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Opinião

Governo anuncia R$ 2,44 bilhões para recomposição de orçamento nas IFES; o que esse valor significa para as universidades?

Segundo reitores, montante é insuficiente para suprir as necessidades das universidades federais

Imagem: Valter Campanato – Agência Brasil
Por Flora Gomes, redação do Universidade à Esquerda
25 de abril, 2023 09:22

O governo federal anunciou na última quarta-feira (19/04) a recomposição parcial do orçamento para as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) no valor de R$ 2,44 bi, dos quais R$ 1,7 bi devem ser aplicados na recomposição direta das finanças e R$ 730 milhões devem atender obras e ações que estiveram sem cobertura nos últimos anos, como a residência médica multiprofissional e as bolsas de permanência. Camilo Santana, do Ministério da Educação (MEC), deve detalhar a aplicação dos recursos nos próximos dias, mas ressaltou que o orçamento deve ser aplicado principalmente em finalizar obras inacabadas. Ainda que o valor possa representar um alívio para alguns gestores, o montante está longe de enfrentar o sucateamento histórico das universidades públicas e sua causa. 

Para a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) serão destinados R$ 16,4 milhões para manutenção, R$ 6,9 milhões para investimentos e R$ 2,6 milhões para o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). O Reitor Irineu Manoel de Souza anunciou que o valor representa um acréscimo de 15% nas verbas discricionárias, e destaca que este ainda é insuficiente para atender a todas as necessidades da universidade. O Reitor ainda sugere que o governo federal  desenvolva as obras nas universidades aos moldes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com recursos específicos fora do orçamento das universidades.

Já a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) receberá R$ 32 milhões, dos quais R$ 26 milhões devem cobrir despesas com manutenção, R$ 4,9 investimentos e R$ 711 mil são para o PNAES. Segundo o reitor da instituição, Luciano Schuch, a recomposição parcial do orçamento leva a universidade aos patamares de 2019, ano no qual ocorreu uma grande greve em diversas universidades em razão da falta de verbas e também em resposta à solução do governo federal à época, o Programa Future-se.  

Na Universidade Federal do Paraná o montante recebido será prioritariamente utilizado para aumentar o valor de bolsas e auxílios.

Segundo o reitor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Marcus Vinicius David, o acréscimo orçamentário também restabeleceu o orçamento da federal nos patamares de 2019. Segundo ele, o montante está muito abaixo da recomposição inflacionária do período, mas que este valor deve permitir o restabelecimento de alguns gastos que ficaram comprometidos nos últimos anos. O detalhamento dos gastos na instituição ainda será debatido no Conselho Universitário (Consu). 

A representante do ANDES, Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, Raquel Brito de Souza, declarou que o sindicato considera a recomposição orçamentária importante, mas que o valor está muito abaixo das reais necessidades das IFES. Segundo ela, o governo federal optou por priorizar a conclusão de obras inacabadas, mas que existem outras demandas emergenciais na instituição. Raquel também destaca que o governo não convidou os sindicatos para um diálogo sobre o tema. 

Ainda que o valor anunciado pelo Governo Federal represente um alívio para alguns gestores das IFES, os mesmos reconhecem que o montante não irá suprir as reais necessidades das instituições. São dez anos de cortes sucessivos no orçamento que deixam marcas difíceis de serem recuperadas, como a degradação contínua de prédios e máquinas, a necessidade de compensar a inflação de uma década, entre outras. 

Quando olhamos o significado do valor anunciado dentro de uma série histórica, concluímos que a crise orçamentária das IFES está longe de ser enfrentada:

Gráfico: Allan Kenji Seki

Legenda: em azul, valores em bilhões do orçamento necessário para as IFES manterem suas atividades; em laranja, o valor efetivamente executado. 

Como é possível perceber, os R$ 2,44 bi anunciados pelo governo federal, representam muito pouco diante da crise de subfinanciamento encarada pelas IFES no ensino superior, que acumula déficit de décadas. Mesmo com a recomposição anunciada, as universidades estão muito longe de conseguirem suprir suas necessidades básicas de funcionamento. Seriam necessários cerca de R$ 60 bilhões para as IFES terem recursos suficientes para suas atividades funcionarem adequadamente.  

Ademais do que é possível verificar pelos próprios montantes expressos nas dotações orçamentárias, há uma política adotada por todos os governos da Nova República de transferência de recursos públicos para instituições privadas de ensino. Estas, ao longo dos anos, receberam patrocínios do Estado em diversas formas (via moratória de dívidas privadas, isenções fiscais, entre outros), que resultaram em uma concentração inédita das matrículas nas mãos de capitais privados. Segundo Seki (2020) [1], apenas cinco grupos (Kroton, Estácio de Sá, Unip, Laureate e Ser Educacional) detém um número maior de matrículas do que todas as matrículas públicas no Brasil.

O que esses dados revelam é que ao longo dos ciclos de crise da Nova República, foi se instalando uma disputa cada vez mais acirrada entre as instituições públicas e privadas pelo fundo público. O conjunto de medidas adotadas pelo Estado tem colocado as universidades públicas em condição de sucateamento cada vez maior, pois tem priorizado os repasses aos capitais privados. Esse arcabouço não foi enfrentado pelo atual governo federal.

Os R$ 2,44 bi anunciados pelo Governo Federal, portanto, ainda que possam representar alívio para alguns gestores, não fazem frente à crise orçamentária das IFES ou enfrentam a política do Estado para as instituições públicas. As respostas para a crise de financiamento dificilmente virá pelo alto, pois a tendência verificada é um consenso entre governos, que apesar de terem características distintas, consensuam no tocante às benécies aos capitais da educação. A única forma de pender essa disputa para o nosso lado é através da construção de lutas que enfrente todos esses arcabouços e faço uma pressão para que o que é público de fato sirva à classe trabalhadora. 

*Os textos de opinião são de responsabilidade dos autores e podem não refletir a opinião do jornal

[1] SEKI, A. K. O Capital Financeiro no Ensino Superior Brasileiro (1990-2018). 1. ed. Florianópolis: Editora em Debate, 2021. 557 p.

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