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Painel do Leitor | Brasileiros graduados trabalham de garçons nos EUA

Por Painel do leitor, redação do Universidade à Esquerda
07 de maio, 2021 Atualizado: 08:33

O leitor Bruno Machado, do Rio de Janeiro, lança a pergunta: “Por que brasileiros graduados vão para os EUA serem garçons?”. Para ele os salários mais altos que atrairiam brasileiros para os EUA estariam ligados a uma maior produtividade do trabalho no setor produtivo daquele país.

Uma questão curiosa que parece simples mas tem várias outras questões embutidas é o motivo de se ter uma vida financeira mais confortável como garçom nos EUA do que com um curso superior no Brasil, para grande parte daqueles que saem da faculdade.

O motivo, é claro, é que em muitos casos um salário de garçom, pedreiro, faxineiro ou babá em países ricos supera os salários exclusivos de determinadas profissões que requerem curso superior no Brasil ou em outros países pobres quaisquer. Mas o que pouca gente se questiona é o motivo desses salários serem maiores nos países ricos. Se um garçom faz exatamente a mesma coisa no Brasil e nos EUA e mesmo em períodos onde a taxa de desemprego do Brasil esteve tão baixa quanto a dos EUA a diferença salarial permaneceu tão grande, como pode haver salários tão diferentes?

Pode-se acreditar que o motivo é a moeda local ser mais forte ou valorizada mundialmente. Isso certamente é um fator importante, mas é uma consequência, não uma causa do motivo da diferença salarial entre os dois países. O motivo, na verdade, é que a produtividade do trabalho nos EUA é maior do que no Brasil. Mas por que?

Poderíamos apontar diversos fatores como infraestrutura, nível educacional ou bom ambiente regulatório para os negócios. Será então que se tivéssemos as rodovias, ferrovias e fontes de energia elétrica americanas os garçons brasileiros seriam tão bem pagos quanto nos EUA? Ou se importassemos os alunos de lá por anos a fio, talvez? Ou simplesmente se copiassemos as regras de direito privado, tributário e empresarial daquele país? Claro que não.

Os garçons americanos ganham mais do que os brasileiros, em relação ao poder de compra dos salários em cada país, porque no setor produtivo (fora do setor de comércio e serviços ondem trabalham os garçons) a produtividade é maior por conta de um maior avanço tecnológico. Em outras palavras, ao longo dos anos as empresas americanas aprenderam a produzir coisas mais difíceis, que agregam mais valor a vida humana e tem maiores preços por isso, além de menos empresas no mundo saberem produzir esses bens complexos com mesma qualidade. Dessa maneira essas empresas foram aumentando seus lucros e conquistando mercados consumidores em países pelo mundo. Com maior produtividade, os trabalhadores dessas empresas do setor produtivo conseguem negociar maiores salários. Mas então, o que isso tem a ver com os garçons que servem mesas em Nova York?

Todas as empresas, do setor produtivo, comércio ou serviços, competem entre si por trabalhadores, levando a uma certa aproximação entre os salários de um setor em relação ao outro. Se a indústria paga bem, o comércio terá que elevar os salários ou ficará sem trabalhadores. Em resumo, o aumento da produtividade decorrente do avanço tecnológico leva a um aumento da produtividade do trabalho no setor produtivo que, por fim, eleva os salários também nos outros setores, como comércio e serviços.

Sabendo disso, fica claro que a solução para o desenvolvimento do Brasil e o consequente aumento dos salários e da renda nacional vem de um aumento de produtividade no setor produtivo, não no comércio e serviços. Nenhum país fica rico abrindo milhões de hamburguerias ou barbearias por toda parte. Comércio e serviços apenas captam a renda gerada pela riqueza produzida no setor produtivo, que não atoa tem esse nome. E se um país ocupa seus trabalhadores do setor produtivo somente em pecuária, agricultura e mineração – dentro de empresas que mesmo que fossem monopólios globais e atendessem sozinhas à demanda mundial por tais produtos mais simples não elevariam o PIB per capita brasileiro ao PIB americano – em vez de ensina-los a produzir bens mais difíceis e com maior valor agregado como equipamentos médicos, mecânicos ou eletroeletrônicos, esse aumento de produtividade do trabalho necessário para se alcançar a riqueza se torna impossível dentro do comércio global, tornando impossível o crescimento da massa salarial nacional em termos reais.

Além disso, a diferença salarial entre garçons nos EUA e no Brasil, que leva brasileiros com ensino superior a abandonem o país para servir pratos ou dirigir carros nos EUA, nos mostra que qualquer riqueza gerada na sociedade vem do trabalho humano, seja ele físico ou intelectual. Para que parte dos trabalhadores americanos deixem de consumir seu tempo de trabalho na produção de sapatos para produzirem smartphones ou drones, outros trabalhadores tiveram que estudar e trabalhar para criar tais equipamentos, ao longo de anos, até que se construísse o capital – capital que na prática é trabalho passado acumulado (prédios, estradas, know how tecnológico, patentes) junto com aquilo existente na natureza por si só (como o petróleo ou o ouro) – para que uma parte maior da massa de assalariados pudesse ter empregos mais produtivos e, finalmente, possibilitar um salário e poder de compra maiores aos garçons americanos ou brasileiros que mudaram para lá.

Apesar de ficar claro que a riqueza é explicada pela produtividade do trabalho físico e intelectual, independente do sistema de produção adotado, é importante lembrar que grande parte da concentração de riqueza nos países ricos vem do super-lucro de suas empresas, possibilitado pela globalização e super-exploração do trabalho em países pobres. Além da existência de fronteiras que possibilitam a diferença salarial entre mercados de trabalho de países ricos e pobres.


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