Notícia
CPI-Pandemia ouve ex-ministros da Saúde; Queiroga deve ser reconvocado
Mandetta, Teich e Queiroga responderam à CPI sobre as ações do governo federal em meio à pandemia
Desde a primeira semana de maio, os 11 senadores que compõem a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia têm ouvido os ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, bem como o atual ministro, Marcelo Queiroga. Eduardo Pazuello, também ex-ministro da pasta, será ouvido na próxima quarta-feira (19).
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Neste primeiro momento, o atual e os ex-ministros foram convocados como testemunhas para averiguar a possível negligência e omissão de Bolsonaro em relação ao combate à crise sanitária, bem como seus desdobramentos.
Estão em pauta a expansão do uso da cloroquina, o tratamento precoce, o colapso do sistema de saúde amazonense e as complicações no início da vacinação.
Mandetta foi o primeiro a depor, no dia 4 de maio. Em seu depoimento, que durou mais de sete horas, o ex-ministro levantou a possibilidade da existência de um “ministério paralelo”. Segundo Mandetta, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apresentava concordância com suas recomendações, mas em questão de dias “ele voltava para aquela situação de quem não havia, talvez, compreendido, acreditado, apostado naquela via”.
A hipótese é a de que Bolsonaro receba orientações sobre temas de interesse do Ministério da Saúde (MS) externamente. Entretanto, dentro da própria pasta, havia quem fizesse a defesa da cloroquina mesmo para pacientes em casos leves.
Um exemplo é Mayra Pinheiro, conhecida hoje como “capitã cloroquina”. Médica pediatra, ela ocupa a Secretaria de Gestão do Trabalho no ministério. Pinheiro não havia manifestado nenhum posicionamento relevante até a nomeação de Pazuello como ministro da Saúde, quando passou a defender o tratamento precoce e expansão do uso da cloroquina. Pinheiro deve ser ouvida pela CPI no dia 20 de maio.
Mandetta também denunciou a tentativa do governo Bolsonaro, por meio de decreto, de incluir na bula da cloroquina a recomendação de administração em casos de Covid-19. Segundo o ex-ministro, foi em uma reunião no Palácio do Planalto ao qual foi convidado que ele ouviu a sugestão.
A informação foi confirmada, ainda, pelo presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, em seu depoimento na última terça-feira (11).
Outro tema abordado na fala do ex-ministro é a hipótese de que Bolsonaro tenha adotado, em sigilo, a estratégia de imunidade de rebanho. Oposta a à estratégia de isolamento social, a imunidade de rebanho consiste na exposição ao vírus, causando o adoecimento deliberado da população para que as pessoas possam adquirir anticorpos.
Ao longo da pandemia, Bolsonaro atuou contra as recomendações de isolamento social, associando a estratégia ao lockdown — medida mais restritiva de contenção da circulação.
Principalmente nos primeiros meses de pandemia, o presidente apontava experiências de outros países que não estavam adotando nenhuma medida de contenção de circulação — como a Suécia — como um exemplo de política a ser adotada no país.
O segundo a ser ouvido pela CPI, no dia seguinte a Mandetta, foi o ex-ministro Nelson Teich, que comandou a pasta por apenas 29 dias — deixando-a após pedir demissão.
O ex-ministro também mencionou conselhos externos ao MS que embasaram a política de Bolsonaro em relação à pandemia. Por exemplo, o Conselho Federal de Medicina, que permitiu a prescrição da cloroquina para o tratamento da Covid-19 no Parecer nº 04/2020.
Segundo Teich, foi a falta de autonomia dentro do Ministério, expressa principalmente sobre a questão da cloroquina, que o fez decidir pela exoneração. O pedido foi encaminhado por Teich no dia seguinte à uma live de Bolsonaro em suas redes sociais, na qual o presidente defendeu a expansão da distribuição da cloroquina e de seu uso.
Em seu depoimento, Teich foi acusado pelos senadores de esquivar-se tanto de emitir opiniões sobre o governo federal, quanto de apresentar a íntegra das informações. Em alguns momentos, por exemplo, o ex-ministro alegava não se recordar de pessoas com quem tivesse se reunido a fim de discutir campanhas de conscientização.
Na sucessão de ex-ministros, Pazuello deveria ser ouvido posteriormente à Teich. Entretanto, este alegou que teve contato com uma pessoa contaminada pelo Covid-19, exigindo que ele mantivesse isolamento nos próximos dias.
No entanto, Pazuello tem sido visto circulando em áreas comuns do hotel militar onde reside com pouco ou nenhum cuidado sanitário. Além disso, o ex-ministro recebeu a visita de Onyx Lorenzoni, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, no dia 6 de maio.
O atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, também foi ouvido na CPI e há indicações de que ele seja reconvocado a prestar depoimento.
Queiroga foi questionado sobre como estavam as condições do ministério após a saída de Pazuello, especialmente a respeito dos contratos de compra de vacinas e da distribuição de cloroquina através do MS.
As respostas evasivas de Queiroga irritaram os senadores, tornando o depoimento o mais longo até então, com mais de nove horas de duração.
O atual ministro recusou-se a expor o que pensava sobre a situação da pasta no momento em que assumiu, bem como a avaliar o trabalho de Pazuello no MS. Pressionado a dizer se faltou algo que o Ministério podia ter feito, sua resposta resumiu-se em dizer que não faltou dinheiro.
Queiroga também não quis se manifestar sobre se concordava com Bolsonaro acerca da cloroquina, afirmando apenas que a Comissão Nacional de Incorporação e Tecnologias do SUS (Conitec) está reformulando os protocolos de orientações para a prescrição da cloroquina e que, considerando que o ministro é responsável pela decisão final, não poderia responder à questão naquele momento.
Sobre a segurança do uso da cloroquina, Queiroga respondeu, após pressão de senadores, que reconhece os riscos na administração em pacientes com problemas cardíacos. Entretanto, voltou a defender que o medicamento seria seguro para os demais casos.
Ainda, o ministro defendeu que a questão da cloroquina não deveria ser tratada com centralidade, pois “o que é decisivo é a vacinação e as medidas não farmacológicas”.
Dentre as medidas não farmacológicas está o isolamento social — que também foi tema de perguntas direcionadas à Queiroga. O ministro, no entanto, recusou novamente a opinar sobre declarações do presidente contrárias à medida de contenção de circulação. Com a insistência dos senadores, Queiroga se restringiu a dizer que concordava com o presidente no sentido de preservar as liberdades individuais.
A respeito da vacinação, Queiroga não soube precisar o número de vacinas adquiridas pelo governo, bem como não soube dar explicações sobre os contratos firmados para compra das vacinas Pfizer e Sputnik. Além disso, afirmou que teria sido impossível vacinar a população brasileira ainda em 2020, pois não haviam vacinas prontas.
A afirmação foi rebatida pelos senadores, alegando que a Pfizer já tinha vacinas prontas em novembro. Até aquele momento, havia suspeitas de que Bolsonaro recusou ofertas de compras da Pfizer — o que foi confirmado no depoimento de Carlos Murillo, executivo da Pfizer na América Latina.
Segundo Murillo, um total de 70 milhões de doses da vacina poderiam ter sido entregues ainda em 2020.
A CPI deve continuar ouvindo outras testemunhas ao longo do mês de maio, como Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores, Dimas Covas, diretor do Instituto Butantã, Nísia Trindade Lima, diretora da Fiocruz e Fernando de Castro Marques, presidente da União Química — laboratório que produzirá a Sputnik no Brasil.