias privatizadas possam colocar a própria Petrobras em competição com outras indústrias de extração de óleo bruto ou, ainda, importar petróleo cru e refiná-lo no Brasil. Além disso, podem justificar a exportação de combustíveis e derivados refinados, apesar de o Brasil não atender a demanda interna.”
O debate sobre a política de preços adotada pela Petrobras aponta a importância de os trabalhadores se apropriarem sobre as discussões que tocam o campo econômico da crise, não se contentando com polêmicas e respostas mais superficiais, e atuarem para retomar o controle das determinações reais de sua reprodução de vida.
O preço dos combustíveis e o processo de privatização da Petrobras têm incidido sobre a vida de todos os trabalhadores brasileiros e é fundamental que se faça uma discussão aprofundada e clara sobre. Nesse sentido, as contribuições de Allan Kenji em seu texto “O patrocínio estatal na privatização da Petrobras” contribuem para uma melhor compreensão da discussão e nos mune para a construção de uma luta rumo a uma realidade melhor. Como afirma o autor,
“Sem retomar o controle sobre as riquezas nacionais, nenhuma transformação nos modos de vida é possível no Brasil. A esperança de que os graves problemas nacionais possam ser circunscritos aos calendários eleitorais se esvai quando percebemos que a verdade é que de quatro em quatro anos as margens de intervenção de classe se tornam menores, conforme se esgota seu controle sobre as riquezas nacionais. É extremamente urgente que a classe trabalhadora possa atuar no campo econômico (e não na economia), o que nada mais quer dizer: no campo das determinações reais da vida social. É isso, ou nos resignamos a uma posição de pequenos espectadores da catástrofe social.”
Leia na íntegra a coluna de Allan Kenji, “O patrocínio estatal na privatização da Petrobras”.
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