Opinião
A flexibilização da quarentena e a insensibilização como uma escolha viável para os trabalhadores
Na última segunda-feira (20), o Governador Carlos Moisés anunciou a liberação de mais uma série de atividades a partir de hoje, flexibilizando ao máximo a quarentena no estado de Santa Catarina. Foram liberados o funcionamento de shoppings centers, centros comerciais, galerias, restaurantes, bares, academias,igrejas, templos religiosos e atividades físicas em parques e praias. Inicialmente, estas atividades estavam previstas para retornarem ao final de maio. Nas últimas semanas já havia sido liberado o comércio varejista, construção civil, entre outros.
A prefeitura da capital, Florianópolis, anunciou em nota que irá acompanhar o decreto estadual de flexibilização. A justificativa apresentada tanto pelo governador, quanto pelo prefeito, é de que não há uma iminência de colapso do sistema de saúde local. O prefeito de Florianópolis afirma que por ora os leitos de UTI da cidade apresentam baixo índice de ocupação, 13 de 73, mas se a situação piorar e os dados apresentarem indícios de risco de colapso, a quarentena pode ser retomada.
Não são poucas as notícias que dão conta de que esse é justamente o erro que levou uma série de países com muito mais material de saúde e prevenção à situação de colapso e empilhamentos de corpos. Esperar piorar o alastramento do contágio para adotar as restrições é caminhar para o precipício. Além disso, já há estados brasileiros enfrentando colapso, como é o caso do Amazonas, que está lidando com falecidos em casa e valas comuns para dar conta do número de mortos. Não é preciso ser um grande defensor da quarentena para saber que essas justificativas são meras desculpas que sequer servem para criar uma narrativa de aparência.
Desde o início da quarentena, o empresariado do estado vêm pressionando pela reabertura das atividades não essenciais, com cartas de federações comerciais e até mesmo uma oferta patife de respiradores em troca de abertura da rede de shoppings Almeida Júnior. Além disso, já estava indicada a ampliação da flexibilização pelo ministério da saúde, levando em consideração que não houvesse colapso imediato dos sistemas de saúde estaduais, ainda sob o comando de Mandetta.
Essa escolha de ampla flexibilização só se dá porque, das prefeituras à presidência deste país, não há um sujeito efetivamente comprometido com a vida dos trabalhadores, nem mesmo com a sobrevivência da economia, mesmo que eles possam crer em si mesmos como bastiões de tal âmbito da vida. Estes “gestores” só tem esta escolha, porque tantos eles, como toda a estrutura do estado brasileiro está comprometida profundamente com a manutenção do modo de vida capitalista, e em momentos de crise, isso significa transferir os custos da mesma para as costas dos seus trabalhadores. Não só neste país, mas é claro que a sua posição no capitalismo dependente acarreta em consequências ainda mais devastadoras para nós.
Hoje, ganhou repercussão um vídeo da reabertura do shopping Neumarkt em Blumenau, onde trabalhadores são colocados para aplaudir a entrada de clientes e um saxofonista toca uma música de recepção em meio à entrada de um público em debandada. A tentativa de produzir um ar de normalidade à retomada de atividades em meio à pandemia e a adesão do público de clientes do shopping a essa cena, é de uma insensibilidade assustadora, mas que não é inesperada. É exatamente nessa insensibilidade que o governo brasileiro aposta e é justamente por isso que é possível apresentar justificativas nas quais ninguém acredita.
A crença que se está efetivamente construindo, não é de que é possível evitar o contágio com algumas medidas completamente pífias de “prevenção” ou que só se trata de uma gripezinha que não vai causar danos tão grandes ao país. A crença que se está construindo é de que não há saída para a crise que não a submissão à exploração cada vez mais intensa de nossa força de trabalho. A crença que se está construindo, é de que é possível sobreviver à devastação da crise se exercermos o máximo do nosso egoísmo. A crença que se está construindo é de que é possível seguir o trajeto para o trabalho assistindo valas comuns serem abertas como se nada fosse, e se possível com um som de jazz ao fundo, para auto regular as emoções e desenvolver a estabilidade emocional necessária para seguir produtivo nesses tempos difíceis… talvez já estejamos nos acostumando a assistir todo dia as mortes serem transformadas em números pelos jornais.
Enquanto não houver uma real alternativa de organização dos trabalhadores para imporem as suas saídas para a crise capitalista, a nossa classe só tem a alternativa de acreditar na sua desumanização como fonte de sobrevivência.
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