Notícia
CPI da Covid e as suspeitas sobre compra da Covaxin
Suspeitas envolvem empresa de fachada, superfaturamento e pressões atípicas para aprovação da vacina
A CPI da Covid pode estar em mãos da denúncia mais grave acerca da condução da pandemia pelo governo Bolsonaro: possíveis irregularidades envolvendo a compra da vacina Covaxin.
Os indícios são diversos: preço elevado das doses, descumprimento contratual, pressão para agilizar a compra e aprovação pela Anvisa, entre outros. A possibilidade de que o presidente Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação agrava a denúncia recebida pela CPI.
O caso começou a tomar repercussão na última sexta-feira (18) com a divulgação do teor do depoimento do servidor Luís Ricardo Miranda, do Ministério da Saúde.
Em oitiva no Ministério Público Federal, o servidor afirmou que foi pressionado de forma “atípica” para agilizar a liberação da vacina indiana, desenvolvida pelo laboratório Bharat Biotech.
O servidor Luis Ricardo Miranda com o presidente Jair Bolsonaro, em encontro no dia 20 de março. Reprodução.
Segundo Mirando, seus superiores pediram para que ele obtivesse a “exceção da exceção” junto à Anvisa para a liberação do uso do imunizante.
Entre os responsáveis pela pressão atípica dentro do ministério estaria o tenente-coronel Alex Lial Marinho, homem de confiança do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército.
Marino era coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde e esteve copiado na troca de emails entre representantes da Precisa Medicamentos e funcionários de áreas técnicas do ministério.
A investigação começou quando a Procuradoria da República no Distrito Federal identificou um descumprimento do contrato assinado entre a Precisa Medicamentos e o Ministério da Saúde, com quebra de cláusulas sobre o prazo de entrega da vacina Covaxin.
Precisa Medicamentos é a empresa que assina o contrato com o Ministério da Saúde. Representa no Brasil a farmacêutica indiana Bharat Biotech.
No dia 6 de maio encerrou o prazo estipulado em contrato para a entrega das 20 milhões de doses, mas nenhuma unidade chegou ao Brasil. Os primeiros imunizantes deveriam estar no país em 17 de março.
O servidor Miranda que deu depoimento sigiloso a Procuradoria era chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde.
Outro aspecto que chama atenção é a velocidade das tratativas. Enquanto o governo federal levou mais de seis meses para finalizar as negociações com a Pfizer, a assinatura do contrato para a aquisição da Convaxin levou apenas cinco semanas.
O imunizante Covaxin foi questionado pela Anvisa. Em março, a agência negou um pedido de importação da vacina indiana feito pelo Ministério da Saúde. A Anvisa alegou falta de dados mínimos para analise.
Mas em 9 de junho, a Anvisa voltou atrás e concedeu o certificado de boas práticas de fabricação.
Além dos indícios de pressão para importar o imunizante, há outros encalços que chamam atenção para possível favorecimento a empresa que faz a intermediação da venda da vacina.
Um deles é o preço do imunizante: R$ 80,70 por dose. Os imunizantes mais usados no Brasil variam de R$ 58,20/dose (Coronavac) a R$ 19,87/dose (AstraZeneca). O contrato para 20 milhões de doses era de R$ 1,6 bilhão.
De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, houve encarecimento de 1.000% ante o valor anunciado pelo fabricante seis meses antes.
O governo não chegou a fazer pagamento à Precisa Medicamentos, mas a empresa tentou por duas vezes garantir um pagamento antecipado de US$ 45 milhões por um primeiro lote de imunizantes
O Ministério da Saúde tinha conhecimento do descumprimento do contrato e tentou contornar a situação.
Nesta quarta-feira (23) o atual ministro, Marcelo Queiroga, negou que o governo tenho comprado qualquer dose da Covaxin.
O presidente Bolsonaro também foi alertado sobre as suspeitas. O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão do servidores que prestou depoimento, diz ter alertado Bolsonaro sobre indícios de irregularidade na negociação do Ministério para a compra da vacina indiana.
“No dia 20 de março fui pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a documentação para ele”, disse o deputado nesta quarta-feira (23). O deputado é da base aliada do governo.
“Não era só uma pressão que meu irmão recebia. Tinha indícios claros de corrupção”. Na conversa, Bolsonaro afirmou que colocaria a PF para investigar a situação.
O deputado porém afirmou que não recebeu retorno do presidente ou da PF.
Com as suspeitas vindo à tona, o presidente Bolsonaro pediu a Polícia Federal para investigar o próprio servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda e o irmão dele, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF), autores das acusações que o envolvem.
O governo resolveu investigar justamente as testemunhas, o que pode ser uma manobra para calar os depoentes.
Histórico de irregularidade
Um dos aspectos que levanta suspeita é a mediação da empresa Precisa Medicamentos entre o governo e o laboratório. Em geral, o Ministério negocia diretamente com os laboratórios.
Mas o que chama mais atenção é que o sócio-administrador da empresa, Francisco Emerson Maximiano, preside outra, a Global Gestão em Saúde, que responde a processo por irregularidades em contratos com o Ministério da Saúde.
A empresa foi acionada na Justiça pelo MPF por pagamentos antecipados e indevidos feitos pelo Ministério da Saúde.
O valor no contrato pago pelo ministério na época foi de R$ 20 milhões. Segundo a ação de improbidade, a empresa não forneceu medicamentos para doenças raras e, mesmo assim, recebeu pagamentos antecipados. De acordo com a MPF, catorze pacientes morreram.
Os Senadores da CPI acreditam que a Madison Biotech seja uma empresa de fachada. Ela é sediada num endereço em que investigações internacionais já apontaram que cerca de 600 empresas de fachada estão registradas.
Fachada da sede de laboratório Madson Biotech, em Cingapura. Em busca na internet, há também outro endereço — Foto: Reprodução/Google Maps
“As informações que estamos colhendo apontam para que a Madison, usada pela Precisa para receber ilegalmente pagamento antecipado da venda da Covaxin, seja uma empresa de fachada. No mesmo endereço dela, já foi denunciado que 600 empresas de fachada estão registradas”, disse senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid.
CPI da Covid
Para o senador Omar Aziz, presidente da CPI da Covid, as acusações envolvendo a compra da Covaxin são gravíssimas.
“Eu pedi uma informação do diretor-geral da Polícia Federal se houve o pedido para investigar a compra da Covaxin. Se o presidente ligou para o diretor-geral da Polícia Federal e disse: ‘Ó, tem uma denúncia aqui feita pelo deputado Luís Miranda e pelo irmão dele e a gente quer saber se realmente tocaram essa investigação’”, afirmou.
Na quarta-feira (23), os senadores da comissão aprovaram requerimentos para aprofundar essa parte da investigação. Foi aprovado o convite para que o servidor Luís Ricardo Miranda preste depoimento à comissão para explicar a pressão que diz ter sofrido.
O depoimento do servidor acontecerá nesta sexta-feira (25). O deputado Luís Miranda, irmão do servidor, será ouvido conjuntamente.
O tenente-coronel Alex Lial Marinho foi convocado para prestar depoimento à CPI. A presença é de caráter obrigatório.
A CPI também aprovou quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático de Lial Marinho.