Conforme os números de contaminações e mortes por Covid-19 cresciam, aproximando-se das marcas de 3 mil mortes em 24 horas e 300 mil mortes acumuladas, um grupo de economistas brasileiros decidiu redigir um texto intitulado “O País Exige Respeito; a Vida Necessita da Ciência e do Bom Governo – Carta Aberta à Sociedade Referente a Medidas de Combate à Pandemia”, através de uma articulação por um grupo de Whatsapp que reúne diversos economistas brasileiros.
Na carta, escrita por Cláudio Frischtak, Marco Bonomo, Sandra Rios, Paulo Ribeiro e Thomas Conti, o grupo retoma dados econômicos que demonstram o erro da atuação do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), sem citá-lo diretamente. Foram elencados a redução de 4,1% do PIB, a taxa de desemprego que alcançou a marca de 14%, além do ritmo de vacinação e os gastos do governo com medidas de combate à pandemia.
A tese central da carta é de que faltou ao governo um direcionamento científico que pudesse estruturar políticas de combate à pandemia que fossem, de fato, eficientes. Por exemplo, os gastos que o governo federal teve com o auxílio emergencial e programas de manutenção de empregos, segundo o grupo, é muito maior comparado ao gasto que teria em vacinar toda a população brasileira — o que permitiria uma retomada segura da economia.
Este direcionamento, conforme a carta evidencia, dá-se pelo negacionismo da “liderança política maior no país”, que desempenhou um papel central na desmobilização de medidas como isolamento e distanciamento social, uso de máscaras e até mesmo da própria vacinação.
Há elementos importantes que a carta deixa de fora. Não podemos ignorar os gastos que o governo federal assumiu com o tratamento precoce, conhecido como “kit Covid” — geralmente composto por medicamentos como hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina e complementos de vitamina D e C.
Este investimento, inclusive, não foi apenas na aquisição dos medicamentos, mas também em propaganda, contando até mesmo com contratos com influencers em redes sociais para divulgação da importância de “tratamento precoce”.
Outra discussão importante é justamente sobre o auxílio emergencial. O dinheiro que foi entregue para a população foi gasto para garantir sua sobrevivência em um momento de cortes de salários e perdas de empregos. Entretanto, este dinheiro foi embolsado pelas grandes empresas do varejo, que não tiveram de devolver um centavo a mais por este valor adquirido quase diretamente do Estado.
Ainda, a carta atribui a crise econômica como consequência direta da pandemia, o que é falso. Já são anos que a crise econômica acompanha o país e reduz as condições de consumo da classe trabalhadora. Isso não quer dizer que a crise sanitária seja algo pífio ou que não impôs novos impasses econômicos — inclusive, elas se relacionam de modo a produzir o contexto social que presenciamos.
A falta de insumos médicos, leitos de UTI, vacinas, etc., é importante destacar, não vem apenas de um “desvio comportamental” da presidência. Ela está intimamente ligada ao constante sucateamento dos serviços públicos, intimamente ligada ao teto de gastos que impede avanços no investimento em saúde e educação — que é fundamentalmente uma posição política sobre saúde poder ser uma mercadoria.
Entretanto, levou o tempo de o Brasil alcançar marcos históricos em relação a Covid-19 para que estes economistas se manifestassem de alguma forma, tendo as poucas críticas ao governo Bolsonaro até então não avançado para além das implicações morais do não uso de máscara e promoção de aglomerações.
Foi necessário um colapso total do sistema de saúde no norte do país para que os economistas se preocupassem com a vida. Foram necessárias 300 mil mortes para que os economistas percebessem que a roda da economia não gira sozinha, mas sim porque há trabalhadores operando-a — e que se estes trabalhadores estão morrendo cada vez mais jovens devido às complicações diretas da infecção pelo Covid-19 ou pelas faltas de leitos de UTI.
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