Notícia
Descaso com a vida da classe trabalhadora: desastre natural do capitalismo anunciado
Chama a atenção o descaso com a vida de dezenas de trabalhadores que assistimos no último final de semana, após a forte chuva que atingiu o litoral paulista. Mais uma vez, dezenas de mortes poderiam ter sido evitadas, não fosse o desprezo pela vida de trabalhadores, característica natural e desastrosa do capitalismo. Cidades do estado de São Paulo tiveram o maior registro de chuvas da história do país. Foram quase 700 mm de chuva entre sábado (18) e domingo (19), cada um milímetro corresponde a um litro de água acumulado em um metro quadrado, sendo assim a chuva chegou a quase 700 litros em cada metro quadrado.
Os municípios mais atingidos foram Bertioga (682 mm) e São Sebastião (627 mm), sendo que o último concentra a maior parte de mortes confirmadas, são 49 do total de 50 mortos na região, uma delas em Ubatuba. Em todo o estado paulista somam-se aproximadamente quatro mil desalojados ou desabrigados.
O acumulado foi previsto pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) como de grande risco. Igualmente, a MetSul Meteorologia, previu chuvas de até 700 mm na região. Segundo reportagem do G1, o órgão de nacional responsável pela previsão de desastres naturais (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – Cemaden), alertou a prefeitura de São Sebastião e o estado de São Paulo sobre as chuvas e o alto risco de desastres dois dias antes, na quinta-feira (16). Na sexta-feira (17), emitiu nota técnica para orientar demais órgãos competentes.
Porém a Defesa Civil não emitiu alerta e nem preparou abrigo para receber moradores das regiões afetadas, os avisos se limitaram a envios de SMS para 34 mil números de celulares cadastrados no sistema de avisos, a cidade tem mais de 91 mil habitantes. Além disso, as mensagens não reportavam a gravidade da situação e não mencionaram deslizamentos e enchentes e não foram realizadas nenhuma outra forma de aviso nas redes oficiais. Ainda segundo reportagem do G1, houve decisão de não divulgar comunicado para não afastar os turistas da região, eram esperadas cerca de 500 mil pessoas no feriado de carnaval
Mais de dois anos antes, no final de 2020 o Ministério Público do estado de São Paulo realizou inspeções na cidade apontando áreas de risco e construções nas encostas de morros. O MP entrou com uma ação na justiça contra a prefeitura de São Sebastião para cobrar regularização e urbanização da área mais afetada pelas chuvas e com maior registros de mortos no último final de semana, a Vila Sahy. A prefeitura teria se comprometido em realizar a regularização da área em dois anos a partir de 2021, o que não ocorreu. O jornal Estadão, reporta que nos últimos 3 anos, houve 37 condenações judiciais à prefeitura de São Sebastião regularize a área onde vivem mais de sete mil famílias sob a encostas de morros da Serra do Mar, e que juízes citam “omissão histórica” com a população que não tem acesso a infraestrutura básica.
A Vila Sahy, bairro mais atingido e sempre tido nos relatórios como local “tragédia anunciada”, iniciou como uma ocupação no final da década de 1980 e início de 1990. É composta principalmente por migrantes nordestinos em busca de trabalho na região. Os moradores somam cerca de 800 famílias de trabalhadores que, em sua maioria, trabalham em casas, condomínios, hotéis de luxo e serviços ligados ao turismo na região. Localiza-se na margem da rodovia Rio-Santos (BR 101), oposta ao mar, diferente dos locais que trabalham.
Acumulados de chuva tem se tornado sinônimo de desastres ambientais e mortes de trabalhadores, a única coisa que costuma a mudar, quando muito, é a localidade. Permanecem a falta de estrutura e a inconsequência sobre o descaso com mortes que poderiam ser evitadas aos milhares nos últimos anos no país. Em entrevista para a TV Globo, o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, afirmou que a tragédia servirá de lição para uma melhor comunicação com as pessoas no futuro. Porém, qual a lição que não foi possível aprender para evitar essas mortes? Não há tempo para experimentar quando trata-se da vida de trabalhadores que dependem de avisos como os que não foram dados para se proteger. Qual a lição ficará para os que perderam o seus?
Não resta dúvidas que o “desastre anunciado” não é das regiões em si, mas da forma como nossa sociedade se organiza no capitalismo, onde desastres nada naturais são tidos como inevitáveis e sinônimos de mortes previstas. Que não naturalizemos o que querem aqueles que deliberadamente não avisaram suas populações do risco iminente e não ofereceram nenhuma saída para essa situação.