Opinião
O que está por trás do EaD nas Universidades e no Ensino Básico?
Essa semana a UDESC retomou as aulas via EàD e amanhã o Conselho Universitário da UFSC deve discutir
Gustavo Bastos e Beatriz Costa – Redação UàE – 25/06/2020
Durante as últimas semanas, acompanhando a discussão sobre o ensino à distância e ensino remoto nas escolas de ensino básico e nas universidades públicas de Santa Catarina, uma aparente contradição surge. O movimento sindical ligado ao ensino básico aborda a questão de uma forma e nas universidades a questão é tratada quase pelo inverso.
A crítica ao ensino remoto, presente em setores do movimento sindical ligado ao ensino básico, é a de que o que está sendo aplicado no ensino básico não é ensino à distância. O EaD seria uma modalidade de ensino na qual é necessário formação adequada dos professores, estrutura adequada, acesso universal. Não pode ser isso que está sendo feito de forma improvisada e precária. Há ainda alguns setores que, por enxergar tal debilidade nessa modalidade de ensino aplicada ao ensino básico, são contra sua aplicação. Para esses setores o ensino remoto é tão ruim que não é sequer EaD.
Já nos movimentos universitários, principalmente entre o movimento estudantil, é comum a condenação do EaD. Entre esses setores, o formato é uma péssima modalidade para o ensino. Por isso, o que querem aprovar, ou o que apoiam, ainda que com algumas ressalvas, é o ensino remoto emergencial e excepcional. Por caminhos diferentes ambos setores defendem que o que está sendo proposto não é EaD, mas ensino remoto.
Essa confusão entre ensino remoto e EaD derivada do próprio “conceito” de ensino remoto é um fruto da pandemia. Há diversos motivos para diferenciar o EaD de ensino remoto. Entre eles aqueles que vem das regulações, do próprio governo e MEC, que exige determinadas características e pré-requisitos para um curso EaD, que não são exigidas no ensino remoto emergencial. Mas também, no meio universitário há, entre os defensores da modalidade EaD, o interesse de preservar o EaD como uma forma legítima de ensino e resguardá-lo das péssimas experiências que estão acontecendo durante a pandemia. Ou seja, essa discussão nunca existiu antes e está sendo instrumentalizada para atender a diversos interesses. A verdade é que essencialmente não há diferenças substantivas entre as duas modalidades para a diferenciação. Se o EaD é improvisado, se não tem estrutura, se é temporário, em nada altera a sua natureza, ainda é ensino à distância, dêem o nome que queiram dar.
Do ponto de vista dos estudantes, de quem aprende, é um ensino de péssima qualidade. O prejuízo pedagógico para quem está do outro lado da telinha vai ser gigantesco – porque para muitos é provável que o acesso aconteça justamente pelo celular. A relação do estudante com os professores, com os colegas, com os materiais, com a biblioteca, será mais pobre, para não dizer quase inexistente. Ainda há as especificidades de cada curso, falta de laboratórios, aulas práticas, demonstrações, enfim, toda uma miríade de recursos que os professores deixam de ter a disposição para utilização nas aulas.
Além disso, o ensino à distância requer do estudante outro tipo de relação com o conhecimento, já que todo o sistema escolar do país é estruturado na falta de autonomia do estudante sobre o conhecimento. Dessa forma, se aprovado o EaD, além dos que serão excluídos por não conseguirem acesso, por conta de internet, computador, etc. estarão sendo excluídos também aqueles que ficarão pelo caminho, que não conseguirem se adaptar com a nova modalidade de ensino ou porque, no meio da catastrófica crise sanitária e econômica que vivemos terão que trabalhar, contribuir com a renda familiar, cuidar dos irmãos para que os pais possam trabalhar, enfim, que passam por todo tipo de dificuldades. Os números de evasão subirão muito.
A escolha pelo EaD nesse momento, entretanto, não vem do nada. Ficou claro, alguns dias atrás, a grande pressão que setores do empresariado local fazem sobre a universidade. Através do “movimento” Floripa Sustentável, que reúne um variado número de associações empresariais, como Federação da Indústria de Santa Catarina (FIESC), Federação do Comércio de Santa Catarina (FECOMÉRCIO), Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Associação de Bares e Restaurantes (ABRASEL), etc. lançaram notas e realizaram um debate sujo com a universidade, chegando a afirmar que os professores e técnicos administrativos em educação estariam recebendo seus salários sem trabalhar. As posições do Floripa Sustentável, é claro, ganharam grande apoio da mídia local. A posição do Floripa Sustentável é falsa, a universidade continua funcionando e os professores e técnicos continuam trabalhando. Apenas o ensino regular está paralisado, mas a universidade continua com várias outras atividades que transcendem as salas de aula e que são tão importantes quanto.
No estado de São Paulo tudo aconteceu numa velocidade muito maior. As universidades estaduais paulistas quase que imediatamente iniciaram as atividades através de EaD. O estado, epicentro da pandemia de coronavírus no Brasil, com o maior número de infectados e de mortes, foi um dos primeiros a flexibilizar a quarentena e o distanciamento social, retomando atividades não essenciais, comércio, shoppings, metrô e ônibus, etc. E agora inclusive indicando a retomada presencial das aulas no ensino fundamental. Mas não sem reação dos professores da rede estadual, que já se organizam para realizar uma greve.
A situação é grave. A concentração de pessoas, sejam crianças, adolescentes ou adultos, torna as escolas um dos mais perigosos locais de transmissão do coronavírus. Não é difícil de entender: na escola reúnem-se estudantes de diversos bairros, diversas famílias, em ambientes fechados e com pouco espaço entre eles. Qualquer estudante doente poderia contaminar muitos outros, que ao chegarem em casa contaminariam suas famílias. A velocidade de propagação do vírus, sem dúvida, aumentaria muito.
Uma política com esse poder de gerar catástrofes só pode ser implantada quando já se aceitou que para tentar reverter, ainda que em parte, os efeitos da grave crise que vivemos a economia deve voltar a funcionar e que em função disso um grande número de pessoas vá morrer. Veja, uma das razões para que todas as atividades não voltem completamente ao normal é que as famílias estão com os filhos em casa. Esse é o papel do ensino presencial agora, permitir que um grande contingente de pais e mães volte ao trabalho.
Não seria diferente em Santa Catarina, ou em outras partes do país, o que a burguesia catarinense e florianopolitana quer é que, com ou sem pandemia, as empresas voltem a funcionar, que os pais possam deixar seus filhos nas escolas para voltar para o ambiente de trabalho. E nesse sentido não podemos ter dúvidas, a implantação do EaD nas universidades e um possível retorno ao ensino presencial é parte de uma política do retorno completo às atividades não essenciais e o completo abandono do que ainda resta de proteção contra o vírus.
Existem algumas posições dentro do movimento estudantil que são extremamente problemáticas e que acabam desarmando os estudantes. Um caso que pode ser utilizado como exemplo é o da juventude da Revolução Brasileira, do PSOL, apesar de existirem outros. Na nota de posição lançada pela juventude fica evidente a posição retraída de aceitar o EaD, desde que, é claro, esse EaD sirva para discutir os problemas nacionais e a revolução brasileira, em prol da reforma universitária. Vinculam uma pauta avançada, extremamente abstrata, com uma posição reacionária. É dessa forma que age o oportunismo, nos fazendo crer que desta forma estaríamos avançando em direção de algo positivo quando na verdade se trata de uma política, que na prática, é conservadora e reacionária, e portanto um retrocesso. Os efeitos disso nos movimentos não podem ser mais deletérios. Poderíamos perguntar a essa juventude porque o momento de discutir a reforma universitária é este, no meio de uma pandemia, com implementação de EaD, e não durante a grande greve que os estudantes da UFSC encamparam ano passado, na qual essa juventude atuou decididamente para pôr fim.
Nós, que defendemos uma universidade pública com autonomia substantiva, teremos que pensar nas consequências que a decisão de implantar o EaD nas universidades trará. Não temos dúvidas que uma decisão como esta, sem a devida reflexão sobre as especificidades dos cursos acarretará em aumento da desigualdade entre ás áreas de conhecimento. Cursos com mais atividades práticas serão mais prejudicados, terão turmas mais cheias em laboratórios, viagens de campo prejudicadas. Esses cursos mais prejudicados terão que receber suporte no futuro, é impensável que, por exemplo, as matrizes orçamentárias entre os cursos permaneçam as mesmas, ou que as alocações de contratação professores permaneçam como estão. Esses cursos precisarão de mais professores, de mais recursos para a compra de equipamentos, reagentes, materiais.
Amanhã a decisão sobre o Ensino à Distância passará pelo Conselho Universitário da UFSC. O reitor, que montou vários comitês, anunciou antes da votação no CUn que a universidade está trabalhando pela adoção do Ensino à Distância, e é provável que o conselho aprove o EaD na UFSC.
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