Notícia
País enfrenta maior crise hídrica e energética em 91 anos
A ampliação do uso de termelétricas está incidindo diretamente na conta dos brasileiros
O Brasil enfrenta, hoje, a maior estiagem em 91 anos. Desde 1931, quando começaram os registros, o Sistema Interligado Nacional (SIN) nunca esteve com menor afluência. A urgência deste problema aparece hoje durante o processo da Medida Provisória que prevê a privatização da Eletrobras.
Tendo em vista que 70% da energia utilizada no país provém das hidrelétricas, a crise hídrica se torna uma crise energética. A previsão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) é de que pelo menos oito hidrelétricas da região sudeste devem estar com seus reservatórios próximos ao colapso até dia 30 de novembro. Estas usinas, localizadas na bacia do Rio Paraná, representam 53% de todo o armazenamento de água do país.
A previsão de um colapso energético em algumas regiões do país é paralelo ao aumento do consumo de energia, que havia caído em 2020 com o isolamento social, segundo os boletins mensais do ONS.
Em 2001 e 2014 a crise hídrica e energética causaram, aliadas à falta de planejamento, o racionamento de energia no país, durante o governo do Fernando Henrique Cardoso, e a falta de água em São Paulo, respectivamente.
Segundo as previsões do ONS, a perda de controle hidráulico na bacia do Rio Paraná implica em restrições no atendimento de energia elétrica no Sul, Centro-Oeste e Sudeste.
Para evitar o esvaziamento completo dos reservatórios e o colapso no sistema de energia, o ONS está recomendando ao governo Bolsonaro o planejamento de várias providências que possam manter os níveis no limite até novembro.
Uma das propostas para alimentar o fluxo de água nas represas é a redução da altura do espelho d’água mínima em Ilha Solteira (SP), que inviabilizaria por vários meses a navegabilidade da hidrovia Tietê-Paraná.
Apesar das medidas, o pesquisador e ex-engenheiro da Furnas, Renato Queiroz, em entrevista para o Brasil de Fato, argumentou que os apagões podem surgir por parte das distribuidoras e dispersos pelo país. Ou seja, a distribuidora justifica que não está recebendo energia e corta a carga, promovendo o apagão. Apagões localizados, que, segundo Queiroz, não são nada além de racionamento.
Governo quer ampliar uso das usinas termelétricas
Outra medida é acionar, entre outubro e novembro, o dobro do que hoje está sendo utilizado em usinas termelétricas. As usinas termelétricas, principalmente aquelas movidas a óleo diesel, são as mais caras e poluentes existentes.
O país já tem recorrido ao uso de usinas térmicas por conta da redução da capacidade das usinas hidrelétricas, que são dependentes do combustível importado. Segundo reportagem do Valor Econômico, os desembarques de GNL dos Estados Unidos bateram recorde neste ano, e a Petrobras está buscando mais quatro carregamentos da commodity no mercado à vista.
De acordo com Renato Queiroz, a ampliação da capacidade de usinas termelétricas é prejudicial para a segurança energética do país, tendo em vista que, diferente das hidrelétricas, amplia a dependência nos setores estratégicos da indústria brasileira, não resolvendo o problema a longo prazo e aumentando as tarifas de energia no imediato.
O acionamento das usinas termelétricas eleva as tarifas de eletricidade, pela cobrança de uma taxa extra aplicada pela Aneel e pela perspectiva de maiores reajustes das tarifas das distribuidoras. Em maio, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) já implementou a bandeira tarifária vermelha, patamar 1, o acréscimo de R$4,169. Em junho, a Agência aplicará o patamar 2 da bandeira tarifária vermelha, R$6,243 para cada 100kWh (quilowatt-hora) consumido.
O aumento das tarifas da eletricidade também incide nos preços das compras dos trabalhadores. A escassez de água para irrigar lavouras de commodities, além da energia em preços altos, tende a elevar a inflação que já está em alta, segundo reportagem do Valor Econômico.
Crise energética é justificativa para privatizar a Eletrobras, segundo secretário do governo
Em entrevista à Jovem Pan, o secretário de política econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, se utilizou da crise energética para defender a privatização, em curso, da Eletrobras.
“O que esse risco nos mostra? A necessidade de privatizarmos a Eletrobras”
Adolfo Sachsida
Segundo Renato Queiroz, no entanto, “vender a Eletrobras durante crise hídrica é tiro no escuro”. A perspectiva de privatização da estatal, que hoje possui cerca de R$14 bilhões em caixa, já pressiona os investimentos em obras, que estão paralisados.
A venda da estatal acirra a diminuição do quadro de funcionários e de investimentos, segundo o pesquisador, e impede ainda mais o planejamento estratégico de reversão do quadro de crise em que se encontra o país.
Para o pesquisador, o investimento em pesquisa pública dentro da estatal é indispensável para a formulação de outras estratégias para assegurar a segurança energética e a produção de energia limpa.