Opinião
Na estação das chuvas, Pernambuco encontra-se as portas de um desastre
O dia 19 de março, por tradição na região nordeste, é o dia do início do plantio do milho, um dos principais alimentos da região e que figura como ingrediente em praticamente todas as refeições dos trabalhadores da região. Esta data também é conhecida como o dia de São José e marca o início do ciclo do milho que culmina em Junho com as festas juninas. Para além de um marco religioso, estas datas estão ligadas à produção de alimentos, à abundância da colheita e principalmente, à chegada do período de chuvas na região.
No entanto, com as mudanças climáticas aliadas com o crescimento das cidades, este período passa a trazer o temor das grandes enchentes que se tornam cada vez mais comuns na região. No final de maio de 2022, as enchentes instauraram um estado de calamidade em diversas regiões do estado. Já considerada a maior tragédia do estado de Pernambuco neste século[1], as chuvas deixaram mais de sessenta mil pessoas desabrigadas ou desalojadas [2] e mais de uma centena de mortos no estado. Só em Recife, estima-se que foram 128 mortes e mais de 9.000 pessoas desabrigadas [3].
Além do estado de Pernambuco, Alagoas foi duramente atingida pelas chuvas no período, e também conviveu com a dor de diversas mortes e milhares de trabalhadores desabrigados. Tal tragédia deixou mais de 30 cidades alagoanas em situação de emergência no período [4].
As condições para que um novo desastre aconteça na região ainda estão presentes. De um lado , está ocorrendo o fenômeno climático conhecido como La niña, que se manifesta na da mudança de temperatura do oceano pacífico. Do outro lado, houve uma variação das temperaturas do oceano Atlântico. Assim como em 2022, as agências de monitoramento assinalaram com antecedência o perigo que a junção destes dois fenômenos significa para a região [5].
Neste ano, entre o dia 18 e 19 de março (dia de São José), para além da temporada de chuvas, começamos a temer a temporada das enchentes. Caruaru, uma cidade central no agreste pernambucano, viveu uma madrugada de terror com fortes enchentes, causando destruição e deixando diversas pessoas desalojadas [6].
Neste contexto em que a tragédia está anunciada, as poucas medidas que são tomadas se mostram insuficientes. Neste sentido, a raiz do problema permanece intocada: nossa classe, para ter alguma moradia, continuam sendo obrigadas a ocuparem áreas de risco. As consequências das chuvas tem endereço certo, ela atinge majoritariamente as ocupações em morros e zonas ribeirinhas onde vivem setores da classe trabalhadora mais pobre em geral. A falta de uma política habitacional aliada a especulação imobiliária, foram os algozes de boa parte dos milhares de trabalhadores que foram atingidos pelas chuvas e enchentes deste período.
Tocar nessas questões passa necessariamente pelo enfrentamento com as classes dominantes da região. O que fica em disputa é a possibilidade dos trabalhadores pensarem a cidade para benefício de sua própria classe.
Na época das enchentes de 2022, na cidade de Recife, milhares de trabalhadores atingidos ocuparam as ruas. Para além das ações públicas, nossa classe se solidarizou para garantir roupa, comida e alguma forma de ressarcimento para as vítimas desta tragédia.
Para os setores organizados da esquerda, é fundamental que estejamos cerrando fileiras com a nossa classe na possível repetição da tragédia que vivemos no ano passado. Para além das ações de assistência, que é necessário para garantir a sobrevivência dos atingidos pelas enchentes, temos como tarefa, nos organizar junto de nossa classe para a luta por melhores condições de moradia, para o enfrentamento da especulação imobiliária e o processo de gentrificação que ela causa. Esses direitos não serão conquistados pela benevolência dos burgueses, mas sim com a união de nós trabalhadores e trabalhadoras para o enfrentamento da reação da classe dominante.
A cidade, que não foi pensada pelo e para os trabalhadores, ao invés de ser um lugar melhor para vivermos torna-se em um espaço de extermínio de parte da nossa classe. Repensar a cidade, pode possibilitar que as festas de Junho voltem a representar a abundância de alimentos e a nossa união em torno da colheita que nos enche de vida.
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